Consultor Jurídico

MP tem de ter a transparência que cobra da sociedade, diz Aras

14 de dezembro de 2020, 19h10

Por Maurício Cardoso

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Uma das grandes deficiências do Ministério Público brasileiro constatada durante a elaboração do Anuário do Ministério Público Brasil também foi tema do evento de lançamento virtual da publicação, nesta segunda-feira (14/12) pelo canal da ConJur no YouTube: a gestão de dados da instituição, tanto de sua estrutura organizacional quanto de sua atividade e também do conteúdo dos processos.

O Anuário foi produzido pela revista Consultor Jurídico com o apoio da Uninove e da JBS. Contém informações sobre a atuação, a estrutura e as pessoas que compõem todos os ramos do Ministério Público no Brasil. O lançamento da nova publicação constou de um debate com a participação do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, do procurador-geral da República, Augusto Aras, do ministro Rogerio Schietti, do Superior Tribunal de Justiça, da subprocuradora-geral da República Samantha Dobrowolski e do advogado Pierpaolo Bottini.

Aras reconheceu que existe uma deficiência na administração dos dados do MPF e prometeu uma solução similar ao Justiça em Números, o levantamento estatístico anual feito e divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça para aferir a produtividade do Judiciário.

"O MPF em Números não existe e a nossa Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação, sob os cuidados do procurador da República Darlan [Airton Dias], está levantando pela primeira vez a situação. Há um projeto acerca desse tema tão relevante para que tenhamos uma atividade transparente."

O PGR acrescentou que "o MPF em Números apresentará o grau de transparência necessária para essa instituição que cobra de toda a sociedade e do Estado providências e deve também merecer a visibilidade total das suas condutas e ações em todos os níveis, seja na atividade-meio, seja na atividade-fim".

Para o ministro Rogerio Schietti, a divulgação dos números da atividade do Ministério Público é uma forma de legitimação das ações do MP. "No Judiciário, a legitimação decorre da própria motivação da decisão pelo escrutínio interno das partes e externo da sociedade." No caso do MP, muitas das suas ações são invisíveis, como as petições iniciais e investigações que faz. Por isso, "é importante que o Ministério Público, mais do que qualquer outra instituição, tenha tanto a transparência quanto a accountability do que faz, pois a exibição do que faz é que legitima as suas ações".

Pierpaolo Bottini lembrou que, como secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, no governo Lula, mandou fazer o primeiro diagnóstico do Ministério Público do país. Na época chamou-lhe a atenção que não foi possível obter dados sobre a atividade-fim do MP.

"E isso é essencial para apurar, não vou dizer a produtividade, mas o exercício das atribuições do MP. Por exemplo, até hoje não temos o número unificado de ações civis públicas ou de ações penas no país, bem como o número de denúncias. Para que possamos combater a criminalidade de forma racional, é fundamental ter acesso a esses dados."

Para Bottini uma boa gestão de dados está diretamente ligada à eficiência da instituição: "Se eu quero entender a atividade do MP como uma política pública, preciso ter dados, preciso integrar esses dados, preciso saber onde está se dando o dispêndio de recursos".

A subprocuradora-geral Samantha Dobrowolski entende que o Ministério Público tem avançado nesse sentido. "O que me parece é que a tecnologia da informação e a busca de dados unificados se tornou um mote relevantíssimo nos últimos anos, e a informática permite isso. Então, esse é um gargalo que vai ser sempre constante. À medida que se aprimora, surgem novas demandas."

Mas ela ressalva que a leitura desse tipo de informação requer cautela. "Não podemos confundir, enquanto discurso público, principalmente da imprensa, que é preciso que o MP proponha ações e que elas cheguem à condenação. A atuação da instituição não se dá pelo resultado, especificamente. Se dá pelo meio, promover as ações, as medidas necessárias e buscar, obviamente, a condenação, mas não a qualquer custo. Sempre seguindo o devido processo legal", afirmou.

Os dados que aparecem no Anuário do Ministério Público Brasil 2020 foram obtidos em três fontes principais. A primeira delas foi o MP Um Retrato, relatório estatístico anual feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público. É o levantamento dessa natureza mais abrangente, mas que ainda apresenta muitas falhas e inconsistência de dados.

No caso do Ministério Público Federal foram usados também dados disponíveis no Portal da Transparência. Os dados de movimentação processual das unidades do MPF foram fornecidos pela Secretária-Geral do MPF atendendo a pedido com base na Lei de Acesso à informação. O mesmo procedimento foi adotado junto aos Ministérios Públicos dos estados. Onze dos 27 estados consultados não deram nenhum retorno ao pedido de informação feito.

Ressalvadas as falhas e inconsistências das fontes primárias, o fato é que o Anuário MP Brasil conseguiu reunir números da instituição que só podem ser encontrados de forma esparsa.