Proteção de direitos

Atuação do Ministério Público vai muito além dos tribunais

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12 de dezembro de 2020, 12h01

*Reportagem publicada no Anuário do Ministério Público Brasil 2020, que será lançado na próxima segunda-feira (14/12), às 11h, no canal da ConJur no YouTube. O Anuário está disponível gratuitamente na versão online e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa. 

Além de seu papel tradicional de titular da ação penal pública, o Ministério Público recebeu da Constituição de 1988 funções na área cível, destacando sua atuação na tutela dos interesses difusos e coletivos, como meio ambiente; consumidor; patrimônio histórico, turístico e paisagístico; portador de deficiência; criança e adolescente; idosos; comunidades indígenas e minorias étnico-sociais.

A Constituição diz enfaticamente que o Ministério Público é instituição “essencial à função jurisdicional do Estado”. As leis orgânicas do Ministério Público – Lei Complementar 75/1993, do Ministério Público da União (MPU), e Lei 8.625/1993, do Ministério Público dos Estados –, em observância à própria Carta da República, desenharam a estrutura da instituição como um espelho do Poder Judiciário. Mas o Ministério Público, nunca é demais repetir, não é Justiça, não julga, não absolve, não condena. 

Como titular da ação penal, tem a função de acusador. Mas a defesa “da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” vai muito além. Mesmo considerando o impacto político, social e econômico que teve em tempos recentes, a proeminência da atuação de combate à corrupção e ao crime organizado é mais midiática do que real.

Ao contrário de sua atuação em matéria criminal, a atuação na área cível, no exercício da assim chamada tutela coletiva, exige uma postura eminentemente proativa dos procuradores, como ensina Maria Célia Neri de Oliveira no livro Por Dentro do Ministério Público (6ª edição, 2010). “Em várias questões, a iniciativa de ação será do Ministério Público, e, para subsidiar o trabalho, será preciso ir atrás de todas as informações possíveis. Isso implica em o procurador estar atento aos assuntos do cotidiano, para ser capaz de perceber as inúmeras situações em que se faz necessária a sua atuação”, diz ela.

E acrescenta: “Na tutela coletiva, o MPF age para proteger (tutelar) os interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. A atuação do Ministério Público na proteção a esses direitos tem relação direta com a noção de coletividade; com a ideia de que o direito a ser tutelado diz respeito a um número considerável de pessoas.”

Leopoldo Silva/Agencia Senado
O fim dos lixões a céu aberto é campanha do MP que não sai no jornal Leopoldo Silva/Agência Senado

Isto não está nas manchetes dos jornais, mas uma iniciativa de grande impacto social e ambiental do Ministério Público dos Estados é a que cobra dos municípios que estão em falta com a lei que determina o fim dos lixões a céu aberto, prática deletéria e ilegal que prolifera pelo Brasil profundo.

Outra ação também de grande impacto para a sociedade e para a infraestrutura básica do país é a campanha do MPF para que as empresas de transporte rodoviário respeitem a norma que estabelece um limite de peso para a carga dos caminhões. As empresas, indiferentes à lei, preferem pagar as multas, que são irrisórias, do que cumprir a lei, causando incalculável prejuízo para a conservação das estradas.

Outra modalidade de atuação do Ministério Público que não tem repercussão na mídia é a campanha sistemática para evitar abusos na contratação de servidores em cargos comissionados, um recurso muito cômodo e ilegal que políticos do país inteiro lançam mão para atender interesses clientelistas e eleitoreiros. São apenas alguns exemplos, entre muitíssimos, a demonstrar como a atuação do Ministério Público vai muito além da “lava jato”, da luta contra a corrupção e do combate ao crime organizado.

Atuação do Ministério Público: Entenda como trabalham promotores e procuradores na área extrajudicial e judicial.

Em uma análise qualitativa das principais teses defendidas pelo MP, este Anuário constatou a existência de dois perfis dentro da instituição: o titular da ação penal tem perfil mais legalista, mais apegado à letra da lei e punitivista. Já o MP Cidadão, aquele que atua em defesa dos direitos difusos, tem tendências mais garantistas.

A ação civil pública, que é anterior à própria Constituição Federal de 1988, é o grande instrumento legal de que o MP dispõe para o exercício da tutela coletiva. Mas foi a partir da edição da nova Carta que o ordenamento jurídico ganhou outros instrumentos específicos nesta área, tais como o Código do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e, mais recentemente, o novo Código Florestal.

Também a legislação penal evoluiu para adotar instrumentos mais robustos para enfrentar a criminalidade, que também evoluiu, como a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei do Colarinho Branco e a mais recente reforma do Código Penal. Não se pode deixar de mencionar a Lei das ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade), que orienta o MP no controle de constitucionalidade, uma das missões que a Constituição lhe delegou.

No caso da tutela coletiva, em que a iniciativa é quase sempre do MP, sua atuação se desenvolve primordialmente no espaço extrajudicial, enquanto a atuação na área criminal tem uma grande parte desempenhada pela polícia e forte participação do Judiciário. A aprovação do acordo de não persecução penal, incluído no Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019, a chamada Lei Anticrime, deu suporte legal a um instrumento que o MP já vinha usando e que aumenta o seu poder de resolutividade na área penal.

O Ministério Público agora pode fazer acordos para não ajuizar ação penal contra quem cometeu crimes sem violência ou grave ameaça com penas de até quatro anos. O criminalista Alberto Toron aplaudiu a novidade. “Amplia uma medida de caráter despenalizador para aqueles casos em que a pena redundaria na aplicação de medida alternativa, mas sem a necessidade do processo penal”, afirmou em entrevista à ConJur.

Como mostram os números do MP Um Retrato, levantamento estatístico anual feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para aferir o desempenho da instituição, em 2019 o Ministério Público brasileiro interveio em 23 milhões de ações judiciais em trâmite no Judiciário, quer como parte, quer como fiscal da lei, em matérias cíveis e criminais.

Da lavra do próprio MP, foram ajuizadas, em 2019, 6,5 milhões de ações. Vale ressaltar que no mesmo ano, nas varas e nos tribunais brasileiros, foram baixados 35,4 milhões de processos, de acordo com dados do Justiça em Números 2020, do Conselho Nacional de Justiça.

Já na seara extrajudicial, o MP brasileiro, em todos os seus ramos e instâncias, instaurou quase três milhões de procedimentos por iniciativa própria, a maior parte deles de natureza cível. A atuação criminal extrajudicial se dá, em sua maior parte, na tramitação de procedimentos originários da autoridade policial, na forma de inquéritos policiais e termos circunstanciados de ocorrência recebidos, que somaram quase nove milhões, em 2019.

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