retrospectiva 2020

Eleições 2020: um aprendizado pandêmico

Autores

  • Flávio Henrique Costa Pereira

    é sócio coordenador do departamento de Direito Político e Eleitoral do escritório BNZ Advogados especialista em Direito Eleitoral e um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

  • Tony Chalita

    é sócio responsável pelo departamento de Direito Político e Eleitoral do escritório BNZ Advogados mestre em Direito do Estado e especialista em Direito Eleitoral.

8 de dezembro de 2020, 10h04

A vida de cada um de nós foi marcada de forma profunda pela pandemia da Covid-19. Essa frase, por óbvio e por tantas vezes repetida, poderia ser evitada neste texto. Porém, quando olhamos para o Direito Eleitoral em retrospectiva, impossível não reparar os efeitos dessa gravíssima crise de saúde pública para o processo eleitoral brasileiro. Logo, o jargão comum se impõe.

De fato, todo brasileiro, de alguma forma, ao exercer sua cidadania no sufrágio, teve a construção de sua decisão impactada por esta nova realidade.

As primeiras impressões de analistas após os resultados das urnas, que, por ainda serem recentes, merecem maiores aprofundamentos, é de que os administradores que bem cuidaram de suas populações na atenção à saúde mereceram ser reeleitos [1].

A abstenção, com crescimento de 5% em relação à última eleição [2], demonstra que a pandemia também impactou fortemente o comparecimento do eleitor às urnas. Nesse particular, na matéria indexada a este parágrafo, é relevante a demonstração de que o crescimento da abstenção, de uma eleição para outra, mais do que dobrou em relação ao período de maior absenteísmo do eleitor.

Quando comparamos este pleito com as eleições de 2018, duas questões saltam aos olhos.

A primeira, a redução da força da desinformação na decisão do eleitor. Após o aprendizado anterior, o cidadão brasileiro demonstrou profundo amadurecimento no debate eleitoral, de modo que as notícias fabricadas, mentirosas, tiveram importância menor nas eleições municipais de 2020 [3].

A segunda, após a intensa polarização entre os extremos políticos, a decisão do brasileiro de convergir para o centro do espectro político, o que revela uma grande oportunidade de revigoramento da política nacional. Os detentores do poder, de nível federal, estadual e municipal, precisam entender o recado das urnas e trabalhar para alcançar convergências que permitam entregar à sociedade brasileira os interesses que reclamam do Estado. É não só uma oportunidade, mas principalmente um dever dos nossos mandatários de abraçar esse momento e devolver ao brasileiro a confiança em nossas instituições.

Mas a tônica das discussões jurídicas em 2020 sobre o processo eleitoral foi o debate acerca do adiamento das eleições, em razão da pandemia, cujo pico de contágios apontava para o período de campanha eleitoral e do próprio dia do sufrágio.

Naquele momento, não foram poucos os que levantaram suas vozes para pedir a prorrogação de mandatos municipais, pelo Congresso Nacional, sob o argumento de que as questões de saúde impunham evitar as aglomerações típicas do processo eleitoral.

As discussões sobre o tema foram relevantes. De um lado, aqueles que sopesavam os princípios constitucionais da vida e o republicano. Aqueles, defendendo a necessidade de se fazer prevalecer o direito à vida e à saúde. Estes, a defesa da democracia brasileira, cuja existência tem na temporalidade do mandato, outorgado diretamente do povo, um de seus pilares de sustentação. Ainda, para os defensores dessa tese, os riscos atuais de se criar um precedente institucional de prorrogação de mandatos, para o próximo pleito, não poderiam ser desprezados.

Nessa direção, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional souberam enfrentar o assunto com a responsabilidade devida, encontrando um bom caminho para o processo eleitoral de 2020. Com a Emenda Constitucional 107, de 2020, as eleições foram prorrogadas e puderam se realizar em um momento de menor pico do contágio de Covid-19.

Preservou-se, com isso, a democracia brasileira, pois a cláusula constitucional de que todo poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos por voto direito e periódico (artigo 1º, parágrafo único e artigo 29, I — ambos da CF), restou imaculada, ao mesmo tempo em que vidas foram salvas com o início do processo eleitoral já em momento de redução do contágio, fruto do isolamento social imposto pelo Estado.

Aliás, a grandeza do debate está, justamente, na capacidade das instituições envolvidas de ouvir especialistas e, por meio de um consenso técnico, adotar uma solução que equilibra os direitos fundamentais em conflito. O direito e as decisões políticas caminharam pari passu com a vida, com a saúde e com a democracia. Mas também com a ciência e a realidade social do momento.

Que essa eleição pandêmica, em diversos sentidos, possa servir de inspiração para os atuais mandatários eleitos, de modo a impactá-los a tomar decisões voltadas ao bem maior de nossa sociedade, e não os menores interesses políticos.

Autores

  • Brave

    é especialista em Direito Eleitoral e sócio coordenador do Departamento de Direito Político Eleitoral do escritório BNZ Advogados.

  • Brave

    é advogado, sócio-coordenador do departamento de Direito Político e Eleitoral do Braga Nascimento e Zilio Advogados, especialista em Direito Eleitoral e mestrando em Direito Constitucional pela PUC-SP.

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