Opinião

Planos de saúde: como ficam os direitos dos dependentes após a morte do titular

Autor

  • Vinícius G. F. Jallageas de Lima

    é advogado mestrando em Direito Processual Civil pela USP especialista Direito Processual Civil pela PUC-SP em Direito Imobiliário pela FGV-SP em Direito Médico e Hospitalar pela EPD sócio e fundador de Vinícius Jallageas Advocacia.

5 de dezembro de 2020, 18h28

A saúde sempre foi e sempre será um tema contemporâneo, pois implica nas maiores e principais preocupações da população em geral, por estar intrinsicamente atrelada à vida e ser considerada um direito e uma garantia constitucional, assegurada para todo e qualquer cidadão, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.

Apesar do hercúleo esforço do Sistema Único de Saúde (SUS) em tentar atender aos anseios da sociedade da melhor maneira possível, essa atribuição acaba sendo obstaculizada em decorrência da falta de amparo material, quer seja pela falta de recursos públicos e hospitais disponíveis para satisfazer toda a demanda existente e desencadeada pela população brasileira, quer seja em razão da falta de profissionais para o exercício da função.

E justamente em razão da escassez de recursos na área do sistema público foi desencadeado o "efeito ricochete", resvalando no aumento da contratação e manutenção do sistema privado e, com isso, sobrecarregando também a saúde suplementar.

Tratando-se de saúde suplementar, de maneira proposital ou não, envolvendo questões comerciais ou não, interesses escusos ou não, fato é que infelizmente, não obstante inclusive o devoto da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), reguladora vinculada ao Ministério da Saúde responsável pelo setor de planos de saúde no Brasil, em tentar difundir informações relevantes para a população, face a dificuldade difusão, referidas informações acabam sendo relegadas, fazendo com que os consumidores continuem sendo lesados.

É justamente em razão dessa ausência de informação que o presente artigo objetiva contribuir, para que os consumidores possam minimamente usufruir de seus direitos, espancando, por qualquer prisma que se analise, eventuais práticas abusivas perpetradas pelas operadoras e, com isso, minimizando a margem de incidência de injustiças.

Entre as situações mais corriqueiras, pode-se questionar como ficariam os direitos dos dependentes após a morte do titular do plano de saúde coletivo, leia-se empresarial ou por adesão? Após o falecimento do titular, podem as operadoras realizar modificações contratuais, como por exemplo, alterar as condições de preço e também estipular carência?

Partindo para as respostas a essas perguntas, me parece abusiva e ilegal a postura de operadoras que pretendam excluir os dependente do plano de saúde, após o falecimento do titular, pois essa conduta infringe: 1) o artigo 30, caput, seu §3º e também o artigo 31, todos da Lei nº 9.656/98; 2) a súmula normativa 13 da ANS; 3) o artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor; e, por fim, 4) o entendimento já esposado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Importante esclarecer desde já que não há no ordenamento jurídico vigente qualquer norma que resolva de maneira pragmática referido questionamento, sobretudo tratando-se de contrato coletivo.

De acordo com Renata Maria Gil da Silva Lopes Esmeraldi e José Fernando da Silva, acerca da omissão legislativa nos contratos dessa jaez, "diante do cunho protetivo de todo o sistema legal contido na Lei n. 9.656/98, supera-se com a extensão de iguais direitos nos casos de desfazimento do vínculo associativo e para garantir ao associado a mesma situação em face dos mesmos pressupostos das duas outras situações (tempo de contribuição e pagamento integral das contraprestações)" (Planos de saúde no Brasil: doutrina e jurisprudência. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015 grifo do autor).

Dessa forma, aplicam-se, por analogia, os artigos 30 e 31 da Lei 9.656/98:

"Artigo 30  Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.
(…)
§ 3o. Em caso de morte do titular, o direito de permanência é assegurado aos dependentes cobertos pelo plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, nos termos do disposto neste artigo.

Artigo 31  Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral" (grifos do autor)

Outrossim, de maneira análoga é cabível a aplicação da Súmula 13 de 2010 da ANS, inclusive para os planos coletivos:

"O término da remissão não extingue o contrato de plano familiar, sendo assegurado aos dependentes já inscritos o direito à manutenção das mesmas condições contratuais, com a assunção das obrigações decorrentes, para os contratos firmados a qualquer tempo".

Nessa linha intelectiva de raciocínio, segundo uma interpretação extensiva dos referidos dispositivos legais, já decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao negar provimento ao Recurso Especial nº. 1.871.326, de relatoria da ministra Nancy Andrighi:

"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO COLETIVO POR ADESÃO. FALECIMENTO DO TITULAR. DEPENDENTE IDOSA. PRETENSÃO DE MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO. SÚMULA NORMATIVA 13/ANS. NÃO INCIDÊNCIA. ARTS. 30 E 31 DA LEI 9.656/1998. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DOS PRECEITOS LEGAIS. CONDIÇÃO DE CONSUMIDOR HIPERVULNERÁVEL. JULGAMENTO: CPC/15.
1. Ação de obrigação de fazer ajuizada em 27/11/2017, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 24/09/2019 e atribuído ao gabinete em 17/04/2020.
2. O propósito recursal consiste em decidir sobre a manutenção de dependente em plano de saúde coletivo por adesão, após o falecimento do titular.
3. Há de ser considerado, à luz do disposto na Resolução ANS 195/2009, que, diferentemente dos planos privados de assistência à saúde individual ou familiar, que são de “livre adesão de beneficiários, pessoas naturais, com ou sem grupo familiar” (art. 3º), os planos de saúde coletivos são prestados à população delimitada, vinculada à pessoa jurídica, seja esse vínculo “por relação empregatícia ou estatutária” (art. 5º), como nos contratos empresariais, seja por relação “de caráter profissional, classista ou setorial” (art. 9º), como nos contratos por adesão.
4. É certo e relevante o fato de que a morte do titular do plano de saúde coletivo implica o rompimento do vínculo havido com a pessoa jurídica, vínculo esse cuja existência o ordenamento impõe como condição para a sua contratação, e essa circunstância, que não se verifica nos contratos familiares, impede a interpretação extensiva da súmula normativa 13/ANS para aplicá-la aos contratos coletivos.
5. Em se tratando de contratos coletivos por adesão, não há qualquer norma – legal ou administrativa – que regulamente a situação dos dependentes na hipótese de falecimento do titular; no entanto, seguindo as regras de hermenêutica jurídica, aplicam-se-lhes as regras dos arts. 30 e 31 da Lei 9.656/1998, relativos aos contratos coletivos empresariais.
6. Na trilha dessa interpretação extensiva dos preceitos legais, conclui-se que, falecendo o titular do plano de saúde coletivo, seja este empresarial ou por adesão, nasce para os dependentes já inscritos o direito de pleitear a sucessão da titularidade, nos termos dos arts. 30 ou 31 da Lei 9.656/1998, a depender da hipótese, desde que assumam o seu pagamento integral.
7. E, em se tratando de dependente idoso, a interpretação das referidas normas há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03) e sempre considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável.8. Recurso especial conhecido e desprovido, com majoração de honorários"

(STJ, REsp nº. 1.871.326 – RS, Min. Rel. NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, j. em 1º/9/2020).

Nessa auspiciosa direção caminhou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

"PLANO DE SAÚDE COLETIVO. ÓBITO DO TITULAR. EXTINÇÃO AFASTADA. TRANSFERÊNCIA PARA VIÚVA. Sentença de procedência. Insurgência de ambas as rés. Não acolhimento. Transferência de titularidade após morte do titular que é decorrência legal (art. 30, §3º Lei no 9.656/1998), sendo abusiva cláusula em sentido contrário (art. 51, IV, CDC). Manutenção do plano de saúde para a viúva, como se titular fosse. Recursos não providos" 
(TJ/SP, Apel. nº. 1013573-94.2019.8.26.0011, Des. Rel. CARLOS ALBERTO SALLES, 3ª Câmara de Direito Privado, j. em 9/8/2020).

Frise-se, ainda, que eventual negativa contratual infringe o artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, pois reputa como nula de pleno direito cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

Portanto, por meio dos aludidos dispositivos legais, aliado ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, denota-se pela possibilidade de os dependentes titulares permanecerem no plano de saúde, nas mesmas condições, desde que assumam o pagamento integral das parcelas.

Mesmo assim, caso referidas ilegalidades sejam perpetradas pelas operadoras de planos de saúde, de rigor o recrudescimento da rede de proteção consumerista, fazendo com que o lesado busque seus direitos por meio de um advogado especialista na área, evitando, assim, a prática de qualquer abuso de direito por parte das operadoras.

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    é advogado, sócio e fundador do escritório Vinícius Jallageas Advocacia, mestrando em Direito Processual Civil pela USP, pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-SP, em Direito Imobiliário pela FGV-SP e em Direito Médico e Hospitalar pela EPD.

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