Opinião

Julgamento de embargos de declaração pode ser marco interruptivo da prescrição

Autor

  • Alvaro Silva

    é advogado criminalista sócio da Advocacia Albuquerque e Silva membro do IDDD - Instituto de Defesa do Direito de Defesa e da Comissão de Direito de Defesa da OAB/DF.

20 de dezembro de 2020, 16h14

Na sessão de julgamento virtual ocorrida entre os dias 27 de novembro e 4 de dezembro, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, negou provimento a um agravo regimental, interposto pela Procuradoria-Geral da República, contra decisão monocrática, da lavra do ministro Ricardo Lewandowski, que concedeu a ordem nos autos do HC 171493/PA e reconheceu a prescrição da pretensão punitiva, considerando, como marco interruptivo, a data de julgamento dos embargos declaratórios acolhidos, e não a data em que publicada a sentença penal condenatória objeto dos embargos.

No caso, foi impetrado Habeas Corpus em favor de dois pacientes que foram condenados a três anos de detenção — o que ensejaria um prazo prescricional de oito anos, nos termos do artigo 109, IV, do CP —; em desfavor da sentença condenatória foram opostos embargos declaratórios que foram acolhidos para reconhecer o direito de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Dessa forma, como o recurso foi acolhido e alterou substancialmente a situação jurídica dos pacientes e os termos da sentença, a decisão monocrática que concedeu a ordem de Habeas Corpus considerou que o marco interruptivo da prescrição deixou de ser a data da sentença e passou a ser a data do julgamento dos embargos declaratórios, ensejando, pois, o reconhecimento da prescrição, tendo em vista o transcurso de prazo superior a oito anos entre a data de recebimento da denúncia e a data de julgamento dos embargos.

Como será demonstrado, o entendimento adotado pela maioria dos eminentes ministros que compõem a egrégia 2ª Turma do STF foi mais do que acertado, na realidade, foi a interpretação mais garantista e favorável a qualquer sentenciado que se encontre em situação semelhante.

Tal entendimento é afiançado pela doutrina, conforme pode-se observar a lição de Gustavo Henrique Badaró que, sobre os efeitos dos embargos de declaração, leciona que "como a decisão que julga os embargos de declaração passa a incorporar sentença ou acórdão esclarecido, explicado ou completado, formando com este um conjunto uniforme e incindível, é de concluir que antes do julgamento dos embargos de declaração não há uma decisão integral apta a produzir efeitos" [1].

E indo além, segundo a esclarecedora lição de Eugênio Pacelli, se a sentença ainda será integrada pelo conteúdo decidido no julgamento dos embargos de declaração, esta ainda não está "plenamente formada", confira-se:

"Ora, não há como negar, contudo, que se a decisão é omissa quanto a determinada questão, o acolhimento do recurso para o fim de afastar a omissão implicará ou poderá implicar modificação do julgado.
Do mesmo modo, quando houver na decisão contradição, o acolhimento dos embargos deverá (ou poderá) alterar o conteúdo da decisão. Então, não parece rigorosamente correto afirmar-se que os embargos de declaração não podem ter efeitos infringentes do julgado. Podem sim, nos limites em que a decisão preste-se a resolver a omissão ou a contradição.
Talvez seja justamente por isso que na AP 516 ED/DF (Rel. orig. Min. Ayres Britto, Red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 05.12.2013) e também na Extradição 591 (Ext 591 IT, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 01.06.1995, Tribunal pleno) o Supremo Tribunal Federal tenha entendido que o condenado que completa 70 anos depois da sentença, mas quando ainda pendentes de julgamento os embargos de declaração da decisão, faz jus à redução do prazo prescricional pela metade, nos termos do art. 115 do Código Penal. É dizer, a sentença ainda não está plenamente formada, visto que será ainda integrada pelo tanto quanto decidido no julgamento dos embargos declaratórios.

Ou seja, a própria Corte reconhece a possibilidade de alteração substancial do conteúdo decisório, em se tratando desse recurso" [2].

Como se vê, no caso concreto não há dúvidas de que a sentença só passou a estar plenamente formada após a decisão que acolheu os embargos de declaração. Segundo o ilustre professor Gustavo Henrique Badaró, "interpostos os embargos de declaração contra decisão sujeita a recurso com efeito suspensivo, a interposição dos declaratórios manterá a ineficácia da decisão" [3]. Sendo assim, é incontroverso que a sentença condenatória só passou a produzir plenos efeitos após a prolação da decisão dos embargos de declaração, que completou e integrou a sentença.

Apesar do tema, sob essa ótica, estar sendo tratado pela primeira vez perante o Supremo Tribunal Federal, há emblemático precedente, nos autos da Ação Penal 516/DF, que se amolda com perfeição ao caso concreto. Na ocasião, tratava-se de condenado que completara 70 anos um dia após a sessão de julgamento e, após a tempestiva oposição de embargos de declaração, que foram acolhidos, teve o direito ao reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça há precedente em que foi reconhecida a extinção da punibilidade, pela ocorrência da prescrição, considerando como marco interruptivo da prescrição, não a data da sentença, mas, sim, a data da decisão que julgou parcialmente procedente os embargos de declaração opostos em face da sentença condenatória. Vejamos trecho da ementa do referido acórdão:

"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. CORRUPÇÃO PASSIVA. FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO. PACIENTE MAIOR DE 70 ANOS NA DATA DA CONFIRMAÇÃO DO ÉDITO CONDENATÓRIO. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 115 DO CÓDIGO PENAL. INCIDÊNCIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.
[…]
II – À época da prolação do édito condenatório, a paciente, nascida no dia 28/9/1941, ainda não havia completado os 70 (setenta) anos de idade, todavia, quando da publicação da decisão que conheceu dos embargos opostos contra a sentença, a recorrente alcançou a senilidade. Com efeito, extrai-se que, conquanto a paciente tenha atingido o requisito temporal da senilidade dias após a prolação do édito condenatório, "a análise dos embargos de declaração tempestivos e considerados admissíveis integra o julgamento de mérito da ação penal, cabendo, portanto, a aplicação do artigo 115 do Código Penal." (AP 516 ED, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, DJe 1º/8/2014). Precedentes.
III – Considerando a senilidade da paciente na data em que se julgou parcialmente admissíveis os aclaratórios, oportunidade em que se adicionou fundamentos à sentença condenatória, o prazo prescricional de oito anos deve ser reduzido pela metade, vale dizer, em 4 (quatro) anos, nos termos do artigo 109, inciso IV e artigo 115, ambos do Código Penal.
IV – A denúncia foi recebida em 26/9/2005, a sentença foi prolatada na data de 15/8/2011 e a decisão que conheceu dos aclaratórios opostos contra a sentença foi publicada em 30/9/2011. Nesse cenário, considerando que entre a data do recebimento da denúncia e da confirmação da sentença condenatória, decorreu-se lapso superior à 4 (quatro) anos, constata-se a incidência da prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa, nos termos do artigo 109, inciso IV e artigo 115, ambos do Código Penal.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade na ação penal de que aqui se cuida, pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa" 
(HC 401.091/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 23/10/2017).

Portanto, se nos precedentes citados acima houve o reconhecimento da prescrição — que tratavam de condenados prestes a completar 70 anos de idade, ocasião em que passariam a ter direito a contagem do lapso prescricional pela metade —, não há dúvidas de que no caso dos pacientes — situação em que houve transcurso do lapso prescricional de forma integral — o reconhecimento da prescrição era medida de Justiça!

Não é à toa que, em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski destacou que "no caso, o marco interruptivo do prazo prescricional deixou de ser a data em que proferida a sentença, passando a ser o dia do julgamento dos embargos declaratórios providos pelo Magistrado de primeiro grau para modificar a sentença, de modo a dotá-los de efeito integrativo ao substituir a reprimenda imposta na condenação, sendo certo que tal modificação acarretou o transcurso do lapso prescricional".

Nesse mesmo sentido foi o voto do ministro Gilmar Mendes, asseverando que "verifica-se que os embargos foram acolhidos para substituir a pena por restritiva de direitos, ou seja, houve substancial alteração na situação jurídica do paciente e nos termos da sentença. […] Na doutrina, discute-se a situação em que houver efetiva alteração da pena. Seguramente, cuida-se de problema extremamente relevante. Creio que a questão deva ser resolvida a partir da aplicação da interpretação mais favorável ao réu no caso concreto".

Com isso, mostra-se inequívoca a possibilidade de a data de julgamento dos embargos de declaração ser considerada marco interruptivo da prescrição, e não a data da sentença — como descrito no artigo 117, IV, do CP —, desde que o referido recurso seja acolhido e haja alteração substancial da situação jurídica do sentenciado e dos termos da sentença, conforme assegurado pela mais especializada doutrina e pelo colendo Supremo Tribunal Federal.

______________


[1] Manual de recursos penais / Gustavo Henrique Badaró – 3. ed. rev., ampl. e atual. – Sâo Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 338

[2] Curso de processo penal / Eugênio Pacelli – 23 ed. – São Paulo: Atlas, 2019, p. 1019/1020

[3] Manual de recursos penais / Gustavo Henrique Badaró – 3. ed. rev., ampl. e atual. – Sâo Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 339

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