Opinião

SP: Ilegalidades na exclusão do regime especial das sociedades uniprofissionais

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11 de dezembro de 2020, 13h11

Em práticas recentes, o Fisco municipal de São Paulo vem excluindo diversas sociedades uniprofissionais do regime especial de tributação (SUP), sem se ater aos critérios jurídicos legais que envolve a questão.

Para apurar o Imposto sobre Serviço (ISS) no regime especial da SUP, é necessário que a sociedade seja formada por sócios habilitados no exercício da mesma profissão (inscritos no mesmo órgão fiscalizador da profissão) e que prestem serviços de forma pessoal, responsabilizando-se pelos seus atos de forma ilimitada, com ausência de caráter empresarial, nos termos da Lei nº 13.701/2003, alterada pela Lei nº 15.406/2011.

Nesse regime, a sociedade uniprofissional recolhe o ISS com base no número de profissionais, sendo apurado a cada trimestre.

Ocorre que, desde 2015, as sociedades enquadradas nesse regime são obrigadas a apresentar a declaração das sociedades uniprofissionais (D-SUP). Tal declaração é feita eletronicamente, através de um formulário em que são apresentadas perguntas para verificar se todas as condições para manutenção do regime especial são atendidas.

Por se caracterizarem como Ltda., a municipalidade entendeu que muitas sociedades possuíam caráter empresarial e que seus sócios responderiam de forma limitada o que ensejou inúmeros atos administrativos de desenquadramento das sociedades no regime da SUP.

Como se não bastasse o desenquadramento do regime, muitas vezes de forma infundada e com uma sucessão de ilegalidades no ato administrativo, o contribuinte também é autuado de forma retroativa, sendo lavrados diversos autos de infração, objetivando a cobrança do ISS devido à alíquota de 5% referente aos últimos cinco anos, acrescido de juros e correção monetária.

Contudo, a retroatividade dos efeitos se mostra exponencialmente ilegal, dada a imodificabilidade do ato administrativo, bem como do ato jurídico perfeito.

Em outras palavras, o Fisco municipal pode entender que o contribuinte não preenche mais os requisitos necessários para o recolhimento do ISS pelo regime especial de tributação (exemplo caráter empresarial), mas atribuir o dever de recolher sobre outra sistemática, com multa de 50% e mais juros, e, ainda, de forma retroativa, reflete medida ilegal, de caráter confiscatório e abusivo.

Isso porque, não obstante a opção pelo regime tributário seja feita pelo contribuinte, as informações prestadas são amparadas por documentação previamente analisada pela municipalidade, que poderá indeferir ou validar o pleito do contribuinte.

Nesse sentido, uma vez concedida a opção pelo recolhimento dentro da sistemática da SUP, o Fisco municipal pode, perfeitamente, entender que o enquadramento não está mais adequado e, portanto, revogar a concessão através do ato administrativo de desenquadramento, masa exigência do imposto não pode atingir fatos geradores pretéritos ao ato administrativo, pois tal medida viola frontalmente o disposto no artigo 146 do Código Tributário Nacional (CTN). In verbis:

"Artigo 146  A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução".

Tal dispositivo reforça o princípio da imodificabilidade do lançamento após regular notificação do sujeito passivo. Em outras palavras, qualquer alteração, introduzida de ofício ou em decorrência de decisão judicial, nos critérios adotados pela autoridade administrativa, somente poderá ser efetivada, relativamente ao mesmo contribuinte, quanto ao fato gerador ocorrido posteriormente à introdução do novo critério jurídico.

Portanto, jamais poderia o Fisco municipal se olvidar da observação desses parâmetros objetivos, tal qual a imodificabilidade do lançamento tributário, porquanto referida conduta tangencia os próprios pressupostos corroborados no CTN.

Sobre o tema e a impossibilidade de retroatividade dos efeitos, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) vem se posicionando a favor dos contribuintes, afastando os efeitos retroativos ao ato administrativo de desenquadramento do regime especial de tributação:  

"APELAÇÃO – AÇÃO ANULÁTÓRIA – Demanda visando à anulação dos autos de infração lavrados em decorrência do desenquadramento retroativo da autora do regime de recolhimento do ISS previsto no art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei nº 406/68 e no artigo 1º da Lei Municipal nº 13.701– Cabimento – Novo critério utilizado pela ré no processo de fiscalização, que gerou o desenquadramento da empresa, que não pode retroagir para atingir situações jurídicas consolidadas à luz de critérios anteriores, conforme dispõe o art. 146 do CTN – Violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e da boa-fé – Manutenção da r. sentença que se impõe – Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1000204-72.2017.8.26.0053; Relator (a): Wanderley José Federighi; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 10ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 12/03/2020; Data de Registro: 02/04/2020)".

"MANDADO DE SEGURANÇA – ISS – Município de São Paulo – Desenquadramento de ofício da sociedade do regime especial de recolhimento de ISSQN – Pedido para que o ato administrativo não tenha efeitos retroativos com a consequente anulação dos autos de infração emitidos pela municipalidade – Efeitos retroativos que devem ser afastados – Municipalidade tinha ciência do fato de que a sociedade contribuinte era simples limitada – Violação ao disposto no artigo 149, VIII do CTN – Sentença reformada – Impossibilidade de se conferir efeitos retroativos ao ato de desenquadramento – Violação, ademais, aos princípios da boa-fé e da confiança – Apelo provido.
(TJSP; Apelação Cível 1055561-66.2019.8.26.0053; Relator (a): Silva Russo; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 15ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 03/09/2020; Data de Registro: 03/09/2020)".

Vejam que esse posicionamento também foi adotado no âmbito da Administração Pública, conforme se verifica no trecho do acórdão proferido pelo Conselho Municipal de Tributos (CMT), quando do julgamento do Processo Administrativo nº 2014.0.083.340-6:

"O disposto no art. 146 do Código Tributário Nacional não autoriza a revisão de entendimento sobre situação de conhecimento do Fisco a fatos pretéritos, a qual só passou a atribuir relevância jurídica em momento posterior a utilização reiterada do regime tributário.
O que permite a revisão para fatos anteriores é apenas a desconsideração jurídica do fato que não era do conhecimento da autoridade administrativa tributária, o que aqui não se aplica.
Em respeito ao princípio da segurança jurídica e ao que determina o art. 146 do CTN, o ato administrativo de desenquadramento de SUP só pode produzir efeitos futuros"
(grifos das autoras).

Desse modo, resta claro que não pode o Fisco, em momento ulterior, aplicar um novo entendimento a um fato conhecido (pretérito), uma vez que não se estará diante de fato novo, mas, sim, de alteração de critério jurídico, prática expressamente vedada pelo artigo 146 do CTN.

Enquanto perdurar essa ilegalidade, compete ao contribuinte lesado buscar o seu direito através de impugnação na esfera administrativa ou pela via do Judiciário.

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