Ao dizer que o preso reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado só poderá progredir a regime de cumprimento de pena menos gravoso após cumprir 60% da mesma, a Lei de Execução Penal deve ser interpretada de forma a concluir que essa reincidência seja específica.

Emerson Leal
Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem de ofício em dois Habeas Corpus, em decisões que marcam a mudança de jurisprudência do colegiado e a unificação jurisprudencial com o posicionamento da 6ª Turma, que também julga matéria penal.
Como mostrou a ConJur, a necessidade de a reincidência ser especificamente em crime hediondo ou equiparado para a adoção do percentual de 60% da pena cumprida antes da progressão de regime era motivo de divergência entre os colegiados.
Nos dois HCs, o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, propôs uma revisitação do tema a partir de doutrina recente e dos precedentes da 6ª Turma. Os julgamentos foram encerrados nesta quarta-feira (9/12), com voto-vista do ministro Ribeiro Dantas para acompanhar o relator. A mudança de jurisprudência foi sacramentada de forma unânime pela 5ª Turma.
Discussão pós-pacote “anticrime”
A matéria surgiu com a entrada em vigor da Lei 13.964/2019, chamada de pacote “anticrime”, que alterou o regime de progressão de pena.
Até então, a situação era simplificadamente descrita no parágrafo 2º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990): após o cumprimento de 2/5 (40%) da pena, se o apenado for primário; e de de 3/5 (60%), se reincidente.

Emerson Leal
O pacote "anticrime", no entanto, revogou essa norma, e introduziu o regime de progressão para a hipótese de crime hediondo no artigo 112 do Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984). O inciso VII diz que só progredirá após 60% da pena se "for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado".
Até essa quinta-feira, a 5ª Turma tinha precedentes indicando que não importa se a reincidência é específica ou não: se o condenado por crime hediondo não é primário, a progressão se dará somente após 60% da pena cumprida no regime inicial.
Já para a 6ª Turma, se a reincidência não for específica em crime hediondo, então ocorre uma lacuna legislativa que impõe ao intérprete que faça analogia in bonam partem (em favor do réu).
Nesses casos, valeria o inciso VI-a do artigo 112, que prevê progressão após 50% do cumprimento a "condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário". Os votos do ministro Reynaldo acompanhados à unanimidade fazem com que a 5ª Turma agora adira a esse entendimento.
HC 616.267
HC 613.268
Comentários de leitores
3 comentários
Correção
João Antonio Fonseca (Advogado Autônomo - Criminal)
Gostaria apenas de apontar um pequeno equívoco no último parágrafo do seu texto, em que afirma que o STJ aplicou o inciso VI "a", que exige o cumprimento de 50% da pena para progredir de regime.
Na verdade, nos habeas corpus mencionados o STJ decidiu pela aplicação do inciso V, que exige o cumprimento de 40%. Segue trecho dos julgados:
"(...) 7. Agravo regimental provido, concedendo habeas corpus de ofício, para que se opere a transferência do paciente a regime menos rigoroso com a observância, quanto ao requisito objetivo, do cumprimento de 40% da pena privativa de liberdade a que condenado, salvo se cometida falta grave.
Assim, considerando que o paciente, condenado pela prática de tráfico de drogas, é reincidente genérico, impõe-se a aplicação do percentual equivalente ao que é previsto para o primário - 40%.
Diante do exposto, dou provimento ao agravo regimental e concedo habeas corpus de ofício para que a transferência do paciente para regime menos rigoroso observe, quanto ao requisito objetivo, o cumprimento de 40% da pena privativa de liberdade a que condenado, salvo se cometida falta grave.
"Até tu, Brutus !?"
Marco Aurélio Rossett Flôres. (Advogado Sócio de Escritório - Civil)
Como se já não bastasse o STF, agora vem também o STJ aliviar (ainda mais --- e em pleno Governo Bolsonaro) deturpar e torcer o já combalido (pelo Regresso Nacional) Pacote Anticrime: Expressão máxima da vontade popular, que a própria Constituição Federal visa proteger. Não se tem como entender essa "sanha" das autoridades em beneficiar criminosos: Corolário vilipêndio aos Cidadãos Honestos e de Bem deste País. Não se chega à reincidência, no Brasil, através de simples furtos famélicos, nem de roubos de galinha. Para alguém chegar à condição de "reincidente" neste País o "sujeito" já tem que estar diplomado no mundo do crime. E aí, então, ficam perscrutando, em conluio (maioria) todo tipo de argumentos para contrariarem "o Espírito da Lei".
Progressão Legal
Wyldner (Bacharel)
A forma de tempo de pena e a possibilidade de o apenado ter o benefício de progredir (cambiar) a forma do cumprimento gerou inúmeras desavenças tanto em tribunais quanto a parte mais interessada, a sociedade, principalmente aqueles ligados às vítimas, porém, nosso sistema penal já suporta infinitas críticas, tendo o equilíbrio necessário para dirimir questões do tipo.
Não se admite a discriminação quanto ao tempo ainda que se trate de primariedade, Que, em alguns casos e por analogia pende-se as decisões em favor do apenado "analogia um bonam partem", que significa que não existe analogia para prejudicar o apenado.
Bem tomada a decisão quanto a mudança pelo Colegiado pois, a sociedade é mutante e evolui, ou não seria preciso a criação de novas normas legislativas.
Comentários encerrados em 19/12/2020.
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