Opinião

O devido processo legal administrativo nos EUA e suas implicações no Brasil

Autor

  • Felipe Herdem Lima

    é mestre em Direito da Regulação pós-graduado em Direito Empresarial autor dos livros: Liquidação Extrajudicial e seu devido processo administrativo Direito Bancário: Conceitos básicos Sistema Financeiro Nacional Contemporâneo: regulação e desafios; Resolução Bancária: Aspectos controversos e Novas Tendências do Sistema Financeiro Nacional; e sócio do escritório Herdem & Latini Advogados.

12 de dezembro de 2020, 14h33

A literatura do devido processo legal, hoje manifestada através do artigo 5º, LVI da Constituição Federal, sofreu fortes influências da construção doutrinária e jurisprudencial norte-americana em relação à cláusula de due process of law.

Ocorre que, como lembra Kenneth F. Warren, apesar da Constituição Norte-americana impor a observância do due process a todos os ramos do governo, ela ficou distante de definir o seu significado e as consequências da aplicação do instituto [1], tarefa que ficou a cargo da doutrina e pelos tribunais.

Assim, para a literatura norte-americana, os principais objetivos do due process em âmbito administrativo podem ser classificados em: 1) justiça; 2) correção; 3) segurança; e 4) autonomia aos processos conduzidos pelas entidades governamentais [2]. Justiça (fairness) diz respeito à atuação administrativa de acordo com parâmetros seguros, que sejam imparcialmente aplicados às partes, através de procedimentos que sejam conhecidos [3]. Nesse ponto, merece destaque um conceito-chave, ou seja, o de revealed procedures, representado pela importância de procedimentos visíveis e compreensíveis, essenciais para uma participação confortável e efetiva dos cidadãos [4].

Por sua vez, a ideia de correção (accuracy), como ressalta Demian Guedes, "aproxima-se bastante do conceito de eficiência, na medida em que representa a preocupação com a melhor aplicação dos recursos estatais" [5]. A segurança reflete a necessidade de que os administrados saibam o que esperar da Administração e o seu modo através do qual ela produzirá suas decisões [6]. Nesse ponto é importante a definição dos parâmetros que serão delineados para a relação entre a Administração e os indivíduos, "garantindo que a relação desenvolvida entre eles não tenha surpresas, nem seja orientada por opções pessoais do agente público" [7].

O último parâmetro (autonomia) garante um tratamento humano ao cidadão, "respeitando a sua autonomia, para que ele não seja tratado apenas como uma estatística na massa universal de casos a serem resolvidos pelo Poder Público" [8].

Caso emblemático também julgado pela Suprema Corte foi o Goldberg vs. Kelly [9], em que questionava-se a validade do processo de suspensão de benefícios sociais no Estado de New York. No modelo, o cidadão era notificado da intenção da agência de suspender o benefício, com a possibilidade de apresentação de apresentar, por escrito, suas razões de inconformismo. Caso suas razões fossem rejeitadas, o cidadão teria o benefício terminado, com a posterior realização de audiência para a apresentação de argumentos e provas. Nessa audiência, se ficasse provado o direito do cidadão, o benefício seria restaurado.

A Suprema Corte, ao julgar esse processo administrativo, adotou o critério de hearing first, entendendo que a sustação prévia do benefício constituía uma violação ao devido processo legal, já que causaria sérios problemas àqueles que seriam erroneamente privados de renda, determinando, portanto, que o modelo obedecesse a garantias processuais próximas a um julgamento judicial. Alguns anos depois, a Suprema Corte exigiu o mesmo tipo de procedimento, com as mesmas garantias, para processos administrativos de concessão e revogação de regimes prisionais (Morrisey vs. Brewer[10].

Portanto, em linhas gerais, pode-se afirmar que a experiência norte-americana trouxe fortes influências para o devido processo administrativo brasileiro, estabelecendo os seus pilares na previsibilidade do processo decisório pelos administrados e pelo respeito dos direitos estabelecidos. Dessa forma, o quadro geral desse processo, como exposto pela literatura norte-americana, deve observar o direito de ser notificado o conhecimento das intenções e dos argumentos do poder público, uma oportunidade para apresentar as razões de seu inconformismo e o direito de contar com um órgão julgador imparcial [11].

 

 


[1] WARREN, Kenneth. Administrative Law in the Political System. Cambridge: Westview, 2004, pp. 278-279.

[2] AMAN JR., Alfred C.; MAYTON, William T. Administrative Law. St. Paul: West Group, 2001, p. 278, Apud GUEDES, Demian. Processo Administrativo e democracia: uma reavaliação da presunção de veracidade. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 75.

[3] GUEDES, Demian. Op. cit., p. 75.

[4] Apud GUEDES, Demian. Op. cit., p. 75.

[5] Ibid, p. 75.

[6] Ibid, p. 75.

[7] Ibid, p. 75.

[8] Ibid, p. 75.

[9] 397 U.S 254 (1970).

[10] 408 U.S 471 (1972).

[11] Ibid, p. 75.

Autores

  • Brave

    é sócio do escritório GFX Advogados, professor do FGV Law Program, doutorando em Direito Público na Universidade de Coimbra e mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio.

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