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Possibilidade de Trump 'perdoar' a si mesmo gera debate entre juristas nos EUA

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6 de dezembro de 2020, 15h59

A menos de 50 dias de deixar a Casa Branca, o presidente Donald Trump vem considerando a concessão de perdão presidencial a seus filhos Donald Jr., Eric e Ivanka Trump, a seu genro, Jared Kushner, a seu advogado particular, Rudy Giuliani, e a outras pessoas ligadas a ele. E perdão presidencial preventivo a ele mesmo.

Gage Skidmore
Há uma diferença entre perdão presidencial e perdão presidencial preventivo. O perdão presidencial é concedido a quem já é investigado, já foi denunciado ou condenado por um ou mais delitos. O perdão preventivo é concedido a quem ainda não foi investigado, denunciado ou condenado, mas que pode objeto de acusações no futuro porque há "assuntos pendentes".

A força do poder de perdão (ou de clemência) presidencial não é discutível. Ele poderá beneficiar seus três filhos mais velhos (o filho mais novo e outra filha não são suspeitos de qualquer delito) e seu genro, todos associados, ainda sem denúncia, a possíveis delitos cometidos na administração das Organizações Trump e da Fundação Trump.

No caso do advogado pessoal de Trump, o ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani, o perdão seria concedido por delitos já investigados. Ele pode ser denunciado por associação criminosa com dois ucranianos, acusados de violar leis federais de financiamento de campanha. Fizeram doações a políticos, em um esquema de compra de influência.

Porém, há um problema. Trump deve muito dinheiro a Giuliani, que tem cobrado US$ 20 mil (R$ 103 mil) por dia por serviços prestados, entre os quais o de ajudá-lo a tentar reverter na Justiça o resultado das eleições de novembro, em que o democrata Joe Biden foi eleito.

A lei proíbe o presidente de conceder perdão presidencial a qualquer pessoa em troca de vantagens financeiras ou quaisquer outros favores. Ou seja, Trump terá de infringir a lei para perdoá-lo, de acordo com juristas ouvidos por Time, NPR e USA Today.

O poder de perdão presidencial só vale para casos de violação de leis federais. Delitos da esfera estadual não vêm incluídos no pacote. Ou seja, o perdão não garante imunidade absoluta, porque o beneficiário ainda pode enfrentar acusações de outros crimes que são processados em esfera estadual.

Mas, uma vez concedido, ele isenta o beneficiário de punição por delitos federais cometidos e garante a restauração de quaisquer direitos que foram rescindidos por condenação em tribunal federal, como o direito de comprar e portar armas ou de votar.

Até agora, em seu governo, Trump já concedeu perdão presidencial ou comutação de pena a 41 pessoas, 88% das quais tinham conexões pessoais ou políticas com ele, segundo o escritor Jack Goldsmith, coautor do livro "After Trump: Reconstructing the Presidency".

Os casos mais famosos, foram os perdões a seu ex-conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn, que havia feito duas confissões de culpa em juízo por haver mentido ao FBI, e a seu amigo e correligionário Roger Stone, acusado de sete crimes federais, incluindo o de mentir a uma comissão de inquérito do Congresso.

No caso do perdão presidencial preventivo, ele já foi usado uma vez, quando o presidente Gerald Ford perdoou o então ex-presidente Richard Nixon, que renunciou ao cargo no embalo do escândalo de Watergate. O perdão foi concedido antes mesmo que Nixon fosse acusado de qualquer crime.

No caso de Trump, a dúvida é se ele pode perdoar a si mesmo para escapar de processos na Justiça federal depois que deixar a presidência. Isso é discutível, porque a lei não é suficientemente clara e a questão nunca foi julgada nas cortes, segundo os juristas ouvidos pelas publicações.

No auge das investigações sobre o conluio de Trump e seu comitê campanha com os russos, nas eleições de 2016, os advogados da Casa Branca enviaram uma carta ao procurador especial Bob Mueller, com um parecer de juristas garantindo que o presidente tinha o poder de encerrar as investigações ou, se fosse acusado de qualquer crime, conceder perdão presidencial a si mesmo.

O ex-procurador do Departamento de Justiça John Yoo declarou aos jornais que o poder de perdão presidencial é absoluto. Ele pode perdoar a quem quiser, incluindo a ele mesmo.

O professor de Direito da Universidade George Washington, Jonathan Turley, escreveu em um artigo para o USA Today: "Não há texto de lei especificando quem pode ou não pode ser objeto de um perdão. A Constituição não proíbe o presidente de perdoar quem ele quiser".

Mas há um parecer oficial do Departamento de Justiça, dos tempos de Nixon, garantindo que o autoperdão viola um princípio jurídico fundamental, adotado pelos EUA, que diz: "De acordo com a regra fundamental de que ninguém pode ser o juiz de seu próprio caso, o presidente não pode perdoar a si mesmo".

O professor de Direito Constitucional de Harvard, Laurence Tribe, o ex-consultor de ética da Casa Branca no governo Bush, Richard Painter, e o ex-consultor de ética da Casa Branca no governo Obama, Norman Eisen, escreveram que estão de acordo com o parecer do Departamento de Justiça de Nixon:

"A Constituição dá ao presidente o poder de atuar como juiz em casos criminais de outras pessoas, conforme achar apropriado. Isso lhe permite perdoar a qualquer um, a qualquer tempo, desde que o delito seja uma violação à lei federal. Mas não lhe dá o poder de tomar tais decisões com relação a suas próprias ações".

Uma escapatória para o presidente Trump seria fazer o mesmo que Nixon fez: renunciar para que seu vice-presidente Mike Pence assuma o poder e o perdoe preventivamente.

Ele poderia até mesmo se declarar impedido temporariamente de cumprir as funções do cargo, para que Pence se torne o presidente interino e lhe conceda o perdão presidencial. Depois, ele poderia renunciar ao cargo ou mesmo reassumi-lo.

De qualquer forma, há um preço político a pagar, se Trump for perdoado por Pence ou se autoperdoar. O benefício do perdão presidencial vem com uma confissão de culpa embutida. Isso pode ser prejudicial às pretensões de Trump de voltar a concorrer à Presidência em 2024.

Clemência, perdão e comutação de pena presidenciais são os termos usados nos EUA. Clemência é o termo "guarda-chuva", que abrange perdão e comutação de pena.

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