Consultor Jurídico

Vínculo de emprego x trabalho autônomo

11 de dezembro de 2020, 8h01

Por Pedro Paulo Teixeira Manus

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A questão relativa ao reconhecimento do vínculo de emprego é tema que sempre enseja reflexões e debates no âmbito da comunidade jurídico-trabalhista.

E de outro modo não poderia ser, pois o reconhecimento da condição de empregado a um determinado prestador de serviços significa colocá-lo num patamar de proteção, que, mesmo não sendo ideal, diante dos baixos salários que se praticam entre nós, sem dúvida o distingue do trabalhador autônomo, diante da proteção legal emprestada ao primeiro.

Esse a nosso ver é um dos motivos de se buscar o quanto possível, e às vezes além disso, o enquadramento do prestador de serviços na condição de trabalhador subordinado, a fim de livrá-lo da situação de autônomo, o que, na grande maioria dos casos, agrava sua situação social e financeira, ameaçando seu sustento e o de sua família.

Ao longo do tempo, fomos afastando cada vez mais a situação de segurança social entre o empregado e o trabalhador sem vínculo, relegando este último a uma condição de vida indigna.

Essa preocupação é latente em todos os que lidam com o Direito do Trabalho, que até estimulam decisões judiciais que desafiam entendimentos pacificados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Supremo Tribunal Federal (como no caso do reconhecimento da licitude da terceirização), sempre na tentativa de evitar o abandono social do trabalhador não empregado.

Vejamos um caso concreto a respeito, em que se tenta impedir o reconhecimento da terceirização fundada em permissivo legal:

"PROCESSO Nº TST-RR-81-56.2014.5.17.0002 – 4ª Turma GMALR/CS – AIRR Ac. Reg. Publicado na vigência da Lei nº 13.015/2014 e antes da vigência da Lei nº 13.467/2017. NÃO CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO DE EMPREGO. TESE FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO CONJUNTO DA ADC 48 E DA ADIN 3.961. INCIDÊNCIA DO ART. 102, §2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EFEITO VINCULANTE E EFICÁCIA ERGA OMNES. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. O Tribunal Regional reformou a sentença em que se decidiu pela legalidade do Contrato de Transporte Autônomo de Cargas, para reconhecer o vínculo empregatício entre as partes. Entre outras considerações, fundamentou seu posicionamento na função de motorista exercida pelo reclamante, delimitando ser 'essencial à atividade-fim desenvolvida pela ré'. Demonstrada a violação do artigo 4º, §1º, da Lei 11.442/07 e a contrariedade à tese vinculante firmada pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade. AI que se conhece e a que se dá provimento, para determinar o processamento do RR, observando-se disposto no ATO SEGJUD.GP Nº 202/2019 do TST.  RR  Ac. Reg. Publ. Na vigência da Lei nº 13.015/2014 e antes da vigência da Lei 13.467/2017. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS – TRC. LEI Nº 11.442/2007. CONTRATO COMERCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO DE EMPREGO. TESE FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO CONJUNTO DA ADC 48 E DA ADIN 3.961. INCIDÊNCIA DO ART. 102, §2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EFEITO VINCULANTE E EFICÁCIA ERGA OMNES. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento conjunto da ADC 48 e da Adin 3.961, declarou a constitucionalidade da Lei 11.442/2007. Ressaltou que 'no caso do transporte de carga, a possibilidade de terceirização da atividade-fim é, ademais, inequívoca porque expressamente disciplinada na Lei nº 11.442/2007', e concluiu que 'uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista. Entendimento contrário é justamente o que tem permitido que, na prática, se negue sistematicamente aplicação à norma em exame, esvaziando-lhe o preceito'. Eis a tese fixada: 'A Lei nº 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim. O prazo prescricional estabelecido no artigo 18 da Lei nº 11.442/2007 é válido porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de relação comercial, não incidindo na hipótese o artigo 7º, XXIX, CF. Uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista'. De tal modo, considerando que a Lei nº 11.442/2007 prevê duas modalidades distintas de Transportador Autônomo de Cargas – TAC. O TAC-agregado e o TAC independente, sendo o primeiro, nos termos do artigo 4º, §1º, da referida Lei, aquele que dirige o próprio serviço e pode prestá-lo diretamente ou por meio de preposto seu, com exclusividade e remuneração certa, verifica-se que a hipótese dos autos não se trata de relação empregatícia, mas, sim, de relação comercial, razão pela qual o provimento ao recurso de revista é medida que se impõe. No presente caso, o Tribunal Regional deixou de aplicar norma reconhecida como constitucional pelo STF, a partir da prevalência da relação de emprego em razão da atividade se inserir na atividade da empresa contratante. Com isso, preferiu decisão em desconformidade com o entendimento vinculante do STF. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento".

Como se vê, não obstante a Corte Suprema já tenha deliberado com efeito vinculante e erga omnes sobre a possibilidade da terceirização em todos os seguimentos empresariais, ainda encontramos decisões de juízos inferiores que desafiam a obrigação do cumprimento do mandamento judicial.

Acreditamos, como já referimos, que a motivação dessa postura de alguns, que gera insegurança para os jurisdicionados, repousa na preocupação com o abandono a que são relegados aqueles que trabalham sem vínculo de subordinação. O resultado é onerar o tomador de serviços com encargos indevidos, sob o fundamento do protecionismo devido ao trabalhador.

Não obstante, é preciso refletir sobre a ausência do Estado nesse tema extremamente relevante, pois não há possibilidade de onerar a livre iniciativa com encargos que não lhes dizem respeito.

É necessário que o Estado cumpra seu papel e garanta a todos os trabalhadores, e não só aos empregados, o patamar mínimo civilizatório, assegurando-lhes os direitos sociais do artigo 6º da Constituição Federal, em obediência ao fundamento da dignidade do artigo 1º, III, da norma constitucional.

A garantia das condições contratuais mais favoráveis aos trabalhadores não pode acarretar excesso de encargos às empresas, que necessitam alcançar preços competitivos de seus produtos, a fim de fazer frente à concorrência e manter os postos de trabalho, possibilitando novos contratos de trabalho.