Opinião

Recusa ilegítima à volta ao trabalho presencial pode ensejar justa causa

Autor

19 de dezembro de 2020, 6h34

O Direito do Trabalho é regido por uma série de princípios, e entre eles está o da continuidade do vínculo empregatício, do qual se presume que o vínculo trabalhista entre empregado e empregador deve permanecer, devendo ser priorizada a sua preservação, razão pela qual os contratos de trabalho por prazo indeterminado são a regra em nossa legislação trabalhista, que admite exceções de contratos de trabalho com prazo determinado.

Esse princípio é ratificado pela Súmula 212 do TST ao dispor que é do empregador o ônus da prova quanto ao término do contrato de trabalho quando negados a prestação de serviço e a demissão, "pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado".

Ainda, sabemos que para que seja configurado o abandono de emprego pelo empregado passível do conhecimento da rescisão do contrato de trabalho por justa causa, conforme regulado no artigo 482, alínea "i", da CLT, é preciso que estejam presentes os elementos objetivo e subjetivo.

O elemento objetivo consiste na ausência injustificada e reiterada do empregado ao trabalho por período superior a 30 dias, e o elemento subjetivo é traduzido da sua intenção de deixar o emprego, cabendo ao empregador comprovar, de forma inequívoca, o animus abandonandi do seu empregado, ou seja, de que ele teve o ânimo de abandonar o emprego e, então, se desincumbir de seu ônus probatório quanto à ofensa ao princípio da continuidade do vínculo empregatício, conforme redação da Súmula nº 212 do TST.

Em razão da pandemia do novo coronavírus e da atual crise sanitária, alguns empregadores modificaram, temporariamente, o regime de trabalho dos empregados de presencial para o teletrabalho, o que inclusive foi uma das primeiras recomendações do governo federal como medida efetiva de isolamento social e preservação dos empregos.

E agora, com a flexibilização das medidas de contingenciamento do novo coronavírus e iniciada a retomada gradual das atividades empresariais, os empregadores passaram a enfrentar a recusa de alguns empregados para o retorno ao regime presencial de trabalho, que resistem por medo de contaminação pela Covid-19, bem como do risco de possível transmissão do vírus aos seus familiares.

Por se tratar de um cenário inédito, o momento exige cautela do empregador na interpretação desta resistência, já que em plena pandemia e estado de calamidade pública declarado, nem sempre a mera recusa implica, por si só, na intenção do empregado em não mais dar continuidade ao vínculo empregatício.

De fato, a CLT disciplina que o empregador pode, unilateralmente, determinar que o empregado retorne ao trabalho presencial, devendo tão somente comunicá-lo da alteração do regime de teletrabalho para o presencial com antecedência mínima de 15 dias ou 48 horas, se a modificação do regime de trabalho se deu nos termos da MP 927/2020, durante a sua vigência.

Somado a isso, o Conselho Nacional de Saúde editou recomendações a Ministério da Saúde, governantes e secretários de Saúde para que implementassem medidas de distanciamento social, de forma que não existe uma norma legal que obrigue o empregador a manter seus empregados em trabalho remoto, mas, sim, uma discricionariedade na adoção de medidas para evitar a disseminação da Covid-19.

E, seguindo tal recomendação, o Ministério da Saúde, em 18 de junho, editou a Portaria Conjunta nº 20, com uma série de orientações gerais para prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da Covid-19 no ambiente de trabalho, entre elas o fornecimento e fiscalização de EPIS, treinamentos de higienização correta e contínua, procedimentos com empregados infectados e com suspeita de contágio etc.

Assim, temos que é uma prerrogativa do empregador adotar o teletrabalho como medida de isolamento social dos seus empregados e como manutenção do emprego, entretanto, o empregador tem por obrigação fornecer aos seus empregados que laboram em regime presencial um ambiente salubre de trabalho, com rígidos protocolos de prevenção e controle do contágio pela Covid-19.

Inclusive, a Covid-19 pode ser conhecida como doença ocupacional, fato que deve impulsionar os empregadores a tomarem todas as medidas necessárias à contenção do contágio do novo coronavírus por seus empregados dentro do seu espaço físico de trabalho.

No caso de as medidas de preservação da saúde e da segurança dos empregados, bem como as rotinas de contingenciamento do novo coronavírus, estiverem sendo fidedignamente observadas pelo empregador em seu ambiente físico, entendemos que a mera recusa do empregado em retornar ao trabalho presencial não se justifica, até mesmo porque deve ser levado em consideração que o contágio pela Covid-19 não está restrito ao ambiente de trabalho, já que o atual estágio de contaminação coletiva inviabiliza a identificação, com precisão, do local e da forma de contágio.

A recomendação é que empregado e empregador ajam em consonância com os princípios da colaboração entre as partes, razoabilidade e proporcionalidade, e, persistindo a recusa ilegítima do empregado em retornar ao trabalho presencial, por mera insegurança quanto a esse retorno, pode o empregador demiti-lo por justa causa, quer seja por ato de indisciplina, quer seja por abandono de emprego, uma vez presentes os elementos subjetivo e objetivo ensejadores da rescisão do contrato de trabalho nessa modalidade.

Lembramos que o empregador deve, ainda, observar os princípios da imediatidade, gradação das penas e, no caso da demissão por abandono de emprego, ter cautela quanto às formalidades para a sua configuração.

Também, caso o empregado entenda pela legitimidade de sua recusa ao retorno do trabalho presencial, pois a seu ver o empregador pode não estar lhe fornecendo um ambiente seguro de trabalho, poderá ele valer-se da rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do artigo 483 da CLT. Lembrando que é do empregado o ônus probatório quanto à falta grave do empregador, ensejadora da ruptura do contrato de trabalho nesta modalidade.

Em síntese, a complexidade do momento exige, tanto do empregado, quanto do empregador, "jogo de cintura" para encontrarem uma solução que atenda a ambos. De toda sorte, esclarecemos que a mera recusa injustificada de retorno ao trabalho presencial pelo empregado pode ensejar a rescisão do seu contrato de trabalho por justa causa, observadas as cautelas neste particular, já que antes da pandemia do novo coronavírus o regime de trabalho do empregado era o presencial.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!