opinião

Transação tributária excepcional, uma solução para poucos

Autores

  • Jussandra Hickmann Andraschko

    é advogada tributarista vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB Seccional do RS membro efetivo e Assessora Jurídica da Fundação Escola Superior de Direito Tributário – FESDT coordenadora do Café Diálogos Tributários promovido pela FESDT e professora convidada do curso de pós graduação em Direito e Processo Tributário na Prática da UNISC/CEISC.

  • Jordana Franzen Reinheimer

    é advogada e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

11 de dezembro de 2020, 14h36

A promessa do Super Refis, com descontos de até 90% nas multas, não se concretizou. O tão aguardado Programa Extraordinário de Regularização Tributária (Pert/Covid-19) para débitos da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ainda é apenas um projeto de autoria do deputado Ricardo Guidi (PL 2.735/2020), que, apesar de ter sido apresentado em maio, somente agora chegou à Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados [1].

Enquanto isso não ocorre, o que se tem hoje para viabilizar a superação da crise econômico-financeira dos devedores inscritos em dívida ativa da União, em função os efeitos da Covid-19, são as propostas de transações criadas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Entre os modelos apresentados, destaca-se a transação excepcional, modalidade editada por meio da Portaria nº 14.402/2020, a qual possibilita ao contribuinte uma significativa redução no percentual de multa e encargos legais, bem como confere um período de retomada de crescimento, com a dilação de prazo para pagamento. Esse é o modelo mais viável e justo para os contribuintes cujo inadimplemento se deu em razão os efeitos da pandemia.

Contudo, o contribuinte que dela busca se socorrer tem encontrado sérias dificuldades para adesão. A primeira delas é que não alcança os débitos no âmbito da Receita Federal, apenas os mantidos pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Vale ressaltar que, se considerarmos que a proposta justamente foi criada para superação do momento de crise e que, até agosto deste ano, a remessa dos créditos do período de pandemia ficou represada na Receita Federal, grande parte dos débitos das empresas ainda estão na Receita Federal e não podem ser objeto da transação.

Caso a empresa opte por incluir os débitos na transação e regularizar sua situação fiscal, em tese, seria possível solicitar a remessa destes créditos à PGFN, em atenção ao prazo estabelecido no artigo 3º da Portaria PGFN nº 33/2018 [2]. No entanto, o referido pedido gera uma nova celeuma.

É que não há como protocolar o requerimento por meio eletrônico através do chat da Receita Federal, tampouco está sendo oportunizado o agendamento presencial de atendimento para tanto. Situação que deixa o contribuinte de mãos atadas, especialmente considerando que o prazo para adesão à transação excepcional se encerra em 29 de dezembro deste ano.

Ainda, grande parte dos débitos que necessitam desta modalidade de transação ou de um novo Refis decorrem justamente da suspensão do pagamento das parcelas dos Perts e dos tributos diferidos, que, graças à determinação de suspensão das exclusões dos parcelamentos especiais e de prorrogação do vencimento dos tributos do segundo trimestre, se acumularam aos vincendos.

Nesse sentido, apesar da retomada do faturamento, para grande parte dos contribuintes não foi possível colocar em dia a totalidade de parcelas inadimplidas dos Perts, dos tributos vencidos em 2020 e mais os vincendos, situação que apenas postergou a incapacidade de regularização fiscal destes contribuintes e acarretou maior onerosidade, esta decorrente da perda dos descontos concedidos nos programas de parcelamento especiais. Daí a necessidade de adesão à transação excepcional e não à extraordinária, outra modalidade de renegociação dos débitos sem concessão de descontos, com mero diferimento da entrada.

Por fim, vale destacar que para fazer jus à transação excepcional é necessário que os créditos tributários estejam classificados como de difícil ou impossível recuperação. Em relação a tal classificação, observa-se que a avaliação do grau de recuperabilidade dos créditos inscritos em dívida ativa da União está relacionado especialmente à queda abrupta do faturamento em comparação ao mesmo período do ano anterior e a receita atual da companhia.

Nesse ponto, desconsideram-se as dificuldades daqueles que, apesar da redução não ter sido tão intensa ou que tiveram uma retomada mais célere, acumularam passivo tributário por adotarem as prorrogações de vencimento e não exclusão dos Perts em razão da recessão e incerteza dos rumos da economia.

Ademais, apesar desse critério avaliar individualmente cada contribuinte, ele desconsidera outras informações que sobremaneira impactam na capacidade financeira da empresa, tais como obrigações trabalhistas, bancárias e de fornecedores já assumidas pelos contribuintes antes mesmo da pandemia. Sabe da existência de recurso quanto a classificação, todavia, nem sempre são acolhidos.

Além disso, equivocado o critério de aferição para classificação de recuperabilidade dos créditos em até cinco anos [3]. Até porque a capacidade de pagamento e de geração de resultado não pode ser aferida apenas com base no comparativo do faturamento de receita bruta de 2019 e 2020, sem considerar o tamanho do passivo fiscal, a perda dos descontos que possuía e as demais obrigações da companhia.

Nesse cenário, na prática, o único remédio vigente para mitigar os danos das exclusões dos parcelamentos especiais decorrentes da crise da pandemia, especialmente a perda das reduções obtidas nos Perts, tem se mostrado privilégio de poucos.

 


[2] "Artigo 3º — Dentro de 90 dias da data em que se tornarem exigíveis, os débitos de natureza tributária ou não tributária devem ser encaminhados pela RFB e demais órgãos de origem à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), para fins de controle de legalidade e inscrição em dívida ativa da União, nos termos do artigo 39, § 1º, da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1946, e do artigo 22 do Decreto-Lei nº 147, de 3 de fevereiro de 1967". 

[3] "Artigo 3º — Para os fins do disposto nesta portaria, o grau de recuperabilidade dos créditos inscritos em dívida ativa da União será mensurado a partir da verificação da situação econômica e da capacidade de pagamento dos devedores inscritos.§ 2º. A capacidade de pagamento decorre da situação econômica e será calculada de forma a estimar se o sujeito passivo possui condições de efetuar o pagamento integral dos débitos inscritos em dívida ativa da União, no prazo de cinco anos, sem descontos, considerando o impacto da pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19) na capacidade de geração de resultados da pessoa jurídica ou no comprometimento da renda das pessoas físicas".

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