Opinião

O lugar dos presos na vacinação contra a Covid-19

Autor

  • Felipe Chiavone Bueno

    é advogado criminalista pós-graduado em Direito Processual Penal pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu (IDPEE) da Universidade de Coimbra em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) mestrando em Direito Penal pela PUC-SP membro do IBCCrim do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e da Comissão Especial de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP).

20 de dezembro de 2020, 6h05

Dados do CNJ [1] registram um total de 216 óbitos e 53.656 casos confirmados no sistema prisional brasileiro resultantes da pandemia da Covid-19. Em uma primeira decisão, apesar do alto índice de mortalidade e casos de infecção, o Ministério da Saúde excluiu os presos da lista de grupos prioritários para a vacinação no plano preliminar de imunização, sob o argumento de que "o Brasil e o mundo ainda carecem de mais estudos quanto à taxa de transmissibilidade e de letalidade para que se justifique a priorização do grupo daqueles privados de liberdade". Na última quarta-feira (16/12), entretanto, a pasta reviu sua decisão e voltou a incluir os presos no grupo prioritário.

Em março deste ano, no vértice da pandemia, o CNJ editou a Recomendação nº 62, que, mais do que reconhecer a importância de garantir a saúde dos presos durante a crise que nos assola, assumiu que o aumento de óbitos e casos confirmados dentro dos estabelecimentos prisionais impactaria não apenas a segurança e a saúde da população carcerária, mas de toda a população brasileira. Fatores como aglomeração de pessoas, insalubridade, insuficiência de equipes de saúde e dificuldades para garantir os procedimentos mínimos de higiene e isolamento rápido dos sintomáticos, são fomentadores do contágio e da mortalidade nas unidades prisionais. É o que os dados demonstram.

Embora o Brasil se orgulhe de possuir uma das mais evoluídas leis em matéria de execução penal, ainda enfrenta o desafio de implementar as garantias que assegura. O descompasso entre a lei e a realidade é chocante. Prisões superlotadas, sem lugar para todos; muitos dormem no chão, em colchões de espuma imundos ou sobre cobertores; o espaço no chão não permite que todos se deitem, os presos se revezam; o ambiente é insalubre; os doentes são misturados com os sadios; há ratos, insetos e animais peçonhentos; não há água suficiente para todos; a rede de esgoto funciona mal [2].

Se é dever do Brasil assegurar o direito à saúde aos presos, bem como o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às suas liberdades fundamentais, nos termos da Constituição, da Lei de Execução Penal e dos compromissos internacionalmente assumidos, os problemas estruturais e administrativos do sistema prisional deveriam merecer, ao menos, um olhar mais atento por parte do Estado, especialmente durante a pandemia.

Tudo indica que a decisão de Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, reconsiderou as intenções invocadas pelo CNJ no momento da elaboração da referida recomendação, que destinada ao sistema de Justiça Criminal, buscou a adoção de medidas preventivas na propagação do coronavírus dentro das prisões. Em que pese o descaso e a falta de consideração da dignidade dos presos ser notória, acertada a postura do Estado brasileiro ao priorizá-los em tempos de vacinação, ainda quando isso tem o condão de desagradar a opinião pública.

Mais do que impor a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos presos, a lei brasileira assegura a eles todos os direitos não restringidos pela condenação. Por isso, esperamos que o Ministério da Saúde mantenha sua decisão de incluir os presos da lista de grupos prioritários para a vacinação contra o coronavírus, sob pena de violação sistemática da Constituição, das leis e dos tratados internacionalmente assumidos.

 


[1] Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/12/Monitoramento-Semanal-Covid-19-Info-16.12.20.pdf. Acesso em: 17.dez.2020. Os dados contemplam pessoas presas e servidores públicos penitenciários.

[2] CRUZ BOTTINI, Pierpaolo; FERREIRA MENDES, Gilmar; PACELLI, Eugênio (coordenadores). Direito penal contemporâneo: questões controvertidas. São Paulo: Saraiva, 2011. p.182.

Autores

  • é advogado criminalista, pós-graduado em Direito Processual Penal pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu (IDPEE) da Universidade de Coimbra, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), mestrando em Direito Penal pela PUC-SP, membro do IBCCrim, do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e da Comissão Especial de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP).

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