Demora incomum

Após 4 dias, HC sobre juiz das garantias ainda não foi distribuído no Supremo

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20 de dezembro de 2020, 21h29

Protocolado há quatro dias, um pedido de habeas corpus com solicitação de liminar ainda não foi distribuído no Supremo Tribunal Federal. Trata-se do HC impetrado pelo Instituto de Garantias Penais (IGP) questionando a demora na definição sobre implantação do juiz das garantias no país.

STF
Tanto o HC imediatamente anterior ao do IGP quanto o imediatamente posterior, ambos protocolados no mesmo dia, foram distribuídos normalmente. O último dos três a ser protocolado já foi até julgado improcedente pela relatora, ministra Rosa Weber, mas o do IGP continua sem movimentação.

O STF foi procurado pela reportagem, e o posicionamento será acrescentado assim que for recebido.

A implantação do juiz das garantias tinha sido suspensa pela primeira vez em janeiro, no recesso judiciário, pelo então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, mas apenas por seis meses, para que os tribunais pudessem se organizar. 

Uma semana depois, ao assumir o plantão e atuando como presidente, Luiz Fux deu uma nova decisão suspendendo a implantação do juiz de garantias até julgamento em Plenário — e, de quebra, também suspendendo a obrigação de promover audiências de custódia em até 24 horas.

Em setembro deste ano, às vésperas de assumir a presidência da Corte, Luiz Fux liberou as três ações diretas de inconstitucionalidade sobre o tema para julgamento pelo Plenário. Depois, já como presidente, deixou de pautar o tema.

Segundo a CNN, a intenção de Fux era pautar as ADIs para o primeiro semestre de 2021, mas, por ter se irritado com o pedido de HC do IGP, mudou de ideia. As ADIs não constam do calendário divulgado pelo STF.

O pedido do IGP cita o ministro Luiz Fux como autoridade coatora, o que significa que ele não pode analisar a demanda. Normalmente, no recesso judiciário, que começa neste domingo (20/12) e vai até 6 de janeiro, caberia ao presidente (em revezamento com o vice) analisar os pedidos de urgência.

Mas, neste ano, em um cenário sem precedentes, quatro ministros anunciaram que pretendem continuar trabalhando: Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski, considerados parte da ala garantista.

Sem a distribuição do pedido de HC, e sem previsão para julgamento das ADIs em Plenário, a implantação do juiz das garantias continua sem definição. O grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça, instituído por Toffoli para instruir os tribunais, até já apresentou um estudo sobre a viabilidade do instituto em junho, mas não há qualquer garantia de sua adoção.

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Garantia contra abusos
Ao contrário do que a mídia tem divulgado, a criação do juiz das garantias não vai levar à soltura em massa de criminosos. Os próprios advogados que entraram com o pedido de HC esclareceram, em artigo publicado na ConJur, que o pedido não tem por escopo "soltar criminosos, anular condenações de corruptos ou desencadear impunidade".

Além disso, quando a lei "anticrime" foi sancionada, a ConJur mostrou que, embora tenha sido recebida com receio por alguns magistrados, a criação do juiz de garantias foi comemorada tanto por advogados quanto por procuradores e promotores.

A medida apenas cria um juiz para supervisionar e presidir as investigações, como forma de garantir que os direitos dos investigados e dos réus sejam respeitados durante essa fase pré-processual. A parte processual, de recebimento da denúncia e sentença, fica a cargo de outro juiz, que não participou da fase de "formação" do processo, e estará, assim, mais apto a julgá-lo de forma imparcial. 

O instituto foi elogiado tanto pelo ex-presidente Michel Temer, que disse que ele só enaltece a magistratura, quanto pelo advogado e ex-procurador Marcelo Miller, que defendeu o fortalecimento da cultura de imparcialidade. 

O então corregedor nacional de Justiça e hoje presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Humberto Martins, também encarou a criação do juiz das garantias com alívio.

Lenio Streck, quando a medida foi questionada no Supremo, afirmou o óbvio: que ela não é inconstitucional porque a Constituição não traz qualquer veto à criação da figura de um segundo juiz para garantir a imparcialidade do processo. Outros 70 gaúchos também celebraram o avanço democrático que a lei representou.

A criação do juiz das garantias "é a maior e a mais importante novidade do processo penal brasileiro desde a Constituição de 1988", afirmou o professor da Universidade de São Paulo Gustavo Badaró. "O potencial de preservação da imparcialidade do juiz é enorme." Para o desembargador Ney Bello, o instituto é um avanço necessário.

Para Aury Lopes Jr, o juiz das garantias corrige a distorção cognitiva de que o mesmo juiz que atuou na investigação preliminar possa ter abertura cognitiva suficiente para depois julgar o mesmo caso respeitando efetivamente o contraditório.

O desembargador Paulo Fontes afirmou que a medida aproxima o Brasil dos países desenvolvidos; a desembargadora Simone Schreiber defendeu a constitucionalidade do juiz das garantias; Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa analisaram o que muda no processo penal; Barbara Mokdissi defendeu a implantação inclusive para a preservação do sistema acusatório; o delegado Leonardo Marcondes Machado classificou o instituto como "verdadeira revolução política no campo do processo penal em direção a um paradigma de maior compromisso democrático".

Fernando Stankuns/Wikimedia Commons
HC contra ato do STF
Quando finalmente for julgar o pedido do IGP, o Supremo deverá discutir o conhecimento do Habeas Corpus contra ato de um ministro da corte, um tema que há anos gera divergência no tribunal. A jurisprudência pacífica na corte é a de que não cabe Habeas Corpus contra ato de ministro e o Plenário não teve a oportunidade de aprofundar presencialmente a discussão. Ainda assim, alguns ministros já sinalizaram a intenção de que isso seja superado.

No HC coletivo desta quarta, os advogados defendem que o instrumento deve "servir à tutela dos direitos de liberdade, pouco importando, data venia, a forma pela qual o Estado ou o particular ameaça ou viola a liberdade de locomoção do(s) indivíduo(s)".

"Não se pode criar um 'topos', é dizer, um lugar-comum no qual há um esquema argumentativo pronto e que pode ser reproduzido em qualquer situação: a jurisprudência pode sofrer modificações ante a complexa realidade dos fatos e do direito", aponta o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, que atuou com o IGP.

A corte, inclusive, teve pontos de inflexão, como mostrou reportagem da ConJur. Em agosto de 2015, assentou que HC é "ação nobre sem qualquer limitação na Constituição Federal" em julgamento que terminou em empate de cinco a cinco. Por consequência, beneficiou o réu. O caso tratava da delação premiada do doleiro Alberto Youssef.

Menos de seis meses depois, por seis a cinco, voltou ao posicionamento anterior sobre a questão, e tornou-se a não admitir HC contra decisão monocrática de ministro da corte.

Já em 2018, a Corte teve novamente a chance de se manifestar em Plenário sobre o tema, em caso que discutia prisão domiciliar a Paulo Maluf. No entanto, a análise ficou prejudicada quando Fachin preferiu conceder HC de ofício para manter a domiciliar por questões humanitárias.

Na ocasião, Toffoli e o ministro Gilmar Mendes se posicionaram a favor do cabimento de HC contra atos de ministros da corte. Gilmar Mendes afirmou, à época, que a corte precisava discutir logo essa matéria. Falou que sempre foi a favor do cabimento do HC nesses casos, principalmente pelo o que chamou "uso exorbitante e excessivo" dos poderes monocráticos. 

Em maio deste ano, já com Plenário virtual, os ministros admitiram um Habeas Corpus contra decisão monocrática da ministra Cármen Lúcia. O pedido do Habeas Corpus foi negado, mas a postura, elogiada por advogados.

De lá para cá, a corte voltou a reafirmar a jurisprudência. Também em Plenário virtual, os ministros negaram um conjunto de HCs impetrados que tinham como autoridade coautora o ministro Alexandre de Moraes, relator do chamado inquérito das fake news. 

Para especialistas, as idas e vindas afetam a segurança jurídica e passam um mau exemplo aos magistrados de instâncias inferiores. Recentemente, a OAB decidiu que vai levar ao Congresso uma proposta de alteração legislativa para garantir o cabimento do HC contra ato coator praticado por ministro da corte ou seus órgãos fracionários.

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HC 195.807

ADI 6.298
ADI 6.299
ADI 6.300

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