Menos pessoalismo

"Gaecos trarão institucionalidade às investigações do MPF", afirma Aras

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14 de dezembro de 2020, 15h20

A maior prova da falta de institucionalidade das forças-tarefa no Ministério Público é o procurador-geral da República ter de responder com seu CPF por suas despesas, já que é seu gabinete que hoje controla os gastos. A afirmação é do próprio procurador-geral da República, Augusto Aras, chefe de todo o Ministério Público da União, durante debate promovido pela revista Consultor Jurídico para o lançamento do Anuário do Ministério Público Brasil 2020.

Roberto Jayme/Ascom/TSE
E a institucionalização dos objetivos da “lava jato” pode ser melhor concretizada com mais Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos), em lugar de grupos improvisados, como o são forças-tarefas, defendeu Aras. O PGR disse que os Gaecos não são nenhuma novidade, pois os Ministérios Públicos estaduais já os possuem há mais de 25 anos.

"No Ministério Público, tivemos o desenvolvimento nos últimos anos das forças-tarefas, mas o que são elas? São atividades de investigação no âmbito do Ministério Público que desenvolvem a persecução criminal, mas são atividades informais, sem institucionalidade. Isso é de uma fragilidade tão grande que estamos enfrentando uma primeira questão: talvez nem todos aqui da mesa saibam, mas o responsável pelas despesas das forças-tarefas é o meu CPF", contou Aras. "Tenho 40 anos de vida pública. Isso é absoluta falta de institucionalidade. Como vou responder perante o Tribunal de Contas da União?", continuou o procurador-geral.

"A informalidade das forças-tarefas estava no meu CPF, é no gabinete do PGR, é preciso que falemos claramente, para que não haja dupla interpretação e para a comunidade jurídica saber que precisamos de institucionalidade. A institucionalidade é diferente de corporativismo. Todos sabem que corporativismo promove relações fisiológicas, clientelistas que desservem à institucionalidade. E o que fazemos aqui é defender a institucionalidade, afirmou."

Aras defendeu que Gaecos têm objetivos, controle, fiscalização, prazos de mandatos de dois anos para os seus membros, com possibilidade de prorrogação desses biênios. "O Gaeco pode ter uma governança, acountability, compliance. Os Gaecos são uma realidade em todos os estados e são vitoriosos", comentou. Aras disse que, no MPF, somente em sua gestão foram criados os primeiros Gaecos federais, em Curitiba, Paraíba, Minas Gerais, Pará e Amazonas. "Estamos esperando ser criado o Gaeco do Rio de Janeiro, para estendermos o prazo de apuração dos grupos que lá já atuam", disse.

"Nossa ideia é de aprimorar o combate à corrupção pela institucionalidade, me parece que já passou do tempo. Vamos aprimorar o modelo", disse.

O PGR comentou que tem enfrentado dentro do MP uma certa incompreensão dos colegas. "Hoje o TCU quer saber quanto de diárias extras foram gastas pelos membros, quanto de gratificação, viagens internacionais e nacionais, quanto de recursos foram arrecados pela via das forças-tarefas, quanto foi destinado para a União. Estou preocupado, pois é uma tarefa difícil, pois as forças-tarefas estavam desconectadas de um centro de gerenciamento. Vou ter dificuldade e já temos colegas resistindo a prestar informação ao Tribunal de Contas da União com a explicação de que o Ministério Público não deve dar satisfação. Mas temos deveres de prestação de contas que são recíprocos."

Aras concluiu sua fala dizendo que é preciso integrar as informações entre as forças-tarefas existentes, integrar os bancos de dados para que todos os membros tenham acesso às informações e que o combate à corrupção se espraie por todas as unidades federativas do Brasil, não somente em duas ou três. "Tudo isso pela institucionalidade, para não termos de lamentar que metade da operação foi boa, metade foi desastrosa", concluiu o procurador-geral.

Contraponto
Coube à sub-procuradora-geral da República Samantha Dobrowolski fazer o contraponto. Ela comentou que no meio da década de 1990, durante a operação mãos limpas na Itália, surgiu entre os promotores as primeiras discussões sobre a criação de forças-tarefas. Disse que, por conta de casos sensíveis, em que somente um promotor natural não conseguiria dar conta do serviço e diante de casos em que existe um poder econômico, político e de violência muito grande sendo investigado.

"A atuação conjunta no Ministério Público se volta a garantir àqueles que estão investigando um caso complexo, por sua amplitude, uma certa proteção ao nível da impessoalização da investigação. Isso surgiu para dar esse tipo de suporte. Nos nossos estudos da época, chegamos à conclusão de que nunca se pode afastar o promotor natural. Não é um assunto novo, surgiu agora na “lava jato” como uma marca, mas já existiam outras", comentou.

Samantha Dobrowolski afirma que os nomes em forças-tarefas acabam derivando de nomes de operações e que acaba sendo assim para facilitar a comunicação com a sociedade. "De um lado temos a necessidade de um trabalho coletivo para que mais gente participe da solução de um caso complexo. E para que se dê a proteção ao próprio promotor natural do caso."

Em relação à substituição das forças-tarefas por Gaecos, a sub-procuradora ponderou que é preciso dotá-los de recursos tecnológicos, materiais, humanos de apoio, de assessoria pericial e também dos recursos de tempo e de dedicação. "As pessoas que estão no Gaeco precisam ter um mínimo de tempo dedicado àquele caso, se não isso é um simulacro de eficiência. Se for para acumular todas as funções com casos dessa magnitude como nós vimos na 'lava jato', na greenfield, na própria FT da Amazônia, é impossível se obter grau de eficiência que a sociedade cobra que a imprensa exige."

Samantha defendeu por fim que o Ministério Público é auditável em sua gestão e administração, mas na sua atividade finalística não cabe ao TCU fazer qualquer controle externo sobre o MP, assim como não lhe cabe fazer controle externo sobre o Judiciário. "A acountability é feita dentro dos próprios acordos feitos no processo judicial em que o acordo é feito e dentro da revisão extrajudicial que é feita nas câmaras de revisão e coordenação conforme a lei. Se não for assim perdemos nossa independência de agir."

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