BATE-BOCA NO WHATSAPP

Juiz acusado de ameaçar a ex-mulher tem representação criminal arquivada no TJ-RS

Autor

26 de dezembro de 2020, 17h14

Quando os fatos narrados na denúncia não mostram indícios claros de autoria, de materialidade nem de tipicidade de um delito, não há por que prosseguir com a ação penal, como já assentou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Reprodução
Representação criminal contra juiz foi arquivada pelo TJ-RS
Reprodução

Por isso, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul arquivou representação criminal aberta contra juiz de uma comarca do interior gaúcho, acusado de ameaçar a ex-mulher num bate-boca pelo WhatsApp. O crime de ameaça é tipificado no artigo 147 de Código Penal e pode render, se comprovado, pena de até seis meses de detenção ao infrator.

O relator do caso na Corte Especial, desembargador Ivan Leomar Bruxel, não viu motivo para dar sequência à ação, acolhendo o pedido de arquivamento do expediente investigatório, feito pelo Ministério Público — o titular da ação penal —, pois tudo não passou de uma ‘‘discussão ríspida’’ entre o casal, que estava há duas semanas separado. Ou seja, apesar de se mostrar ríspido, o juiz não fez ‘‘promessa de mal injusto e grave’’, como exige a tipificação do crime.

Tal como a Procuradoria Geral de Justiça, Bruxel entendeu que os fatos apurados na denúncia são irrelevantes para o Direito Penal, que não dispõe de meios eficazes para a proteção dos interesses em jogo. Ao contrário, tende a acirrar as desavenças entre os envolvidos.

Conforme o parecer do MP, o litígio posto nos autos está mais afeito ao Direito de Família, que conta com mecanismos de composição adequados às circunstâncias fáticas. ‘‘Corrobora a conclusão de que se trata de matéria afeita à esfera privada dos envolvidos o fato de que a Corregedoria-Geral de Justiça não deu início a qualquer procedimento administrativo-disciplinar contra o ora representado’’, registra a decisão monocrática, tomada no dia 17 de dezembro.

Ocorrência policial
Segundo se depreende dos fragmentos do boletim de ocorrência lavrado na Delegacia de Polícia da comarca interiorana, em 4 de fevereiro de 2020 o juiz enviou uma mensagem pelo WhatsApp à ex-companheira. Informou que estava deixando a residência do casal, levando consigo todos os bens — móveis, mantimentos e até os animais de estimação. 

Na troca de mensagens, segundo registra o B.O., a mulher, que se encontrava em Porto Alegre, avisou que iria ‘‘resguardar os seus direitos’’, procurando um advogado. Em resposta, o magistrado afirmou que não falaria com “advogadozinho”. E se a ex tivesse o atrevimento de registrar ocorrência policial, ‘‘iria processá-la’’. Por fim, quando comentou que entraria em contato com a Corregedoria da Justiça, ouviu do juiz que ela ‘‘iria se ferrar’’. Ela ainda informou que o juiz é uma ‘‘pessoa agressiva, que bebe muito e que utiliza medicação controlada’’.

Medidas protetivas
De posse das mensagens e da ocorrência policial, a ex pediu na Justiça a concessão de medidas protetivas de urgência e manifestou o desejo de fazer uma representação criminal contra o julgador. O 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Porto Alegre declinou da competência para o Órgão Especial do TJ-RS, a quem cabe julgar os magistrados.

O desembargador-relator na Corte Especial, Ivan Leomar Bruxel, deferiu as medidas protetivas com base no artigo 22, inciso III, alíneas “a” e “b”, da Lei Maria da Penha. O juiz foi proibido de se aproximar a menos de 100 metros da ex-companheira (incluindo a residência e o local de trabalho dela); e também de manter qualquer tipo de contato com ela — seja por meio de telefone, meios eletrônicos ou pelas redes sociais (Facebook, WhatsApp, Instagram etc.). Período de validade das medidas impostas: seis meses.

Em processo investigatório, o Ministério Público solicitou informações sobre a ocorrência policial e notificou a mulher para indicar testemunhas, a fim de esclarecer os fatos. Pediu, também, que a Corregedoria-Geral de Justiça informasse sobre existência de eventual procedimento correcional relativo aos fatos em apuração. O juiz acusado, por sua vez, sustentou a atipicidade dos fatos e a inexistência de violência de gênero. Tudo não passou, segundo o réu, de ‘‘desacertos’’ decorrentes do término de relacionamento.

Parecer pelo arquivamento
A procuradora-geral de Justiça em exercício, Jacqueline Fagundes Rosenfeld, explicou que a caracterização do delito tipificado no artigo 147 do Código Penal pressupõe conduta intimidatória consistente no anúncio da prática de ‘‘mal injusto e grave’’ — seja físico, econômico ou moral —, levado a termo por meio de palavra, escrito, gesto ou por qualquer outro meio simbólico.

No caso concreto, segundo a representante do MP, isso não ocorreu. A seu ver, embora o clima de forte animosidade entre o casal, não houve ameaça de ‘‘mal injusto e grave’’. Houve, sim, uma ríspida discussão sobre os motivos que levaram ao fim do relacionamento e sobre o destino dos bens que guarneciam a casa, além de promessas recíprocas de judicialização da disputa.

Assim, como os fatos averiguados não são ‘‘plenamente típicos’’, a procuradora-geral de Justiça entendeu inviável cogitar da existência de materialidade delitiva e de indícios de autoria. ‘‘Diante do exposto, o Ministério Público, por sua agente signatária, requer o arquivamento e a consequente baixa do presente expediente’’, definiu no parecer.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão monocrática

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!