Opinião

Decisão de tributar reembolso de despesas na construção civil deve ser revista

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17 de dezembro de 2020, 14h13

Causou surpresa a decisão recentemente proferida pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao estabelecer que as sociedades dedicadas à construção civil e optantes pelo lucro presumido devem oferecer à tributação o valor do reembolso de custos e despesas com materiais aplicados em obras e edificações.

A referida decisão assenta-se no pressuposto de que o fornecimento desses materiais seria inerente à atividade-fim das prestadoras desses serviços. Nessas condições, não poderiam ser deduzidos da receita bruta para fins de determinação do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

Essa premissa, contudo, não se sustenta nos fatos, e tampouco no Direito.

Nos contratos de execução de obra civil, geralmente celebrados mediante contrato de administração, empreitada ou subempreitada, é costume a aquisição, pelo executante, do quanto for necessário à realização do empreendimento, para posterior reembolso.

Ou seja, o objeto do contrato de execução de obra civil não está necessariamente restrito à elaboração e execução do projeto de engenharia ou arquitetura.

Essa atividade tem espectro mais amplo. Pode incluir também outras ações, como a gestão administrativa e financeira de contratos, compreendendo — mas não se restringindo — a identificação de fornecedores, a especificação dos produtos a serem aplicados na obra, a cotação e negociação de preços, o pagamento, o recebimento e a conferência do material fornecido.

Há, inclusive, a percepção de receita pelo empreiteiro proveniente da prestação desse serviço de gestão, mas o malsinado acórdão acabou por equipará-la àquela proveniente de revenda de mercadorias, sem levar em conta que o fornecimento de material, quando previsto contratualmente, constitui mera atividade-meio para que se possa executar o serviço, e não atividade-fim.

Não é, aliás, por outra razão, que a lista de serviços tributáveis pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) [1] — cuja base de cálculo também é constituída pela receita auferida — estabelece que os serviços de administração, empreitada ou subempreitada de construção civil serão tributados unicamente pelo tributo municipal, inclusive aqueles de natureza auxiliar ou complementar, excetuando dessa regra apenas o fornecimento de materiais produzidos no local da obra, mas não os adquiridos de terceiros.

O prestador do serviço não adota esse procedimento para auferir lucro na compra e venda de bens, ainda que documentada em seu nome. Essa modalidade de mandato, não raro resumida em uma única cláusula contratual, não tem o condão de atribuir-lhe a condição de revendedor de mercadorias, e, sim, a de prestador de serviço, que age por conta e ordem de quem o contrata.

Irrelevante, para esse efeito, o fato de ser a executante sociedade tributada com base no lucro presumido ou no lucro real. O regime tributário adotado não desnatura a natureza jurídica do reembolso, que é de simples recuperação de custos e despesas, e não de receita.

Há, no julgado, evidente confusão entre a mera saída de recursos posteriormente restituídos ao executor da obra, que os adiantou, e o auferimento de receita, assim entendido o efetivo e irreversível acréscimo de valor ao patrimônio social. Ao desconsiderar tais preceitos, ignoraram-se fundamentos básicos das Ciências Contábeis e do Direito.

Estabelecer distinção de tratamento fiscal entre as sociedades que adotam essa prática e aquelas que tenham por política não fazer adiantamentos para futuro reembolso revela ainda nítida imposição de discrimen despido de qualquer lógica, estabelecido unicamente em face do modus operandi adotado pela sociedade, afrontando a isonomia, e contrariando jurisprudência consolidada  [2].

Não procede, tampouco, a premissa adotada pelo acórdão segundo a qual admitir a exclusão do valor do reembolso significaria permitir uma dedução em dobro. Pelo contrário, se além de oferecer à tributação a receita auferida com a prestação de serviços de gestão o executor tiver ainda de adicionar a ela o valor reembolsado relativo a bens físicos empregados na atividade, o que haverá será inequívoca exigência de imposto sobre mera movimentação financeira, e não sobre renda ou receita.

Pelas razões ora resumidas, espera-se que a inusitada decisão seja objeto de pronta revisão, preservando-se a segurança jurídica.

 


[1] Anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003

[2] "TRIBUTÁRIO – ISS – BASE DE CÁLCULO – PREÇO DO SERVIÇO – REEMBOLSOS
DE IMPORTÂNCIAS QUE NÃO SE ENQUADRAM COMO SERVIÇOS PRESTADOS –
NÃO-INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO. A base de cálculo do ISS é o preço do serviço, não sendo possível incluir, nesse valor, importâncias que não serão revertidas para o prestador, mas simplesmente repassadas a terceiros, por meio de posterior reembolso. Precedentes. Agravo regimental improvido."
 (Resp. 1094948-MG, unânime, rel. min. Humberto Martins)

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