Passa boiada

Votação no STF pode abrir as portas para a reeleição nos tribunais do Brasil

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6 de dezembro de 2020, 15h52

Caso o Supremo Tribunal Federal permita a recondução dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal é praticamente certo que a regra, por analogia, se estenda para o Judiciário. Na apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.524, os ministros estão decidindo se Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre podem concorrer a mais um mandato em seus cargos.

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O TJ-SP pode ser um dos tribunais afetados pela decisão do Supremo Tribunal Federal

A ADI foi proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que alega que o regimento interno da Câmara não considera recondução a eleição para o mesmo cargo em legislaturas diferentes, ainda que sucessivas. Cada legislatura tem quatro anos. O partido pede que o Supremo dê interpretação conforme a Constituição ao artigo 5º, parágrafo 1º, do regimento da Câmara e ao artigo 59 do regimento do Senado, a fim de estabelecer que a vedação constitucional à reeleição ou recondução às mesas das duas casas se aplica às eleições que ocorram na mesma legislatura ou em legislaturas diferentes.

Até o momento, quatro ministros — Gilmar Mendes, que é o relator, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes — votaram a favor da possibilidade de reeleição dos atuais ocupantes dos cargos. Rosa Weber, Marco Aurélio e Cármen Lúcia votaram contra, enquanto Kassio Marques Nunes se posicionou a favor da reeleição para Alcolumbre e contra para Maia. Ainda faltam votar Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin.

Porteira em que passa um boi…
O artigo 102 da Lei Orgânica da Magistratura afirma que os presidentes de tribunais devem cumprir mandato de dois anos, sem direito a reeleição. O resultado da votação da ADI 6.524, porém, pode aumentar um pouco a politização do Judiciário.

Felipe Lampe/Iasp
O deputado Rodrigo Maia pode ser um dos beneficiados pela votação no Supremo
Felipe Lampe/Iasp

Na opinião do ministro Marco Aurélio, do Supremo, que já votou pela letra da Constituição,  o resultado do julgamento deverá se estender, por analogia, ao Judiciário, caso prevaleça a tese defendida pelo relator Gilmar Mendes.

"A prevalecer a visão da maioria até aqui, com maior 'razão', há de cair a proibição de reeleger-se presidente de tribunal. A razão é simples: se não vale a proibição quanto à Câmara dos Deputados e ao Senado da República constante da Constituição Federal, muito menos a relativa aos tribunais constante da Loman. Faltam três votos. Será que alguém votará, indiretamente, em causa própria?".

Lenio Streck vai pelo mesmo caminho. Para o jurista gaúcho, a tese da "porta aberta às reeleições no Judiciário" será perfeitamente aplicável caso o Supremo libere a recondução no Congresso — ideia que não lhe agrada nem um pouco, diga-se de passagem.

"Consequências? A não ser no Congresso, em que passaríamos a ter reconduções para o mesmo cargo das mesas, no resto se trata de uma questão que não consta na Constituição. No Judiciário, por exemplo, se isso for assim estabelecido não há obstáculo", afirmou Lenio. "Só existe vedação na CF para membros das mesas do Senado e da Câmara. Bom, como estamos vendo, nem a previsão constitucional segura alguma coisa."

História recente
A decisão que se desenha agora no Supremo, no caso do Legislativo, supera não só o entendimento que vigora no tribunal, como decisão recente que examinou o mesmo paradigma — mas dessa vez em relação ao Judiciário. Em acórdão do dia 25 junho deste ano, o STF foi claro ao vetar a reeleição em uma corte estadual. Ao analisar um mandado de segurança que tratava do pleito no Tribunal de Justiça de São Paulo, a corte denegou a recondução para o mesmo cargo de dirigente, com base no artigo 102 da Loman.

"Continua aplicável o artigo 102 da Loman, em especial no que se refere à vedação de reeleição e à proibição de um mesmo desembargador ocupar cargos de direção por mais de quatro anos", escreveu o ministro Edson Fachin, relator do mandado de segurança (clique aqui para ler o acórdão na íntegra).

O advogado Felipe Locke Cavalcanti, ex-membro do Conselho Nacional de Justiça, lembra também que em 2016 o STJ anulou a reeleição do desembargador Luiz Zveiter no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Porém, segundo ele, tudo pode mudar se o resultado da ADI em votação for favorável à reeleição.

"O Supremo está dando, até o momento, leitura diferente ao dispositivo da Constituição que literalmente veda a reeleição na Câmara e no Senado na mesma legislatura. E, se essa leitura também for feita no tocante aos tribunais, em tese é possível uma mudança de entendimento a respeito desse tema", disse ele. "Caso prospere esse novo entendimento do STF na Câmara e no Senado, vai se abrir margem para discussão".

A mesma visão tem a advogada Vera Chemim, embora ela faça a ressalva de que o Judiciário tem funcionamento próprio, bem diferente das casas legislativas.

"Na hipótese de que se concretize a possibilidade de reeleição nas duas casas, surgiria a possibilidade de os presidentes dos tribunais superiores seguirem a mesma trilha, até por uma questão de igualdade institucional. Mas o Judiciário é um poder técnico e apolítico, o que por si só não acena necessariamente para uma conduta dessa natureza, a menos que se modifique a legislação que disciplina a magistratura nacional", argumentou ela.

Outro advogado, o criminalista Alberto Zacharias Toron, pensa de maneira muito semelhante. "Automaticamente, não (será levada a reeleição aos tribunais), mas iniludivelmente, no caso das casas legislativas, a se confirmarem os votos iniciais dos ministros, estão rasgando a Constituição".

Tendências
Nos próximos dias, será encerrado o suspense. Barroso, Fux e Fachin darão os votos que vão decidir o futuro político de Maia e Alcolumbre — e poderão ter reflexos profundos no Judiciário brasileiro.

Segundo fontes ouvidas pela ConJur que conhecem profundamente a alma do Supremo, o resultado do julgamento da ADI 6.524 é absolutamente imprevisível. Há no ar, no entanto, uma tendência de que os três ministros que faltam votar se posicionem contra o relator, o que daria um placar de 6 a 5 em desfavor da reeleição sem restrições nas duas casas legislativas. Mas há outra via a não ser descartada, pois há chances reais de o voto de Kassio Marques Nunes (contra Maia e pró-Alcolumbre) acabar prevalecendo.

Enquanto isso, desembargadores de norte a sul do país aguardam.

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