EXCESSO DE LINGUAGEM

OAB-RS maculou a honra de juiz do trabalho em desagravo público, diz TRF-4

Autor

21 de dezembro de 2020, 16h49

Desagravo público que lança mão de expressão pejorativa contra a honra do juiz é excesso capaz de violar direitos de personalidade assegurados no inciso X do artigo 5º da Constituição (a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas), dando ensejo à reparação por danos morais.

Divulgação
Por isso, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em decisão unânime, não teve dúvidas em manter sentença que condenou a seccional gaúcha da OAB a indenizar em R$ 10 mil o juiz do trabalho Guilherme da Rocha Zambrano, que hoje atua na 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.

A nota pública que desagravou duas advogadas trabalhistas, lida no dia 26 de novembro de 2013 na sede da subseção da OAB de Cachoeirinha (região metropolitana de Porto Alegre), menciona que Zambrano "achacou" uma delas em audiência, quando jurisdicionava na 2ª Vara do Trabalho. Tal acusação, sem provas, segundo a Justiça Federal nos dois graus de jurisdição, levou a opinião pública e a comunidade jurídica a tomarem-na como verdadeira — e isso trouxe prejuízos à honra do juiz.

O relator da apelação na Corte, juiz convocado Marcos Josegrei da Silva, aderiu integralmente à sentença proferida pela colega Paula Beck Bohn, da 2ª Vara Federal da Capital, concordando que a OAB se excedeu no seu propósito — diga-se, legítimo — de defender as prerrogativas das advogadas. Afinal, de acordo com a prova produzida nos autos, não foi possível concluir que Zambrano incorreu na conduta de "achacar" uma das advogadas "de forma incisa e deselegante". Ao contrário, as testemunhas que participaram das audiências que deram origem ao caso deixaram claro que a conduta dele foi sempre serena e irretocável, enquanto as duas advogadas não primaram pelo dever de urbanidade.

Sentido pejorativo
Para Josegrei, o termo "achacar" pode possuir diversos sentidos no léxico: molestar, desagradar, censurar, acusar, adoecer, pretextar, roubar e extorquir dinheiro de alguém. Na linguagem cotidiana, observou, o vocábulo possui um sentido preponderantemente pejorativo, associado à ideia de furto, roubo, extorsão.

"Dessa forma, é inegável que, comumente, esse termo possui uma compreensão extremamente negativa. Assim, verifico que a parte ré não adotou a cautela esperada quando da elaboração da nota de desagravo público, fazendo uso de expressão com acepção desabonadora e ofensiva, de modo a atingir a honra objetiva do autor, fazendo surgir o nexo de causalidade necessário à materialização do dever de indenizar", concluiu o relator da apelação.

O acórdão foi lavrado na sessão telepresencial do dia 9 de dezembro, mas não está à disposição do público no sistema eproc, porque o processo continua, ainda, sob segredo de justiça.

Ação indenizatória
Na inicial da ação indenizatória por responsabilidade civil, o juiz Guilherme da Rocha Zambrano conta que os fatos se deram entre maio e agosto de 2012, quando ele atuava na 2ª Vara do Trabalho de Cachoeirinha. Na época, advogados locais mostravam insatisfação com o entendimento de que advogados que trabalhassem para sindicatos não poderiam acumular recebimento de honorários contratuais e assistenciais, para não onerar o trabalhador, que estaria coberto por assistência judiciária gratuita (AJG).

Diante da situação, o autor disse que tentou se reunir com integrantes da OAB, mas sem sucesso. Assim, ele determinou que os advogados declarassem, nos processos trabalhistas que resultassem em acordo, que a cobrança de honorários contratuais seria de 15% sobre o valor acordado — a tabela da OAB sugere 20%. Com isso, ficou patente que nenhum valor adicional seria cobrado do trabalhador beneficiado AJG.

Os advogados não aceitaram esta determinação, e muitos lançaram mão de recursos judiciais, pedindo a ajuda da Ordem para derrubá-la. Foi o caso da advogada Raquel Simone Bernardi Caovilla, então vice-presidente da subseção de Cachoeirinha, que, inconformada, teria constrangido o juiz durante uma audiência, fazendo com que expedisse ofício à OAB e ao Ministério Público do Trabalho (MPT-RS).

Zambrano observou que, embora os ofícios ficassem sem resposta, a OAB estadual informou que não mais se posicionaria contra a cumulação de honorários assistenciais e contratuais por advogados que prestam assistência judiciária gratuita. Apesar disso, a seccional divulgou notas de desagravo público em favor de Raquel e de Ana Marilza Soares, respectivamente em maio e julho de 2013, com divulgação na imprensa especializada. Em 10 de maio, a Sessão Ordinária do Conselho Seccional decidiu expedir ofício ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pedindo a aposentadoria do magistrado, em função de "atitude prepotente, beligerante, desrespeitosa e antiprofissional com a advocacia".

Ao fim da narrativa, o autor alegou que os procedimentos administrativos protocolados contra si na OAB não seguiram o rito apropriado. Segundo ele, os conselheiros votaram pelo desagravo mesmo sem a produção de provas nem investigação dos fatos. Sustentou que estes processos trazem ofensas proferidas pelos julgadores da OAB. Pelo prejuízo à honra e à reputação, pediu o pagamento de danos morais.

A defesa da OAB
Citada pela 2ª Vara Federal de Porto Alegre, a OAB gaúcha apresentou contestação. Alegou que a conduta do juiz foi reprovável, já que teria obrigado a advogada Raquel Simone Bernardi Caovilla a renunciar aos honorários contratuais, sob a ameaça de notificação ao MPT-RS. Posteriormente, em outra audiência, o juiz teria impedido produção de prova e ainda cassado a palavra da advogada Ana Marilza Soares, o que a fez perder o cliente.

Diante disso, a OAB disse que abriu procedimentos administrativos e se reuniu com a Associação dos Magistrados do Trabalho da 4ª Região (Amatra IV) e Corregedorias, para apurar as ocorrências. Como a instituição OAB não tem poder disciplinar sobre o agente político — juiz —, argumentou, só pode se manifestar por meio de desagravo público, realizado pela Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas dos Advogados (CDAP).

Assim, por promover desagravos e apenas notificar as Corregedorias, não se poderia falar em "punição" ou "perseguição" ao magistrado. É que tais condutas servem apenas à defesa dos interesses e prerrogativas da advocacia. Por fim, negou quaisquer excessos ou ilegalidades nos atos e no procedimento de desagravo. Logo, meros aborrecimentos não embasam pedido de dano moral.

Sentença procedente
A juíza federal Paula Beck Bohn julgou totalmente procedente a ação indenizatória, arbitrando a reparação moral em R$ 10 mil. Ela disse que a nota de desagravo contém graves afirmações contra o magistrado, qualificado como "arbitrário e prepotente". Observou, no entanto, que "esse mesmo vigor" não foi adotado pela Ordem no encaminhamento do pedido de apuração da conduta de uma das advogadas envolvidas no episódio, já que o ofício encaminhado ao órgão, pelo juiz, não teve o adequado tratamento e atenção.

"O ato de desagravo, e isso foi salientado pelas testemunhas inquiridas nesta ação, é ato excepcional, extraordinário, incomum. Não é ato ordineiramente aprovado pelos conselheiros da Ordem. Por essa razão, o teor da nota ultrapassou o limite necessário ao fim almejado, com referências ofensivas ao magistrado que seriam dispensáveis, nada obstante o entendimento da OAB de que alguma resposta da entidade sobre a relação entre o autor e a advocacia local devesse ser adotada naquele momento. Segundo a prova destes autos, houve excesso da ré nas medidas adotadas para a defesa das prerrogativas da classe", afirmou a juíza na sentença.

O desagravo público
As advogadas Raquel Simone Bernardi Caovilla e Ana Marilza Soares foram desagravadas em ato público realizado no dia 26 de novembro de 2013 na subseção da OAB-RS em Cachoeirinha, que contou com a presença do então presidente da seccional, Marcelo Bertoluci. Segundo noticiou a Conjur à época, o pedido de desagravo foi aprovado pelo Pleno da seccional em julho daquele ano.

A notícia destaca, com base em informações da Assessoria de Imprensa da OAB-RS, que o juiz Guilherme Zambrano impediu a produção de provas e "cassou abruptamente a palavra" da advogada Ana Marilza, enquanto ela fazia as alegações finais.

A OAB também afirmou que o juiz agravaria a condenação da reclamada em razão do "suposto assédio processual" praticado por esta. Além disso, segundo os relatores, o magistrado utilizou "linguagem desrespeitosa em audiência, ofendendo tanto o trabalho da advogada no exercício da sua profissão como colocando em desconfiança seu caráter e sua atuação, culminando na perda do cliente".

Apelação cível 5056436-57.2015.4.04.7100/RS

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!