Superação de entendimento

Fundamentação especial só é requisito para desobedecer precedente vinculante

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15 de dezembro de 2020, 11h39

Para a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, não há violação do Código de Processo Civil (CPC) quando o julgador não segue enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, que seja de um tribunal de segundo grau distinto daquele ao qual está vinculado, e não demonstra a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Por essa razão, o colegiado negou provimento a recurso especial que apontava ilicitude de acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que não observou uma série de julgados citados na apelação, proferidos pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DF) e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) — todos no sentido de que, no divórcio, não seria possível a partilha de valores de previdência complementar privada aberta.

Acompanhando o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, os ministros concluíram que o dever de fundamentação analítica do julgador — relativo à obrigação de demonstrar distinção ou superação do paradigma invocado, prevista no artigo 489, parágrafo 1º, VI, do CPC — "limita-se às súmulas e aos precedentes de natureza vinculante, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos, como, por exemplo, os acórdãos proferidos por tribunais de segundo grau distintos daquele a que o julgador está vinculado".

Argumentação diferenciada
Segundo a relatora, o CPC exige do juiz um ônus argumentativo diferenciado caso ele pretenda se afastar da orientação firmada em determinadas espécies de julgados, demonstrando, por exemplo, a existência de distinção entre a hipótese que lhe foi submetida e o paradigma invocado, ou de superação do entendimento firmado no paradigma.

Para a ministra, o TJ-RS, ao julgar a apelação da parte, não estava obrigado a acompanhar o entendimento firmado pelo TJ-SP e pelo TJ-DF, nem a estabelecer em relação a eles qualquer distinção ou superação.

Ampla flexibilidade
A recorrente alegou ainda que o valor de R$ 105 mil que possuía em previdência complementar privada aberta na modalidade VGBL, por ocasião do divórcio, não seria suscetível de partilha, devido à natureza alimentar e personalíssima da verba, originada de seu esforço pessoal e para a qual não teria havido contribuição alguma do ex-cônjuge. Seria, assim, um valor incomunicável, apenas destinado a garantir complementação de renda após determinada idade.

A ministra Nancy Andrighi observou que, em julgado recente, a 3ª Turma concluiu que os valores contidos em previdência privada fechada são incomunicáveis e insuscetíveis de partilha.

No entanto, ela destacou que, diferentemente, a previdência privada aberta pode ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica. Segundo a relatora, trata-se de regime de capitalização no qual o investidor, com grande margem de liberdade e flexibilidade, pode decidir sobre valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou recebimento de parcelas até o fim da vida.

De acordo com a ministra, os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não têm os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial verificados nos planos de previdência fechada e que representam impedimento à partilha.

Natureza de investimento
Segundo Nancy Andrighi, no período que antecede o recebimento dos valores — ou seja, durante as contribuições e a formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas —, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento. É como se o dinheiro fosse investido em fundos de renda fixa ou em ações, bens que seriam objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão.

"Diante desse cenário, é correto afirmar que os valores aportados em planos de previdência privada aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possuem natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal, por não estarem abrangidos pela regra do artigo 1.659, VII, do Código Civil", concluiu a ministra. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

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