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O momento é propício para os acordos

Autor

  • Paulo Calheiros

    é advogado e sócio da Mandel Advocacia pós-graduado em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie especialista em Direito Falimentar e Recuperação e Reestruturação Empresarial possui MBA em Gestão Legal pela Escola Paulista de Direito e importantes cursos de extensão dentro de sua especialidade como Contratos e Operações Bancárias pela Fundação Getúlio Vargas e Fundamentos da Economia pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas-FIPE.

6 de dezembro de 2020, 14h16

Vivemos um momento ímpar de nossa história como sociedade humana, talvez antes enfrentado somente há mais de um século, durante a gripe espanhola. As tão necessárias medidas adotadas por todos, em diversos níveis, para impedir ou ao menos retardar a disseminação da Covid-19 em escala global afetaram planos, mercados e negócios de forma aguda e imprevisível.

Superado o baque da instalação da pandemia, a preocupação seguinte se direcionou à economia, e com a mais absoluta razão. Empresas fecharam, temporária ou definitivamente, ou reduziram suas operações a níveis de quase ociosidade, enquanto se aguardava uma normalização, ainda que parcial, das atividades e do sistema de saúde, que se adaptava para combater seu novo e poderoso inimigo.

Mesmo com a necessidade evidente da manutenção dos cuidados com a saúde pública, o fato é que existe uma "conta" a ser paga decorrente do período de retração econômica. Logo no início desse período complexo, ainda havia o temor de que o Poder Judiciário pudesse enfrentar sérias dificuldades quando precisasse "absorver" a demanda decorrente do aumento da inadimplência frente aos impactos comerciais da pandemia.

Até o presente momento, isso não ocorreu, o que é curioso. Em conversas com profissionais de diversos setores, em especial de grandes empresas e instituições financeiras, nota-se um discurso em comum: a realização de acordos, extra ou judicialmente, vem se intensificando neste ano difícil.

Se pudéssemos sintetizar uma explicação geral para este fenômeno, uma das conclusões possíveis seria a própria imprevisibilidade dos próximos meses. Indefinições sobre a vacina e o possível ressurgimento de restrições para frear novas ondas da pandemia estão estimulando os naturais credores nesse cenário — bancos e grandes fornecedores — a buscar liquidez. A manobra tem como objetivo amparo financeiro para novas dificuldades, ou mesmo oportunidade de investimento em novos negócios.

Matemática da negociação
Na busca por liquidez, o raciocínio natural em um ambiente de negociação envolvendo inadimplência — minimizar perdas — inverte-se para a maximização de ganhos. Se a dívida é cem, e termina sendo concedido um desconto de 70 para que haja o pagamento, entende-se que foram ganhos 30, e não o contrário.

O mesmo acontece em relação à concessão de prazos ou períodos de carência. Os grandes players sabem que para os pequenos e médios empresários a imprevisibilidade e a estagnação são muito mais nocivas. Em um momento como este, prolongar uma dívida não significa aumentar o risco de nova inadimplência, mas, sim, minorar o risco de que a mera insistência no cumprimento dos contratos em seus termos originais tenha como resultado concreto a perda daquele parceiro em definitivo.

Tendo em vista que a realização de acordos se mostra muito mais frutífera no atual momento se comparada com a ausência de flexibilidade de negociação, ou mesmo com a judicialização do problema, voltemos nosso olhar ao ambiente onde esta transação pode ocorrer.

Se a inexecução do contrato já se mostra judicializada, obviamente o melhor ambiente para que ocorra uma composição será o próprio processo. Nesses casos, se as partes em si já aceitaram ceder parcialmente em suas posições, caberá aos advogados de cada uma ponderar que a celebração de um acordo retira da situação a variável Poder Judiciário, com seus prazos e interpretações próprios. A realização de um acordo limita os riscos ao seu descumprimento, e se esse ocorrer a sua execução poderá retornar à esfera judicial, mas em um ambiente processual muito mais restrito e controlado.

Na mesma situação, mas sendo cumprido o acordo, o conflito de interesses estará resolvido, e dentro das possibilidades estipuladas pelas próprias partes, o que significa um cenário de inadimplência mais improvável.

Por outro lado, se o objeto de negociação ainda não adentrou as esferas judiciais, as partes devem entender que o Poder Judiciário tem suas limitações. Aqui cabe destacar o louvável trabalho desempenhado pelos tribunais nacionais durante a pandemia na obtenção de resultados dignos de aplauso mesmo com o regime de trabalho remoto.

Por mais que uma das partes entenda ter o contrato e/ou a lei absolutamente de acordo com seus interesses e interpretações, existe uma garantia constitucional inviolável de direito ao contraditório e à ampla produção de provas, etapas que terão de ser rigorosamente enfrentadas e superadas até que se obtenha a execução da obrigação em si. Nem é preciso dizer que se tratam de etapas complexas, o que se desdobra em dispêndio do ativo mais precioso de todos, o tempo (e, sim, significam também relevantes despesas financeiras com custas, honorários e outros).

Suporte profissional
Em qualquer uma dessas hipóteses, é fundamental que as partes estejam assessoradas por profissionais com vivência em mediação e conciliação. A figura do negociador neutro, além de outros tantos motivos técnicos, traz impessoalidade às trocas que serão necessárias entre as partes para que se chegue a um denominador comum. E se a negociação envolver temas mais complexos, que sobressaem à esfera comercial, a presença de advogados no cenário mostra-se não somente frutífera como imprescindível ao oferecer análises que serão preponderantes na transação.

As considerações aqui apresentadas são aplicáveis a questões individuais, envolvendo a empresa e um parceiro financeiro ou comercial, e também coletivas, que incluam todos os parceiros da empresa, de modo a evitar que esta termine em uma situação de crise. Nos casos em que a pandemia afetou as operações da empresa em tamanho espectro que a impossibilite de cumprir diversos de seus contratos em seus termos originais, as ferramentas previstas na Lei 11.101/2005 se mostram pertinentes no auxílio ao empresário para se manter no mercado.

A recuperação judicial — e também a extrajudicial, cuja utilização, com auxílio da jurisprudência, vem se intensificando de forma saudável nos últimos anos —, apesar do caráter processual que carrega consigo, envolve por vezes centenas de negociações. O objetivo é a aprovação de um plano de recuperação apto a não somente atender aos interesses dos credores, mas também possibilitar a continuidade da empresa no mercado.

Assim como o ambiente atual vem se mostrando favorável para a negociação empresarial, espera-se que a maior flexibilidade verificada em acordos realizados no último semestre seja também sentida nos ambientes de negociação coletiva.

Em resumo, fato é que todo momento é bom para um acordo. Entretanto, a pandemia mostrou novos pontos de vista sobre a inadimplência contratual e uma maior flexibilidade nas negociações, bem como uma maior atenção do mercado às soluções consensuais. De todas as mudanças que o "novo normal" nos trouxe, esta certamente será uma daquelas que torceremos para que fique.

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    é sócio do escritório Mandel Advocacia, especialista em Direito Falimentar e Recuperação e Reestruturação Empresarial e pós-graduado em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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