Opinião

A insolvência transnacional na nova Lei de Falências

Autores

  • Nadia de Araujo

    é doutora em Direito Internacional pela USP mestre em Direito Comparado pela George Washington University professora de Direito Internacional Privado na PUC-Rio sócia de Nadia de Araujo Advogados e membro da Delegação Brasileira na 22ª Sessão Diplomática da Conferência da Haia (conclusão da Convenção de Sentenças).

  • Lidia Spitz

    é doutora e mestre em Direito Internacional pela Uerj LL.M. em International Business Regulation Litigation and Arbitration pela NYU sócia de Nadia de Araujo Advogados e membro da Delegação Brasileira na 22ª Sessão Diplomática da Conferência da Haia (conclusão da Convenção de Sentenças).

  • Carolina Noronha

    é sócia de Nadia de Araujo Advogados e mestre em Direito Internacional pela UERJ.

13 de dezembro de 2020, 7h11

Foi concluída a tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei 4.458/2020, que moderniza a Lei de Falências e Recuperação Judicial, aguardando-se a sanção presidencial para que entre em vigor. Em um ano marcado pelos reveses econômicos decorrentes da pandemia da Covid-19, a ideia é assegurar às empresas maior agilidade e segurança jurídica nos processos de falência e recuperação judicial. Entre diversas inovações que podem ser destacadas, o projeto de lei permite: 1) a propositura do plano de recuperação judicial pelos credores; 2) a celebração de contratos de financiamento pelo devedor no curso da recuperação judicial; e 3) a ampliação do prazo para parcelamento das dívidas tributárias federais. Particularmente interessante, o extenso capítulo VI-A endereça a insolvência transnacional, um tema até então ausente da nossa legislação.

Em linhas gerais, a insolvência transnacional se caracteriza quando os ativos do devedor estão localizados em mais de um Estado ou quando alguns dos credores não estão situados no país em que conduzido o processo principal, suscitando potencialmente a atuação concorrente de múltiplas jurisdições.

A primeira inovação trazida no projeto de lei diz respeito ao acesso à jurisdição brasileira. Confere-se ao representante estrangeiro, que é a pessoa ou órgão autorizado no processo estrangeiro a administrar os bens ou as atividades do devedor, legitimidade para postular diretamente ao juiz brasileiro. O propósito é assegurar que os credores estrangeiros gozem dos mesmos direitos e recebam o mesmo tratamento dispensado aos credores nacionais.

Ademais, institui-se a proeminência do juízo brasileiro na condução do processo de insolvência quando o devedor tiver no nosso país o seu centro de interesses principais. Evita-se, assim, que os ativos do devedor sejam dissipados ou fraudulentamente retirados do país. Por outro lado, uma vez reconhecido que o processo estrangeiro é o principal, o projeto de lei determina a automática suspensão do curso de quaisquer processos de execução ou outras medidas individualmente tomadas por credores no Brasil relativas ao patrimônio do devedor. Não obstante, ainda que o processo estrangeiro seja reconhecido como não principal, o juiz brasileiro poderá determinar, a pedido do representante estrangeiro, a ineficácia de transferência, de oneração ou de qualquer forma de disposição de bens do ativo do devedor realizadas sem prévia autorização judicial.

Outro eixo central do projeto de lei consiste na simplificação da cooperação junto a autoridades e representantes estrangeiros, dispensando-se o recurso às tradicionais vias da carta rogatória e do auxílio direto em prol de uma comunicação expedita entre as jurisdições afetadas. Essa flexibilização dos meios de cooperação, contudo, deve observar os princípios fundamentais consagrados no ordenamento nacional, como o devido processo legal e a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros.

É preciso pontuar que o projeto de lei não interfere no sistema de homologação de sentenças estrangeiras — inclusive sentenças de falências — perante o Superior Tribunal de Justiça. Afinal, a competência originária constitucionalmente atribuída ao STJ para processar e julgar a homologação de sentenças estrangeiras, sem a qual não produzem efeitos no Brasil, não será relativizada por lei ordinária.

A inspiração do projeto de lei foi a Lei Modelo da Uncitral (United Nations Comission on International Trade Law) sobre insolvência transnacional. Decerto, diversos de seus dispositivos correspondem a uma tradução literal daquele normativo, de modo que o estudo cuidadoso do novo sistema a ser introduzido na Lei de Falências deverá necessariamente utilizar a lei modelo como ponto de referência para fins de melhor compreensão e manejo.

Em um mundo altamente interconectado, as fronteiras geográficas não podem servir de obstáculo para a boa administração de processos de insolvência transnacional e tampouco de subterfúgio para o tratamento desigual dos credores. Sob o viés da imprescindibilidade de cooperação entre as jurisdições e a complementaridade de processos de insolvência transnacional, o projeto de lei se propõe a maximizar os ativos do devedor mediante a adoção de um sistema de assistência entre os Judiciários e demais autoridades competentes, com o nítido propósito de proteger os interesses de todos os credores.

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    é sócia de Nadia de Araujo Advogados, professora de Direito Internacional Privado na PUC-Rio, doutora em Direito Internacional pela USP e mestre em Direito Comparado pela George Washington University.

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    é sócia de Nadia de Araujo Advogados, possui LL.M. com especialização em International Business Regulation, Litigation and Arbitration pela NYU School of Law, doutora e mestre em Direito Internacional pela UERJ.

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    é sócia de Nadia de Araujo Advogados e mestre em Direito Internacional pela UERJ.

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