opinião

Procuradoria-Geral do Estado de SP disciplina a transação terminativa de litígios

Autor

  • Carlos Henrique Machado

    é doutor e mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina especialista em Direito Tributário pelo Ibet professor de Direito Tributário na Faculdade Cesusc sócio e coordenador do Núcleo de Educação Corporativa no escritório Marchiori Sachet Barro e Dias Advogados.

8 de dezembro de 2020, 21h43

Na última semana foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo a Resolução nº PGE-27, de 19/11, que disciplina a transação terminativa de litígios relacionados à dívida ativa inscrita, alinhada com a Lei Estadual nº 17.293, de 15/10, que estabelece medidas voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas.

A iniciativa normativa encampa recomendações proferidas pelos Tribunais de Contas da União e do Estado de São Paulo, reafirmando os esforços institucionais para a contenção da excessiva judicialização na área tributário-fiscal.

No final do ano de 2019, com a edição da Medida Provisória nº 899, de 16-10-2019, batizada "MP do Contribuinte Legal", posteriormente convertida na Lei nº 13.988, de 14-04-2020, a transação tributária resultou finalmente disciplinada no ordenamento jurídico brasileiro, corporificando o comando legal previsto no artigo 156, III c/c o artigo 171 do Código Tributário Nacional, que faculta aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária, nos termos da legislação, celebrarem transação que importe na terminação de litígios e na extinção de créditos tributários, mediante concessões recíprocas.

Mas não é de hoje que as técnicas de consensualidade e os mecanismos alternativos de resolução de conflitos vêm contaminando o pensamento jurídico no âmbito no Direito brasileiro, notadamente o Direito Tributário.

Desde 2010, com o advento da Resolução nº 125, de 29/11/2010, do Conselho Nacional de Justiça, novos rumos passaram a orientar a política judiciária nacional relativamente ao tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, objetivando, dentro outros propósitos, consolidar uma cultura permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios. Posteriormente, a Resolução CNJ nº 261, de 11/9/2018, instituiu o sistema de solução digital da dívida ativa, com vistas à boa qualidade dos serviços e à disseminação da cultura de pacificação social.

Nessa perspectiva, o Código de Processo Civil explicitamente acenou, em 2015, com a promoção pelo Estado, sempre que possível, da resolução consensual de conflitos. Em ação contígua, o Parlamento brasileiro disciplinou a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública, conforme disposto na Lei nº 13.140, de 26/6/2015, e a arbitragem para dirimir os conflitos relativos aos direitos patrimoniais disponíveis de administração pública direta e indireta, nos termos da Lei nº 13.129, de 26/5/2015.

Todo esse aparato normativo indutor de uma cultura menos beligerante impulsionou instrumentos inovadores de negociação entre o Fisco e os contribuintes, como a possibilidade de celebração de negócio jurídico processual para o equacionamento de débitos inscritos, nos termos da Portaria PGFN nº 742, de 21/12/2018, além do pedido de revisão de dívida inscrita (PRDI), que possibilita a reanálise, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, dos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade de débitos inscritos em dívida ativa, em consonância com a Portaria PGFN nº 33, de 8/2/2018.

A Resolução nº PGE-27 vem a consolidar, no Estado de São Paulo, essa trajetória que fomenta o diálogo nas fronteiras do Direito Tributário, promovendo a racionalização dos mecanismos para a consecução dos fins institucionais do órgão de representação jurídica do governo paulista, relacionados à excessiva judicialização na área tributário-fiscal.

A transação tributária estadualizada contempla no seu objeto obrigações de natureza tributária ou não tributária, aplicando-se à dívida ativa inscrita, inclusive de autarquias e fundações, além de execuções fiscais e ações antiexacionais, principais ou incidentais. As transigências permitidas destinam-se a pessoas físicas e jurídicas, incluindo empresas inaptas, em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial ou extrajudicial e, ainda, empresas sob intervenção.

Basicamente, duas são as modalidades de transação: "por adesão" (eletrônica), a teor de edital proposto pela Procuradoria-Geral do Estado, com vistas à extinção de cobrança da dívida ativa, sendo via obrigatória para transações com valores até R$ 10 milhões; e "por proposta individual", nos casos de cobrança da dívida ativa, mediante iniciativa do devedor ou da Procuradoria-Geral do Estado, bem como em casos de ação judicial envolvendo débitos inscritos, por proposta do autor. Curioso notar que a Resolução nº PGE-27/2020 inova quanto à possibilidade de efetivação da transação por proposta da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, na contramão de previsão consubstanciada na Lei Estadual nº 17.293, de 15/10/2020.

Em qualquer das modalidades regulamentadas (por adesão ou proposta individual), a transação poderá incluir, de maneira isolada ou cumulativamente, descontos de juros e multas, parcelamento das dívidas, diferimento do pagamento ou moratória, além de substituição ou alienação de bens dados em garantia de execução fiscal, sendo que os critérios de desconto são fixados em uma razão inversamente proporcional ao grau de recuperabilidade das dívidas cobradas.

A transação tributária não enseja a suspensão automática de processos, ressalvada a suspensão condicional nos termos do artigo 313, inciso II, do CPC, desde que prevista no respectivo processo administrativo ou no edital publicado. A esse respeito, interessante observar que a Lei Estadual nº 17.293, de 15/10/2020, não trata da suspensão da exigibilidade do crédito tributário como uma regra geral, malgrado estabeleça que a suspensão poderá ser convencionada e que surtirá efeitos diante de transigências como moratória ou parcelamento, em observância ao artigo 151 do Código Tributário Nacional.

Em suma, a transação tributária paulista é mais uma importante alternativa colocada à disposição dos contribuintes que pretendam solver os seus débitos perante o Estado de São Paulo, de modo a recolocá-los, consensualmente, nos trilhos da regularidade. 

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