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É crime não pagar pensão alimentícia na Itália?

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5 de dezembro de 2020, 12h15

Recentemente um cliente residente na Itália foi executado em verba alimentar com pedido de prisão civil, com origem em ação proposta pela genitora do filho, ambos residentes no Brasil.

O cumprimento de sentença tramitou em São Paulo.

Cobranças de alimentos ou execuções de devedores residentes no exterior são realizadas através da Convenção de Haia para Alimentos, prevista no Decreto 9.176/2017, e a Itália faz parte dessa convenção. No referido decreto, existe regra a ser seguida. Esse acordo garante pedido de alimentos, modificação de decisões, bem como execução de alimentos.

Os pedidos tramitam pelo Ministério da Justiça, autoridade central para a convenção, papel exercido por intermédio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), da Secretaria Nacional de Justiça. Ocorre que, para o cumprimento pela autoridade na Itália de determinação de prisão do cidadão lá residente, deve-se seguir norma penal como lá é previsto, e não civil.

Assim, há impossibilidade da tramitação pelo artigo 528 do Código de Processo Civil Brasileiro para residente na Itália, já que no referido país a prisão é prevista no artigo 570 do Código Penal italiano, gerando conflitos entre as normas, o que levou o juízo brasileiro a acolher nossa defesa e o pedido de não prosseguimento sob pena de prisão civil.

A obrigação alimentar na Itália está prevista no Código Civil italiano em seu artigo 433 e é uma assistência material devida por lei à pessoa em situação de necessidade econômica que tem por base o "dever de solidariedade", previsto no artigo 2º da Constituição da República italiana (Costituzione della Repubblica italiana).

Mas, para a dívida de alimentos ser considerada um crime, deve estar caracterizada a real necessidade dos alimentos e a culpa do devedor. O ordenamento jurídico italiano prevê que quem não dá subsistência a quem tem real necessidade e necessita urgentemente dos alimentos incorre no crime de violação das obrigações de assistência familiar (artigo 570 do Código Penal).

De acordo com o Código Penal italiano, quem tornar os meios de subsistência insuficientes para os descendentes menores ou incapazes para o trabalho, ascendentes ou cônjuge (que não deu causa a separação) é punido com pena de prisão até um ano ou com multa de 103 a 1.032 euros.

Porém, é analisado cada caso. Por exemplo, um pai que deva pensão a um filho adulto terá somente uma sentença civil. Porém, com relação aos filhos menores que não possuem meios de subsistência, isso, sim, pode ser considerado crime.

Vamos entender melhor.

Na Itália não há previsão de prisão para devedores. Porém, com relação à obrigação com a família, sim, pode ser crime não dar subsistência a um familiar necessitado, mas não todos aqueles elencados no artigo 433 do Código Civil italiano.

De acordo o artigo 433, são obrigados a prestar alimentos, na ordem:

— O cônjuge;

— Os filhos, mesmo os adotados, e, na ausência deles, os próximos descendentes;

— Os pais e, na sua ausência, os próximos ascendentes; os adotantes;

— Genro e nora;

— O sogro e a sogra;

— Os irmãos e irmãs, com precedência dos germani (ou seja, aqueles que têm os mesmos pais) em unilateral (que compartilham apenas um dos pais).

Assim, são obrigadas a prestar alimentos as pessoas vinculadas por parentesco, adoção ou afinidade com o alimentado, segundo uma ordem baseada na intensidade do vínculo.

Veja que a norma italiana refere-se a um relacionamento familiar bastante amplo, não limitado apenas ao núcleo familiar.

Na Itália, a pensão alimentícia representa uma obrigação real, independentemente da existência do casamento, com base no dever de solidariedade (artigo 2º da Constituição italiana).

O subsídio de manutenção é devido apenas aos filhos e ao cônjuge, já a pensão alimentícia também pode ser devida ao progenitor em dificuldade. É uma verdadeira obrigação familiar.

O direito à pensão alimentícia na Itália pertence à pessoa que está em séria necessidade, ou seja, para atender às necessidades básicas daqueles que são incapazes de se sustentar de forma independente.

A prestação alimentar, portanto, pode estar diretamente ligada às obrigações solidárias decorrentes de uma união afetiva (por exemplo, o casamento), do vínculo parental ou de um sentimento de gratidão.

Alimentos e estado de necessidade
Como informado no início, a pensão alimentícia só é devida quando existe um estado real de necessidade. Portanto, quem não for economicamente independente, não puder garantir alimentação, moradia e assistência médica, tem direito a verba alimentar.

O estado de necessidade deve ser avaliado em cada caso, com referência às condições reais.

Segundo a jurisprudência italiana, o direito à pensão alimentícia existe, mesmo que o alimentado se encontre em situação de necessidade por sua própria culpa.

No entanto, a lei permite a redução da pensão alimentícia por conduta repreensível do alimentado, que consiste no fato de o beneficiário dos alimentos utilizar erroneamente a pensão alimentícia, ou seja, ao invés de utilizar para o sustento de suas necessidades básicas, os desperdiçar.

Quem pede pensão alimentícia deve comprovar o seu estado de necessidade, bem como a sua incapacidade para o trabalho. Quem, por outro lado, exerce uma atividade laboral terá de provar que não é suficiente para o seu sustento.

Binômio necessidade-possibilidade e a revisional de alimentos também na Itália
Tal como no Brasil, na Itália a pensão alimentícia deve ser paga proporcionalmente às necessidades da pessoa alimentada e às condições econômicas do credor.

A legislação italiana também previu que as circunstâncias podem mudar com o decorrer do tempo, sendo possível que a pessoa com direito à pensão alimentícia tenha encontrado trabalho e, portanto, possa se sustentar. Assim, da mesma forma é possível que a pessoa obrigada a pagar não tenha mais condições de financeiras de prover os alimentos (seria a ação revisional de alimentos no Brasil).

Em todos esses casos, o artigo 440 do Código Civil italiano permite requerer ao Judiciário a redução da obrigação alimentar ou mesmo a sua exoneração.

No entanto, o artigo 440 do Código Civil traz algo interessante. Por expressa disposição legislativa, os alimentos podem ser reduzidos em razão da conduta condenável do alimentado, por exemplo, se está utilizando a verba alimentar com desperdícios, e não para sua subsistência básica.

Alimentos: na Itália é crime não pagar?
Depende.

O ordenamento jurídico italiano diz que quem não provê o sustento de quem tem necessidade urgente incorre no crime de violação das obrigações de assistência familiar.

De acordo com o artigo 570 do Código Penal, quem tornar os meios de subsistência insuficientes para os descendentes menores de idade, ou incapacitados para o trabalho, ascendentes ou cônjuge, que não esteja separado judicialmente por culpa sua, é punido com pena de prisão até um ano ou com multa de 103 a 1032 euros.

Verifica-se que não pagar pensão alimentícia é crime na Itália em apenas alguns casos, pois a violação da obrigação civil de pagar pensão alimentícia nem sempre leva ao crime, mas apenas em determinadas circunstâncias.

Vejamos.

Meios de subsistência
O Direito Penal italiano não fala em pensão alimentícia, mas em meios de subsistência.

Meio de subsistência e pensão alimentícia são a mesma coisa?

Na jurisprudência italiana, por meio de subsistência deve-se entender o que é estritamente indispensável à própria existência, como alimentação, moradia, medicamentos, despesas com educação infantil, roupas, dentre outros.

Portanto, a obrigação alimentar seria mais ampla do que a obrigação penal de garantia dos meios de subsistência. É por isso que quem não paga pensão alimentícia (ou paga apenas parte dela) não necessariamente incorre em crime.

De acordo com o Código Civil italiano, quando houver necessidade, a obrigação de pagar pensão alimentícia se aplica não só aos pais, filhos ou cônjuges, mas também aos cunhados, sogros, noras (ou genros) e netos.

O Código Penal italiano, por outro lado, sanciona a falta de pagamento dos meios de subsistência apenas para determinadas pessoas, vejamos:

— Filhos menores ou incapazes de trabalhar;

— Pais;

— Cônjuges, desde que não sejam divorciados ou separados por sua culpa.

 Assim, embora o Código Civil exija, por exemplo, o pagamento de pensão alimentícia também a um filho adulto (desde que ele se encontre em estado de necessidade), essa obrigação não existe em um processo penal. Assim, o pai que não paga pensão alimentícia ao filho adulto não comete crime. Terá apenas uma sentença civil.

Portanto, o crime de violação das obrigações de assistência familiar, previsto no Código Penal italiano, tem como condição necessária a existência de uma obrigação alimentar prevista no Código Civil, mas não leva automaticamente ao crime.

Para configurar o crime, é necessário que os titulares do subsídio de manutenção se encontrem em situação de necessidade urgente, e que o obrigado a pagar os alimentos tenha conhecimento da necessidade e esteja em condições de fornecer os meios de subsistência.

Verifique que para ser considerado crime será analisado em cada caso, já que nem sempre não pagar pensão alimentícia é crime. É considerado crime pelos seguintes motivos:

— O Código Penal protege apenas certas pessoas (filhos menores ou incapazes de trabalhar, pais e cônjuge, desde que não sejam divorciados ou separados por sua culpa);

— O Código Penal fala em meios de subsistência, e não em obrigação alimentar, devendo essa última ser considerada de forma mais ampla do que a primeira obrigação;

— Para que seja considerado crime, é necessária a plena consciência do devedor em deixar um dos indivíduos indicados acima em dificuldade.

Exemplificando: se o pai não pagar pensão alimentícia a seu filho adulto, ele pode incorrer em uma sentença civil, mas não criminal. Ocorre também no caso de não ajudar um irmão em dificuldade. O Código Penal não faz referência à obrigação de garantir os meios de subsistência aos irmãos.

Portanto, a obrigação prevista no Código Penal italiano diz respeito apenas ao estritamente necessário para a sobrevivência. E isso será analisado em cada caso.

Concluindo que, embora a obrigação de prestar alimentos em conformidade com o Código Civil italiano exista independentemente do conhecimento, o crime só é tipificado se a pessoa tiver a intenção específica de não querer ajudar quem está em dificuldade, ou seja, filhos menores ou incapazes de trabalhar, pais, cônjuge — desde que não sejam divorciados ou separados por sua culpa.

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