Nó Górdio

Especialistas divergem sobre contratação de escritórios de advocacia sem licitação

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5 de dezembro de 2020, 9h39

A possibilidade ou não de inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços jurídicos é assunto que tem agitado o Judiciário e causado preocupação entre advogados, bancas e gestores públicos. No fim do mês passado, por exemplo, José Geraldo Garcia, prefeito de Salto (SP), foi condenado pela 15ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP a quatro anos e oito meses de reclusão, em regime inicial semiaberto. Isso porque a administração municipal não fez licitação para contratar um grande escritório de advocacia — o Nelson Wilians Advogados. A ação penal contra dois sócios do escritório foi desmembrada.

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Em decisão recente, TJ-SP condenou prefeito de Salto por não ter feito licitação para contratar um grande escritório

O artigo 25 lei das licitações (Lei 8.666/1993) prevê que o procedimento é inexigível quando houver inviabilidade de competição. Uma das hipóteses dessa inviabilidade é a contratação de serviços técnicos, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, conforme dispõe o inciso II do artigo 25. Entre tais serviços técnicos estão "assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias" (inciso III do artigo 13) e "patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas" (inciso V, também do artigo 13).

Para a Ordem dos Advogados do Brasil, apesar da literalidade dessas previsões legais, ainda há "controvérsias judiciais em diversas jurisdições do país, ao passo em que os advogados que contratam com a Administração sofrem reiteradamente condenações por improbidade administrativa". O posicionamento consta de petição nos autos de ação declaratória de constitucionalidade ajuizada no STF pelo Conselho Federal da Ordem (ADC 45) — leia abaixo mais informações sobre esse processo.

Repercussão
Especialistas ouvidos pela ConJur se dividem sobre a matéria. Para Rafael Wallim, professor de Direito Administrativo e sócio do Warde Advogados, as frequentes punições contra advogados que contratam com o poder público, seja por improbidade, seja no âmbito criminal, representam "um enorme perigo para a advocacia e um grande prejuízo ao interesse público". "Não raras vezes, a mera divergência de entendimento entre os órgãos controlador e controlado sobre a hipótese de contratação direta leva a duríssimas punições dos agentes públicos e advogados envolvidos", disse.

Conrado Gontijo, advogado criminalista e doutor em Direito Penal e Econômico pela USP, observou que, em geral, os serviços de advocacia são "personalíssimos" e a escolha dos profissionais está relacionada a sua capacidade e especialização. Logo, afirmou o advogado, em muitos casos, a contratação pode ser feita sem licitação. "Todavia, é essencial que sejam atendidos alguns critérios, como a demonstração de especialidade, a singularidade do serviço prestado, a compatibilidade dos valores pactuados", completou.

Por outro lado, ao comentar o caso concreto, o advogado Adib Abdouni, especialista em Direito Constitucional e Criminal, defendeu que o TJ-SP "não está criminalizando a contratação de escritório de advocacia com dispensa de licitação, mas, sim, a conduta desconforme do prefeito de Salto, que deixou de observar as formalidades legais alusivas à sua inexigibilidade".

Para Marcio Pestana, titular do escritório Pestana e VillasBôas Arruda e professor de Direito Administrativo da Faap, a contratação direta de escritórios de advocacia só deve ocorrer em casos de maior complexidade e especificidade. "Quando há uma questão pontual, em que poucos estão credenciados a discutir, se abre a possibilidade da contratação direta. Não se contratam bancas de advocacia para depois ver o que passar para elas", afirmou.

Pestana disse ainda que os políticos devem ter um cuidado preventivo com os passos que vão adotar: "Há muitas nuances nessa contratação direta; por isso, todo contrato deve ser minuciosamente escrutinado para verificar sua legitimidade".

Caso concreto
No caso do prefeito de Salto, a banca foi contratada para tentar recuperar contribuições previdenciárias pagas de modo equivocado ao INSS. O valor do contrato foi de cerca de R$ 2,5 milhões.

Segundo José Geraldo Garcia, o escritório contratado seria o pioneiro em teses que surtiriam o efeito jurídico esperado — daí sua notória especialização. Também afirmou, segundo os autos, que o município tinha apenas sete procuradores, com grande carga de trabalho. 

Os argumentos da defesa não convenceram os magistrados — a decisão foi por maioria. Segundo o relator do caso, desembargador Gilberto Ferreira da Cruz, "a inexigibilidade de licitação não equivale à contratação informal".

O relator discorreu sobre as estritas hipóteses de inexigibilidade de licitação, que deve preencher alguns requisitos (conforme precedente do STF): existência de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço; demonstração da inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado.

Para o magistrado, contudo, os serviços prestados pela banca à municipalidade de Salto não são singulares, "uma vez que a questão atinente ao recolhimento de tributos assim como eventual compensação ou repetição é matéria nitidamente imbricada ao interesse público, de sorte que a promoção das medidas cabíveis caberia aos próprios servidores do ente".

Segundo o escritório, parecer do jurista Ives Gandra Martins atestou que, no caso concreto, tais requisitos foram preenchidos — mais informações abaixo, na nota enviada pela banca.

O desembargador também considerou que o fato de a prefeitura ter sondado outro escritório de advocacia reitera a necessidade de processo licitatório. Além disso, mencionou que o próprio TCE enviara comunicados a respeito da irregularidade do procedimento adotado.

Por fim, a decisão também considerou o relatório final de CPI instaurada na Câmara da cidade, segundo o qual, sob orientação da banca contratada, o município procedeu a compensações tributárias de cerca de R$ 12 milhões, mas geraram autuações fiscais que exigirão mais R$ 18 milhões dos cofres públicos.

Discussão no STF
Na ADC 45, a Corte já tem maioria para permitir a inexigibilidade de licitação para contratação de advogados por entes públicos, desde que sejam respeitados os princípios constitucionais que incidem na matéria, entre os quais a moralidade, a impessoalidade e a eficiência. O relator do caso é o ministro Luís Roberto Barroso.

Ele propôs a seguinte tese: "São constitucionais os artigos 13, V, e 25, II, da Lei 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela administração pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado".

Porém, para a OAB, "a despeito da sua louvável intenção", tais critérios não contribuem para conferir segurança jurídica. Em vez disso, inserem novas camadas de subjetividade à interpretação e aplicação dos dispositivos. Em memoriais, a OAB pediu que se dê cumprimento aos artigos da Lei de Licitações que permitem a contratação de advogados diante de reiteradas decisões que deixam de aplicar seus comandos, retiram-lhe a incidência e enfraquecem sua força normativa.

Pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes retirou do Plenário virtual do STF o julgamento do caso. Assim, eles erá apreciado em julgamento presencial — sem data marcada.

Outro lado
O escritório Nelson Wilians enviou nota à ConJur a respeito do caso. Leia a íntegra:

"A contratação da sociedade de advogados pela Prefeitura Municipal de Salto se deu de forma escorreita, dentro dos parâmetros legais, configurando-se inequívoca hipótese de inexigibilidade de licitação, nos termos do art. 25, inc. II, §1º, c/c art. 13, inc. V, ambos da Lei. 8.666/1991.

Através de parecer da lavra do eminente jurista Ives Gandra da Silva Martins, atestou-se, no caso concreto, a presença de absolutamente todos os parâmetros estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal para a contratação direta de escritórios de advocacia (Inquérito 3.074, 1ª Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 26/08/2014, DJe 03/10/2014).

No aludido parecer, o ilustre professor, de forma analítica e detida, destacou i) a existência de procedimento administrativo formal (fartamente documentado nos autos), ii) a notória especialização da sociedade de advogados (consoante inúmeros atestados de capacidade técnica e de idoneidade), iii) a natureza singular dos serviços ("ocorre, inclusive, que, no caso objeto da contratação, a tese jurídica de que se aproveitou a Prefeitura de Salto, foi desenvolvida pelo escritório contratado pela Prefeitura, com resultados positivos em todas as instâncias, inclusive na Suprema Corte."), iv) a inadequação da prestação dos serviços pela Procuradoria Municipal (“a Prefeitura de Salto tem um pequeno corpo de procuradores, com menor atuação junto aos Tribunais Superiores por força de atuarem em problemas jurídicos de menor complexidade em face da dimensão do burgo”) e v) honorários compatíveis (“o preço é compatível com a tabela de honorários sugerida pela OAB-SP”), concluindo: “nesta breve Opinião Legal, portanto, minha resposta é de que o eminente colega, que tem, talvez, o maior escritório de advocacia do Brasil com 1.500 advogados, sendo escritório de notória especialização na área objeto do contrato que firmou com a Prefeitura de Salto, não necessitaria participar de qualquer licitação, pois seu contrato foi firmado à luz do artigo 25, inciso II, §1º da Lei 8666/93."

Como se não bastasse, em outubro do presente ano foi iniciado, pelo Plenário do Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 45, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), já havendo franca maioria de votos no sentido da legitimidade da contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública (acompanharam o Eminente Relator, Ministro Luís Roberto Barroso, outros seis Ministros), com a fixação de idênticas balizas, igualmente respeitadas e atestadas no caso concreto.

Dessa forma — e lembrando-se que ainda não foi publicado o acordão proferido na ação penal, a qual ainda aguarda a declaração do voto divergente do Eminente Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Fábio Poças Leitão, proferido pela absolvição do Prefeito Municipal ante a regularidade do processo de contratação do escritório de advocacia e a consequente atipicidade da conduta – , confia-se que a decisão proferida pela Corte de Justiça bandeirante será, com o devido respeito e acatamento, reformada pelos Tribunais Superiores.

Por fim, oportuno informar que os valores mencionados, não refletem nem representam o montante envolvido no processo o qual é inferior a 10% da cifra citada.

Olímpio Rodrigues, advogado e sócio do escritório Nelson Wilians Advogados."

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