Opinião

O décimo terceiro, as férias e o ano de 2020

Autor

  • Jorge Batalha Leite

    é juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região tendo atuado previamente como magistrado na 15ª Região e como assessor de desembargador do Trabalho de 2009 até o seu ingresso na magistratura.

24 de dezembro de 2020, 6h19

A chegada dos meses de novembro e dezembro traz a esperança de que 2021 transforme o atual ano apenas em uma recordação de um período desafiador.

No âmbito do Direito do Trabalho, houve a edição de inúmeras normas que compõem o que opto por chamar de "Direito do Trabalho de Emergência" ou "Direito do Trabalho Agônico".

Direito de emergência pela profusão de novas normas que surgiram sem tempo para maiores reflexões e debates em franca tentativa de regular situação inédita e trazer margem e flexibilidade para empregadores e empregados em que a posição binária clássica da inalterabilidade lesiva dos contratos e da simples ruptura potestativa patronal do vínculo empregatício não se mostra como solução adequada.

Agônico por permitir flexibilização intensa e diminuição das salvaguardas típicas da relação assimétrica que ocorre entre o trabalhador e seu contratante, sendo esgarçamento do princípio da proteção tão caro a este ramo.

As inúmeras medidas provisórias, leis em conversão e decretos impõem ao estudioso esforço, sobretudo em direito intertemporal. Há MPs caducas, leis que as chancelaram com alterações, novas MPs que complementaram MPs anteriores, decretos e portarias. Verdadeiro cipoal jurídico.

Talvez justamente pela velocidade que foi demandada do legislador ante a implacabilidade da pandemia, ou ainda justamente pela falta de um maior consenso do Congresso, inúmeros pontos não foram abordados expressamente, fato que fatalmente transfere ao jurista o dever de extrair a solução e cuja última palavra será dada pelo Poder Judiciário quando as partes envolvidas não chegarem a um consenso.

Assim, as críticas quanto à segurança jurídica devem ser transferidas não ao intérprete, mas àquele que optou por redigir a norma de forma incompleta ou propositadamente ambígua.

Contextualizado o ambiente em que gestadas, chega-se ao tema deste artigo.

Suspensão do contrato de trabalho é a situação jurídica em há uma pausa nos efeitos principais. O trabalhador não presta serviços. O empregador não paga salários, o tempo de serviço não é computado, sendo indevidas contraprestações. O vínculo, no entanto, permanece hígido.

Ocorre que a MP 936, convertida na Lei 14.020/2020, optou por uma suspensão "incompleta". Menciona que o empregado "fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados".

Há também a questão da ajuda compensatória mensal, no qual a empresa poderá arcar com alguma diferença de valor a título indenizatório entre o benefício emergencial e o salário usualmente pago, sendo compulsória em ao menos 30% para as com receita bruta superior a R$ 4,8 milhões no ano-calendário de 2019.

No entanto, é bem razoável inferir que a opção do legislador foi para preservar, sobretudo, os planos de saúde atrelados ao contrato de trabalho — fato que faz todo sentido diante do cenário pandêmico.

Dessa forma, nos meses em que não houve trabalho por conta da suspensão, os "avos" do 13º salário devem levar em conta este período? E quanto ao período aquisitivo das férias? Há mudanças na base de cálculo? Por fim, quando se tratar de redução de jornada e salário, qual a consequência?

Existem as seguintes interpretações possíveis:

1) Suspensão – Férias:
— 
Corrente 1: paralisa a contagem do período aquisitivo;
— 
Corrente 2: não paralisa.
2) Suspensão – 13º Salário:
— 
Corrente 1: interfere no cálculo dos “12/12 avos”;
— 
Corrente 2: não interfere.
3) Redução – Férias:
— 
Corrente 1: não interfere na base de cálculo, sendo devido o valor da remuneração ordinária;
— 
Corrente 2: interfere na base, devendo ser feita a média dos últimos 12 meses.
4) Redução – 13º salário:
— 
Corrente 1: não interfere, sendo a base de cálculo a remuneração ordinária;
— 
Corrente 2: interfere, devendo ser considerada a média remuneratória do ano até o mês de novembro, sendo o ajuste do mês de dezembro pago até 10 de janeiro;
— 
Corrente 3: interfere, devendo ser considerada a remuneração de dezembro, exclusivamente.

O Poder Executivo, através do Ministério da Economia, editou a Nota Técnica 51520/2020/ME [1] disciplinando a interpretação oficial que balizará as fiscalizações do trabalho conforme dispôs a Nota Técnica SEI 53797/2020/ME [2]. Pela NT temos:

1) Suspensão Contratual:
— 
13º Salário – São desprezados do cálculo os meses com menos de 15 dias de trabalho;
— 
Férias – O período de suspensão não deve ser computado como integrante do período aquisitivo.
2) Redução de Jornada e Salário:
— 
13º Salário – A base de cálculo é o salário cheio, isto é, não deve levar em conta o valor salarial reduzido em virtude da menor jornada;
— 
Férias – a redução não influencia no valor, devendo ser levado em conta o salário regular.

Destaco que o Poder Legislativo não delegou ao Executivo a normatização do tema via decreto. A única delegação no aspecto se deu quanto a prorrogação do prazo do estado de calamidade pública, conforme artigo 8º da Lei 14.020/2020 (Lei de conversão da MP 936/2020).

Já o Ministério Público do Trabalho emitiu uma "Diretriz Orientativa" [3] no qual defende que se a norma é dúbia, prevalece a interpretação favorável ao trabalhador, de modo que os valores do 13º salário e das férias devem ser integralmente pagos, computando-se ainda o lapso de suspensão como período aquisitivo.

As posições convergem no que toca aos períodos de redução e são antagônicas nos de suspensão.

A Lei 4.090/62 que versa sobre o décimo terceiro salário dispõe que a gratificação corresponderá a 1/12 avos da remuneração devida em dezembro, por mês de serviço, do ano correspondente, sendo que a fração igual ou superior a 15 dias de trabalho será havida como mês integral.

Nesse sentido, ainda que se coloque que a "suspensão" nos moldes adotados pelo legislador não seja "completa", no que toca ao 13º salário a sua lei específica é expressa ao prever a necessidade de que haja "serviço", ou seja "efetivo trabalho". Assim, o período sem labor não deve ser computado.

Supondo que um determinado empregado com vínculo ativo entre 1/1/2020 e 31/12/2020, salário de R$ 2 mil e que teve 60 dias de suspensão nos meses de maio e junho, a consequência é que seu 13º salário não será de R$ 2 mil (12/12 avos), mas sim de R$ 1.667,00 (10/12 avos).

No que se refere às férias, e ao contrário do 13º salário, não há nenhum dispositivo legal que dê lastro a sua exclusão do período aquisitivo.

Veja que o artigo 130 da CLT é específico ao constar que após cada período de um mês de vigência (e não de serviço) do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias. O artigo 131 consolidado por sua vez é categórico e traz que não será considerada falta ao serviço, para os efeitos do artigo 130, a ausência do empregado nos dias em que não tenha havido serviço, salvo na hipótese do inciso III do artigo 133.

Destaco que a ressalva do inciso III do artigo 133 não socorre aos que defendem a paralização do período aquisitivo, pois carece da percepção do salário por mais de 30 dias para a subsunção legal se aplicar. Assim, por ausência de previsão legal, há que se entender pela fluência do período aquisitivo durante o lapso de suspensão contratual.

Quanto aos períodos de redução da jornada e salário, a tese da literalidade da Lei 4.090/62 de que deve ser considerada exclusivamente a remuneração do mês de dezembro para o décimo terceiro cede rapidamente ao rememorarmos o inciso VIII do artigo 7º da Constituição Federal que fala: "décimo terceiro salário com base na remuneração integral". Pelo mesmo fundamento não tem lastro a tentativa de se utilizar a média anual considerando o período com redução de jornada/salário.

A respeito da base de cálculo das férias, o artigo 142 da CLT dispõe que o empregado perceberá a remuneração que lhe for devida na data da sua concessão, sendo que a CF no seu inciso XVII do artigo 7º dispõe: "gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal". Assim, a base é o salário normal, e não aquele com a pontual redução pela situação atípica.

Como se percebe o legislador ao não abordar as formas de pagamento explicitamente nesse contexto atípico foi infeliz.

Abriu-se flanco para diversas possíveis interpretações. Em que pese a Nota Técnica do Ministério da Economia e da Diretriz Orientativa do Ministério Público do Trabalho, cujos conteúdos são balizadores, mas não vinculativos, sustento que na hipótese de suspensão do contrato de trabalho o período aquisitivo das férias fluí normalmente, sendo que para fins de 13º salário não são contados os meses com menos de 15 dias de efetivo trabalho. Por fim, na hipótese de redução de jornada e salário, permanece como base de cálculo o salário integral, em nada influindo este interstício, seja nas férias, seja no 13º salário.

 


[2] Versa sobre a Orientação à Auditoria Fiscal do Trabalho sobre os efeitos dos acordos de suspensão do contrato de trabalho e de redução proporcional de jornada e de salário. Disponível em: < http://setcarce.org.br/wp-content/uploads/2020/11/SEI_ME-12086571-Nota-Tecnica-SIT-reflexos-acordos.pdf>. Acesso em 01/12/2020, às 22:20.

[3] Disponível em: < https://drive.google.com/file/d/1IaHdPqVZ5t6UUwF2wBgdWKzN_fTMeArR/view >. Acesso em 01/12/2020, às 17:00.

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    é juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região desde 2018, tendo atuado previamente como magistrado na 15ª Região desde 2016 e como assessor de desembargador do Trabalho de 2009 até o seu ingresso na magistratura. Especialista em Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina.

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