Direto do Carf

Carf analisa critérios de rateio de despesas incorridas por entidades vinculadas

Autores

  • Fernando Brasil de Oliveira Pinto

    é conselheiro da 1ª Turma Câmara Superior de Recursos Fiscais auditor fiscal da Receita Federal e professor em cursos de especialização na Unisinos Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUC-RS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela USP (Universidade de São Paulo).

  • Flávio Machado Vilhena Dias

    é conselheiro titular do Carf na 2ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e professor de Direito Tributário no Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) e no Cedin.

9 de dezembro de 2020, 8h00

Na coluna de hoje, apresentaremos, mesmo que de forma breve, como o Carf tem tratado e valorado as provas apresentadas pelos contribuintes para justificar o rateio de despesas, em geral, entre empresas de um mesmo grupo econômico.

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Legenda

Via de regra, o rateio levado a efeito por conglomerados empresariais é motivado pela busca por uma melhor eficiência e controle de gastos das entidades,  as quais, por meio desses rateios, podem reduzir e/ou otimizar os seus custos, principalmente aqueles relacionados às atividades administrativas das respectivas sociedades.

Para tanto, uma das empresas de determinado grupo econômico é eleita para que fique responsável por realizar determinados serviços necessários ao exercício da sua atividade e das demais empresas vinculadas, pactuando-se que aquela empresa centralizadora será reembolsada dos dispêndios com esses serviços, de acordo com determinada proporção, individualizada, de utilização desses serviços pelas partes envolvidas.

Assim, incorrendo em despesas necessárias, normais e usuais ao desenvolvimento do seu objeto social[2], a entidade pode apropriar (deduzir) esta despesa na apuração do IRPJ e da CSLL. Ocorre que a fiscalização, muitas vezes, não identifica documentos e elementos suficientes que justifiquem e autorizem o rateio e, por consequência, o aproveitamento da despesa incorrida.

De pronto, não se pode deixar de mencionar que, em regra, é da Fazenda Pública o ônus de comprovar irregularidade quando da formalização da exigência mediante lavratura de auto de infração. Tratando-se de exigência baseada em glosa de despesas, quando instado pelo Fisco, cabe ao contribuinte a comprovação da existência da despesa, incumbindo-se à fiscalização a comprovação de eventuais irregularidades ou a impossibilidade de as entidades deduzirem da base de cálculo do IRPJ e da CSLL eventuais despesas, inclusive as objeto de rateio.

Contudo, o que se percebe das discussões que chegam ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é que os contribuintes vêm enfrentando sérias dificuldades em comprovar a regularidade das despesas objeto de rateio. No curso do procedimento de fiscalização, quando instados a comprovar, com documentação hábil e idônea, os requisitos e parâmetros definidos para o rateamento das despesas contabilizadas, sob a ótica do Carf, os contribuintes não têm conseguido apresentar elementos e documentos suficientes para justificar o rateio realizado entre as empresas interessadas.

Neste sentido, em julgamento realizado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) por meio do Acórdão nº 9101-003.003[3], firmou-se o entendimento de que os laudos apresentados para justificar e demonstrar o rateio das despesas entre as entidades seriam extemporâneos, na medida em que "foram elaborados em meados de 2006, muito depois dos fatos e já depois da lavratura dos autos de infração em apreço, o que diminui seu valor de prova em razão terem sido confeccionados para contrapor a um lançamento, quando, como dito, o correto seria o sujeito passivo ter toda a documentação e planilhas de cálculo prévias e necessárias à sua contabilização". Desse modo, o colegiado concordou com o Fisco no sentido de que os documentos apresentados pelo contribuinte não seriam hábeis para demonstrar o método de rateio adotado, e, consequentemente, acabou por validar o método de rateio indireto aplicado pela autoridade fiscal no lançamento.

No mesmo sentido, no Acórdão nº 9101-001.878[4], não se admitiu, como prova dos critérios do rateio realizado pelo contribuinte, laudo produzido por auditoria independente, sob o entendimento de que o documento, apresentado já no curso do processo administrativo, não teria o condão de suprir as omissões praticadas "no que se refere à regularidade dos valores lançados na contabilidade e a efetividade dos custos".

Interessante, neste julgado, é que o relator restou vencido, por maioria de votos, mesmo deixando claro, nas suas razões de decidir, que "os documentos trazidos, cuja anexação aos autos foi determinada, demonstram que os valores foram rateados tendo em vista a efetiva utilização dos serviços e à necessidade das empresas, não podendo prevalecer a glosa".

Nesse precedente da CSRF, percebe-se que, em que pese o contribuinte não ter apresentado o laudo que justificaria o rateio de despesas no curso do procedimento de fiscalização, aceitou-se a apresentação “extemporânea”, mas, na valoração da prova apresentada, prevaleceu o entendimento pela não comprovação dos critérios do rateio realizado[5].

Outro aspecto que aflora no âmbito das discussões travadas no Carf sobre o tema diz respeito aos requisitos fixados nos contratos apresentados pelas entidades para justificar o rateio das despesas incorridas e apropriadas no cálculo do IRPJ e da CSLL.

Com efeito, o que se extrai de diversos precedentes do Carf é que o ponto fulcral desses litígios repousa no exame da razoabilidade dos critérios de rateio adotados, com justificativas operacionais e econômicas plausíveis[6] e, principalmente, quais foram as provas apresentadas pelo contribuinte.

Nesse sentido, convém ressaltar o decidido no Acórdão nº 1401-001.607[7]. No lançamento discutido nos autos, o contribuinte sob procedimento fiscal havia contabilizado integralmente despesas cujos beneficiários eram diversas empresas do mesmo grupo econômico. Ainda na fase de fiscalização, mesmo intimado o contribuinte não apresentou documentos ou qualquer explicação para ter deduzido a totalidade das despesas referentes aos serviços que beneficiaram diversas sociedades do conglomerado. À guisa de outros elementos, a autoridade fiscal considerou dedutível somente parte dessas despesas, tomando como base a divisão das despesas em partes iguais entre os tomadores dos serviços contratados.

O contribuinte apresentou, em sede de impugnação, contrato que supostamente teria pactuado os termos do rateio. Contudo, a documentação apresentada foi criticada pelo ilustre conselheiro relator do acordão, uma vez que não se poderia falar "em faturamento como critério de rateio", ainda mais que nem todas as empresas beneficiárias dos serviços em questão tiveram suas receitas computadas para fins de rateio, e, consequentemente, segundo esse contrato, não teriam direito a dedução de quaisquer parcelas das despesas em questão.

Assim sendo, nesse precedente entendeu-se que se poderia "aceitar o rateio de custos desde que fosse criteriosamente definido de forma a que o Fisco pudesse averiguar a sua consistência lógica e contábil".

Assim, entendeu-se que o percentual de rateio definido não teria razoabilidade ou qualquer fundamento para validar a dedução das despesas na proporção pactuada. Além disso, o contribuinte, embora tenha argumentado que as outras empresas teriam lhe ressarcido as despesas correspondentes, não trouxe aos autos comprovação desse fato[8]. Nesse cenário, concluiu-se que o critério de rateio utilizado pela autoridade fiscal estaria correto.

Este mesmo entendimento também pode ser observado no Acórdão nº 1302-003.219[9], em que, quando da análise do contrato de rateio apresentado pelo contribuinte, entendeu-se que a pactuação não seria suficiente para comprovar a efetividade do compartilhamento de despesas entre as entidades envolvidas, em especial porque não se poderia aceitar como prova do rateio que este fosse realizado levando-se em conta "a proporção da receita de cada uma das empresas".

Em outro julgado — Acórdão nº 1401-002.293[10] — também houve a demonstração de que o contrato de rateio apresentado pelo contribuinte não poderia embasar a dedução das despesas incorridas, tendo em vista que não se poderia estabelecer "controles mínimos que garantam a possibilidade  de  se  aferir  o  total  efetivamente  dispendido pelas empresas contratantes do compartilhamento e o seu critério de rateio a cada uma das empresas envolvidas no contrato". No caso analisado pelo Carf, mais uma vez, o contrato apresentado trazia como critério de rateio "a repartição dos custos em razão do faturamento de cada empresa do grupo" e não foi acatada também pelo colegiado.

Nesta breve análise, pode-se concluir que os julgados proferidos pelo Carf têm fixado o entendimento de que não basta a simples alegação de que as despesas foram rateadas, cabendo ao contribuinte demonstrar – com documentação hábil e idônea — a pactuação prévia do rateio e com critérios objetivos, não se admitindo, por exemplo, que o faturamento ou receita das entidades envolvidas sejam suficientes para mensurar a utilização individual dos serviços entre as empresas interessadas.

Salienta-se ainda que, mesmo admitindo-se a juntada eventual de provas no curso do processo, a CSRF já proferiu julgados refutando a comprovação do rateio por meio de laudos elaborados por empresas de auditorias independentes que, além de supostamente não comprovarem de forma fidedigna a respectiva contabilização das despesas incorridas, foram preparados após a lavratura dos autos de infração.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas sim uma análise dos seus precedentes publicados no sítio virtual do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

[2] O Parecer Normativo CST nº 32/1981 prevê que “o gasto é necessário quando essencial a qualquer transação ou operação exigida pela exploração das atividades, principais ou acessórias, que estejam vinculadas com as fontes produtoras de rendimentos.

[3] Conselheira Relatora Adriana Gomes Rêgo, julgado na sessão de 08/08/2017.

[4] Redator ad hoc Conselheiro Marcos Vinícius Barros Ottoni, Redator Designado ad hoc  Conselheiro Leonardo de Andrade Couto, julgado na sessão de 18/03/2014.

[5] Nesse mesmo sentido, vide Acórdão nº 9101-004.300, Conselheira Relatora Viviane Vidal Wagner, julgado em 06/08/2019.

[6] A Solução de Divergência COSIT nº 23, de 14 de outubro de 2013 traz balizamentos para se admitir que as despesas sejam rateadas pelas entidades coligadas e/ou pertencentes a um mesmo grupo econômico.

[7] Conselheiro Relator Antonio Bezerra Neto, julgado em 03/05/2016.

[8] Ainda que houvesse essa prova, entendemos que, para permitir a dedução integral das despesas, o contribuinte também deveria comprovar que somente a parcela líquida de suas próprias despesas teriam sido deduzidas na apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.

[9] Conselheiro Relator Flávio Machado Vilhena Dias, julgado em 20/11/2018.

[10][10] Conselheiro Relator Abel Nunes de Oliveira Neto, julgado em 13/03/2018.

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    é conselheiro presidente da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf, auditor fiscal da Receita Federal, instrutor da Escola de Administração Fazendária (Esaf) e professor em cursos de especialização na Unisinos, Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUCRS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo.

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    é conselheiro titular do Carf na 2ª Turma, da 3ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e professor de Direito Tributário no Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) e no Cedin.

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