Opinião

Saiba como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais pode afetar o mundo dos games

Autores

  • Helen Mesquita

    é advogada LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas especialista em privacidade e proteção de dados pessoais membro da Associação Nacional de Advogados(as) do Direito Digital (ANADD) e co-founder LGPDlearning.

  • João Victor Barcelos Machado Correia

    é graduando em Direito pela Faculdade Vale do Cricaré (FVC) pesquisador de criptoativos e tecnologias de registro distribuídas (DLTs) e autor do capítulo "Dadosfera (datasphere) e o problema do dado: novos espaços e problemas teóricos para o direito" no e-book do Legal Hackers Belo Horizonte "Direito e tecnologia: discussões para o século XXI".

23 de dezembro de 2020, 6h21

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGDP) é uma lei transversal e afeta todos os segmentos. Desse modo, não seria diferente com o mundo dos games, no qual é possível haver o questionamento sobre a coleta e tratamento dos dados pessoais, bem como se os personagens utilizados para evoluir no jogo podem ou não ser considerados dados pessoais.

Nesse mesmo aspecto e assim sendo, é válido o questionamento quanto ao tratamento e possível exposição do titular de dados (o jogador). Por exemplo, quem já jogou algum jogo online, ora ou outra, já se deparou com as famosas listas de banidos, "o cantinho da vergonha", em que os jogadores, que violaram os termos de uso da plataforma, são colocados em uma lista pública, contendo seus apelidos (nome que o jogador usa para se identificar dentro do jogo), bem como as respectivas infrações cometidas, servidor e até o tempo de banimento.

Algumas listas são bem detalhadas, podendo ter uma ampla consulta, caso do game Perfect World. Por outro lado, jogos como Ikariam já proibiram a lista de banidos, justamente pelo advento de regras de proteção de dados no âmbito da União Europeia.

De todo modo, até mesmo em decorrência de questões internas, o cadastro de banidos sempre existirá, o ponto é se ele deve ser público ou não.

Seguindo, nossa identidade (nosso "eu") é composta por tudo aquilo que nos diz respeito e pode se manifestar no ambiente virtual e não virtual de diferentes formas. Nesse ponto, os jogos online, por sua própria natureza, permitem o surgimento de uma imagem virtual do jogador com atributos que só se exteriorizam naquela plataforma.

Partindo disso, o próximo passo é verificar quais dados da imagem virtual de um jogador podem ser enquadrados como pessoais. Desde a Convenção Europeia 108 das pessoas singulares, dados pessoais são todas as informações relacionadas a uma pessoa física identificada ou identificável. Como explica o professor e doutor em Direito Civil, indicado pela Câmara dos Deputados ao Conselho Nacional de Proteção de Dados, Danilo Doneda, os dados pessoais precisam revelar aspectos que digam respeito à pessoa, pois, se assim não for, se tratam apenas de dados gerais.

Curioso que esses possíveis dados pessoais muitas vezes estão atrelados diretamente à própria imagem virtual e, em segundo plano, à imagem não virtual da pessoa. Por exemplo, dados pessoais associados à imagem virtual, a depender do tipo de jogo e sua plataforma, podem ser o nickname (apelido/nome falso escolhido pelo jogador como identificador dele na rede) e todos elementos do jogo que possam estar atrelados objetivamente ao jogador, como a reputação e rede de contatos, possível comportamento do jogador, entre outros.

Sobre esse ponto, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no Processo 0033863-56.2016.8.19.0203, em 2019, que a imagem virtual de um jogador está intimamente relacionada à sua "imagem real". Por essa linha, sendo o nickname de um usuário um identificador dele no jogo, logo, um dado pessoal, sua inserção na lista de banidos pode afetar sua reputação e via de consequência eventualmente ensejar dano moral. Interessante que esse dano moral em primeira instância atinge à própria imagem virtual e, em seguida, o próprio jogador.

Noutro ponto, se a imagem virtual do jogador (aí incluídas as vestimentas e acessórios do personagem) são considerados dados pessoais, há de se falar que as empresas que disponibilizam os jogos serão enquadradas como controladores de dados e, assim sendo, precisam tratar os dados pessoais com o enquadramento correto da base legal.

Outro ponto há se destacar é em relação ao uso dos jogos por crianças e adolescentes, pois a LGPD diz expressamente que, no tocante ao tratamento de dados pessoais das crianças, há de se ter o consentimento expresso dos pais ou responsável legal, sob pena de haver tratamento ilícito dos dados pessoais.

A conclusão que se chega é que não há como dissociar o mercado de games da conformidade a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. As empresas precisam se adequar à lei, cuidando de tratar de maneira regular os consumidores dos jogos, eis que são verdadeiros titulares de dados pessoais.

Além disso, as famosas listas de banidos precisam ser olhadas com mais cuidado por essas empresas, vez que podem expor de maneira inadequada os dados pessoais dos usuários e dar brechas para grandes incidentes de segurança da informação.

Autores

  • é advogada, LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, especialista em privacidade e proteção de dados pessoais, membro da Associação Nacional de Advogados(as) do Direito Digital (ANADD) e co-founder LGPDlearning.

  • é graduando em Direito pela Faculdade Vale do Cricaré (FVC), pesquisador de criptoativos e tecnologias de registro distribuídas (DLTs) e autor do capítulo "Dadosfera (datasphere) e o problema do dado: novos espaços e problemas teóricos para o direito" no e-book do Legal Hackers Belo Horizonte, "Direito e tecnologia: discussões para o século XXI".

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