Retrospectiva 2020

Em janeiro, suspensão da implantação do juiz das garantias foi destaque

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21 de dezembro de 2020, 9h00

A Lei 13.964/19 ("anticrime") mal tinha entrado em vigor no país e o mês de janeiro já foi marcado pela primeira polêmica do novo diploma: a implantação do juiz das garantias foi suspensa em todo o país, primeiro pelo ministro Dias Toffoli, então presidente do Supremo Tribunal Federal, por 180 dias, e depois pelo ministro Luiz Fux, então vice-presidente, mas no exercício da presidência.

A decisão de Fux estendendeu a suspensão até a votação em Plenário — desde então, Fux assumiu a presidência, passou a ser o responsável pela elaboração da pauta na Corte e ainda não definiu uma data para análise de quatro ações que questionam as mudanças introduzidas pela lei "anticrime". A demora fez com que o Instituto de Garantias Penais interpusesse um pedido de habeas corpus questionando Fux.

Enquanto a decisão de Toffoli tinha sido vista com alívio por especialistas, por dar uma janela maior para que o Judiciário do país se preparasse para as mudanças da lei, a de Fux foi criticada pelo ministro Marco Aurélio, que viu na ação do colega uma censura ao então presidente Dias Toffoli. "Não há censor no Supremo, e acabou o ministro Fux assumindo a postura de censor em relação a um ato logo do presidente do Supremo", afirmou na época.

Na mesma liminar, Fux também suspendeu a obrigatoriedade de audiências de custódia em 24 horas, contrariando seu próprio voto em Plenário sobre o tema, o que lhe rendeu críticas dos colunistas da ConJur Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa.

Fernando Frazão / Agência Brasil
Perseguição à imprensa
Também chocou a comunidade jurídica em janeiro o fato de o jornalista Glenn Greenwald ter sido denunciado pelo Ministério Público, mesmo sem ser sequer investigado, e tendo uma liminar do Supremo proibindo que fosse.

Ao justificar a denúncia, o procurador da República Wellington Divino de Oliveira disse que não desrespeitou o STF, uma vez que a conversa que justificou a denúncia foi encontrada com outro investigado. Nela, Glenn teria indicado que as mensagens já repassadas a ele deveriam ser apagadas, para que o jornalista não fosse ligado à obtenção do material.

A denúncia também foi desmontada pelo jurista Lenio Streck. Primeiro em artigo com Gilberto Morbach e Horacio Neiva, e depois em sua coluna na ConJur.

"O problema é que não se sustenta, sequer minimamente, nenhuma das alegações do procurador, e os próprios diálogos que servem de base à inclusão do jornalista no rol dos denunciados indicam isso. A denúncia é inepta, arbitrária, abusiva. Isso fica bastante claro a partir da leitura dos trechos destacados pelo próprio procurador", afirmam os autores do artigo.

A nova lei contra abuso de autoridade foi invocada pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) em representação protocolada na Procuradoria Geral da República (PGR) contra o procurador.

Veja as principais notícias do mês na coluna Resumo da Semana:

4/1 – Entrada em vigor da lei contra abuso de autoridade foi destaque
11/1 – Censura a programa humorístico foi o destaque da semana
18/1 – Suspensão de implantação do juiz das garantias foi destaque
25/1 – Decisão do ministro Luiz Fux suspendendo juiz das garantias foi destaque

Censura e suspensão
A censura judicial imposta ao programa humorístico "Especial de Natal Porta dos Fundos: a primeira tentação de Cristo", também ocorrida em janeiro, teve vida curta. Um dia depois de o desembargador do TJ-RJ Benedicto Abicair determinar a remoção do conteúdo da plataforma Netflix, o presidente do STF, Dias Toffoli, derrubou a medida.

A censura havia sido determinada pelo desembargador do TJ-RJ Benedicto Abicair, com o objetivo de evitar "danos à sociedade brasileira". Especialistas condenaram a decisão e qualificaram a determinação como "absurda" e "sem fundamento". Para o jurista Lenio Streck, a decisão "demonstra duas coisas: primeiro, que o Judiciário pensa que pode ditar a moral e o comportamento da sociedade; segundo, mostra o fracasso da teoria do direito no Brasil".

Entrevista do mês

Spacca
Responsável pelo primeiro grande golpe na "lava jato" — que permitiu ao réu o direito de se defender e de rebater todas as alegações com carga acusatória —, o criminalista Alberto Zacharias Toron receia que punitivismo se intensifique ainda mais no país.

"Acho que dá para ser mais punitivista. E corremos o risco de nos tornarmos um país muito mais punitivo. Basta dizer que o próximo passo é o sujeito ser condenado por um júri e já sair preso", afirmou.

Em entrevista à ConJur, Toron também disse acreditar que o ex-presidente Lula foi vítima de lawfare, tese defendida pelo advogado Cristiano Zanin. "O fato de o Lula ter sido julgado com a velocidade que foi no caso do triplex escancara que quiseram tirá-lo do páreo eleitoral para favorecer um candidato. E pior. O juiz que o julgou se tornou ministro do concorrente vencedor. Isso escancara o uso do Direito como instrumento de perseguição política".

Veja outras entrevistas de janeiro:

* Gileno Barreto, diretor jurídico do Serpro: Após "zelotes", Receita tomou espaço do Carf e impôs a sua agenda

* Vanessa Mateus, presidente da Apamagis: "Lei contra abuso criminaliza a função de julgar"

* Paulo Fontes, desembargador do TRF-3: Com juiz das garantias, Brasil se aproxima dos países mais desenvolvidos

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