Opinião

STF premia a irresponsabilidade ao negar rateio de pensão para união simultânea

Autor

  • Rodrigo da Cunha Pereira

    é advogado presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) doutor (UFPR) e mestre (UFMG) em Direito Civil e autor de vários artigos e livros em Direito de Família e psicanálise.

18 de dezembro de 2020, 18h38

A Suprema Corte brasileira decidiu, na última segunda-feira (14/12), não ser possível o reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas para rateio de pensão por morte, benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Não é a primeira vez que o Supremo analisa o tema. Em 27 de março de 2009, da mesma forma concluiu que essas famílias, formadas simultaneamente a outra família, não podem ser reconhecidas pelo Estado, com o voto divergente do então ministro Ayres Brito. Com tais decisões, é como se dissesse: "Essas famílias existem, mas não se pode dizer que existem. Afinal, elas afrontam a moral e os bons costumes. Não podem ser reconhecidas e qualquer direito que se dê a elas, deve ser no campo do Direito obrigacional, e não no âmbito do Direito de Família, ou seja, devem ser vistas como concubinato e estão condenadas ao limbo jurídico".

Assim, um homem que tenha constituído uma família simultânea nenhuma responsabilidade terá com ela. Endossando uma lógica moralista, o STF continuou preferindo fazer de conta que essas famílias não existem, tirando a responsabilidade de quem, adulto e por livre e espontânea vontade, constitui uma união simultânea a outra, pois nenhuma responsabilidade ele terá com esta segunda família. Ouso dizer que atualmente as famílias multiespécies — aquelas formadas por humanos e animais de estimação — têm conquistado mais direitos e reconhecimento do que as simultâneas. Estas, assim como as poliamorosas, não "cabem" à mesa na ceia de Natal.

Julgamentos como esse acabam sendo muito mais morais do que jurídicos. Sabemos que os julgadores são imparciais, mas não são neutros. E, nessa não neutralidade, entra toda a concepção moral particular de cada julgador. É aí que se misturam ética e moral, Direito e religião, proporcionando injustiças e exclusões de pessoas e categorias do laço social.

Não vai longe o tempo em que os filhos havidos fora do casamento não podiam ser reconhecidos. Até a Constituição de 1988, eram considerados ilegítimos e não podiam nem ser registrados em nome do pai. O que vemos é a lógica perversa, em nome de uma suposta preservação das famílias, que perpetua injustiças.

Novas estruturas conjugais e parentais estão em curso. O Direito não pode impedir isso. O Estado não consegue aprisionar o desejo. E, enquanto houver desejo sobre a face da terra, pessoas vão constituir famílias simultâneas. E elas são milhares em todo Brasil.

Constituir uma família simultânea nada tem a ver com ter uma "amante", como se propaga erroneamente. Amante não tem direito a nada, a não ser aos prazeres que dá e recebe. Por fim, esse julgamento revela o quanto o Estado ainda não é laico, e como a moral que conduz tais decisões pode ser perigosa e excludente. A Constituição da República diz em seu artigo 226 que todos os filhos e famílias são legítimos. No entanto, o STF continua ilegitimando determinadas formas de família. Até quando?

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    é advogado, presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), mestre pela UFMG e doutor pela UFPR em Direito Civil e autor de vários artigos e livros sobre Direito de Família e Psicanálise.

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