Carteirada em Santos

STJ admite inquérito criminal contra desembargador que ofendeu guarda

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16 de dezembro de 2020, 18h08

Para a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, é cabível e justificável a abertura de um inquérito para investigar se o desembargador Eduardo Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, cometeu crime na ocasião em que ofendeu um guarda municipal em Santos.

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Desembargador Eduardo Siqueira cometeu, em tese, os crimes de abuso de autoridade, infração de medida sanitária e desacato

A conclusão foi alcançada nesta quarta-feira (16/12), quando o colegiado, por maioria, deu provimento a agravo interno ajuizado pelo Ministério Público Federal contra decisão monocrática do relator, ministro Raul Araújo, que indeferiu a abertura do inquérito.

Para o MPF, ao destratar o guarda enquanto caminhava sem máscara na praia, o desembargador do TJ-SP cometeu, em tese, os crimes de abuso de autoridade, infração de medida sanitária e desacato.

O caso motivou a abertura de processo administrativo disciplinar e levou ao afastamento de Siqueira pelo Conselho Nacional de Justiça. Ele também responde a processo ajuizado pelo guarda municipal, chamado de analfabeto pelo desembargador. Para o Ministério Público Federal, o caso não se restringe à área administrativa, devendo ser apurado na seara penal.

O julgamento dividiu a Corte Especial e gerou divergência. Para o ministro Raul, as condutas descritas pelo MPF não mostram justa causa para reprimenda penal. Ele foi seguido pelos ministros Napoleão Nunes Maia e João Otávio de Noronha.

Prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Francisco Falcão, com os acréscimos dos votos das ministras Maria Thereza de Assis Moura e Laurita Vaz, que reiniciou o julgamento a partir de voto-vista nesta quarta.

Lucas Pricken
Vencido, ministro Raul Araújo defendeu a atipicidade penal das condutas do desembargador do TJ-SP
Lucas Pricken

Para a maioria, a tese da atipicidade da conduta não se apresenta indubitável, o que torna incabível o indeferimento de abertura do inquérito. O MPF deve investigar o caso para depois decidir se oferece denúncia ou não. E a partir do procedimento, instaura-se o contraditório.

Seguiram esse entendimento os ministros Luís Felipe Salomão, Nancy Andrighi, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Og Fernandes, Mauro Campbell e Benedito Gonçalves.

Tipicidade contestada
Relator do caso, o ministro Raul Araújo fez seguidas interjeições durante o julgamento para ressaltar que não estava propondo o trancamento do inquérito, pois ele sequer existia. Ao analisar as imputações especificadas pelo MPF ao desembargador, concluiu que, para nenhuma delas, há conduta típica.

Vivemos num país com mais de 50 mil homicídios por ano. Com casos gravíssimos de corrupção. Aí vamos tomar o tempo dessa corte debaixo de não sei quais argumentos ou por uma situação esdrúxula de que alguém usou ou não usou a máscara? Isso não é crime. E por isso não pode instaurar o inquérito”, afirmou.

Lucas Pricken/STJ
Não é o momento de se imiscuir em teses que se confundem com o mérito de uma acusação que sequer foi oferecida, disse a ministra Laurita Vaz, no voto-vista
Lucas Pricken/STJ

“Não tivesse a mídia explorado o caso como explorou, o inquérito não teria sido proposto. Não vejo tipicidade”, concordou o ministro João Otávio de Noronha. Já o ministro Napoleão citou uma consequência desse precedente: “o pavor que eu tenho é que isso se torne a comida de todo dia. Abre-se ação penal mesmo sem imputar uma figura criminosa”.

Para a divergência, no entanto, a análise do relator foi além do que seria cabível para o momento processual. A ministra Maria Thereza de Asssis Moura classificou-a como “quase uma absolvição sumária”.

“A discordância é quanto ao momento de se imiscuir em teses que se confundem com o mérito de uma acusação que sequer foi oferecida”, apontou a ministra Laurita Vaz, no voto-vista.

Para o ministro Luís Felipe Salomão, seria necessário destravar uma investigação, que depois vai chegar à conclusão que tiver que chegar. “Aprioristicamente, não se pode absolver como também não se poderia condenar”, disse.

Questão de Ordem
O julgamento foi retomado nesta quarta-feira com uma Questão de Ordem suscitada pela defesa do desembargador, pedindo que fosse declarado nulo o julgamento já iniciado, assim como votos proferidos, afim de colher manifestação dos advogados, garantindo-lhe o contraditório e a ampla defesa.

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Para ministra Maria Thereza, relator invadiu o mérito e ofereceu absolvição sumária
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A Questão foi rejeitada pela Corte Especial. Segundo o relator, não há evidente ofensa ao direito à ampla defesa e contraditório, pois precisava apenas decidir se instauraria ou não o inquérito somente requerido pelo MPF, sem qualquer procedimento antecedente de qualquer natureza existente no âmbito do STJ.

“Vindo a ser instaurado inquérito, aí sim surgirá o direito ao contraditório, quiçá até o recurso contra a instauração do inquérito”, disse o ministro Raul. Ele, no entanto, admitiu a habilitação da defesa do desembargador nos autos, para tomar conhecimento e acompanhar o caso.

Inq 1.442

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