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Sobre os prazos para análise dos requerimentos na Previdência Social

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4 de dezembro de 2020, 18h25

Dados divulgados pelo INSS dão conta que, atualmente, há um estoque de mais de um milhão de requerimentos de prestações da previdência sob análise da autarquia. Tratam-se de requerimentos previdenciários dos mais diversos, tais como aposentadorias por idade, tempo de contribuição, auxílio-reclusão, benefícios assistenciais, entre outras modalidades de pedidos.

Os números revelam uma situação realmente caótica: muitas pessoas aguardam o resultado de seu requerimento por muitos meses, sem condições de manutenção de uma vida digna, o que, no momento atual, é agravado em face da pandemia. Isso acontece porque muitas dessas prestações substituem os rendimentos das pessoas, como é o caso das pensões por morte, por exemplo.

O INSS possui um prazo previsto na legislação que é considerado o máximo de tempo para analisar e decidir os requerimentos administrativos. Diz a Lei nº 9.784/99 que, concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até 30 dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.

A autarquia alega não estar conseguindo dar conta de analisar todos os pedidos dentro do prazo legal e que, ao decidir os casos, nas hipóteses de deferimento, contempla o interessado com o pagamento das prestações atrasadas desde a data do requerimento. Assim, segundo a autarquia, as pessoas que aguardam a análise de seu caso serão ressarcidas com os valores devidos durante o período da espera.

Será simples assim a solução deste problema?

Não pode passar desapercebido que a demora na tomada de decisão nos requerimentos administrativos pelo INSS, justamente nos pedidos de benefícios previdenciários que têm caráter alimentar, é atentatória à lei e à Constituição Federal. Por isso não pode a autoridade previdenciária postergar, indefinidamente, a análise dos requerimentos administrativos.

No entanto, o que se tem observado é um descaso com o prazo legal e uma postura leniente, por muitos setores, com relação ao descumprimento da lei por parte do INSS. Será esse o melhor caminho a ser tomado para a solução do problema das análises administrativas dos requerimentos previdenciários?

Para não ficar apenas na retórica, cabe referir inúmeras decisões judiciais em todo o país que indeferem pedidos de tutelas de urgência, alegando que uma decisão nesse sentido "quebraria a ordem cronológica dos pedidos", ou então que o prazo previsto na legislação não deveria ser aplicado ao INSS pela impossibilidade de cumprimento.

Há, também, manifestações nos autos, pelas entidades que fazem parte do processo, aquiescendo com os argumentos que defendem o descumprimento da lei. Mas, afinal, é a lei que deve ser curvar ao INSS ou é o INSS que deve obediência à lei?

Recentemente, tomou-se conhecimento de uma minuta de acordo entre MPF e INSS, juntada ao RE 1171152, que tramita no Supremo Tribunal Federal, em que ambas as entidades acordaram estender o prazo legal para a análise dos processos administrativos previdenciários por mais de seis meses. A notícia surpreendeu a todos, pois o acordo foi entabulado em processo que tratava de matéria diversa daquela que permeou o acordo, e sem qualquer debate prévio. É certo que o assunto demandaria, pelo menos, uma audiência pública para que a sociedade pudesse compreender a gravidade do problema e a melhor forma de encontrar soluções.

Até o momento da redação deste artigo, não se tem notícia da homologação do acordo pelo STF. Todavia, o que mais causa surpresa nisso tudo diz respeito à legitimidade de um acordo contrário à lei e ao texto constitucional.  

Vive-se na plenitude do Estado democrático de Direito e as leis devem ser cumpridas. O prazo para a análise dos expedientes administrativos encontra-se previsto na legislação. Deve o INSS analisar os processos administrativos dentro do prazo de 30 dias e com o mesmo rigor apresentado quando o poder público encontra-se na condição de credor de uma obrigação.

Aliás, por que o Estado, quando na condição de devedor de uma prestação perante o administrado, apresenta-se com uma postura completamente diferente daquela exposta quando na condição de credor?

O acesso à Justiça é uma das garantias fundamentais da Constituição Federal de 1988. Se considerarmos o contexto vivido no período histórico anteriores à Carta Magna, agrega-se ainda maior relevância a este princípio. Diz o texto constitucional que a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direitos. Cabe ao Poder Judiciário exigir o cumprimento da lei, com posicionamento favorável a esse ato por parte de todos os atores do processo.

Se a Previdência não possui recursos humanos suficientes para o efetivo processamento dos inúmeros requerimentos administrativos, por que, paralelo a isso, notificar milhões de pessoas em todo o Brasil para realizar operações de pente fino, o que visivelmente prejudica ainda mais as demandas pendentes de análise pela autarquia?

As atitudes do INSS em juízo e fora dela são muito contraditórias e atentam contra a boa-fé objetiva. Não é vista articulação quando esta deve servir ao administrado. Os argumentos utilizados pela autarquia não são sustentáveis e suas atitudes são muito contraditórias. 

Veja-se que foi aprovada uma reforma previdenciária que irá gerar uma economia de quase R$ 1 trilhão para os cofres públicos e, com a virtualização dos processos do INSS, ocorreu o fechamento de milhares de agencias da Previdência Social em todo o Brasil. O próprio Ministério da Previdência Social foi extinto ainda no ano de 2017.

Por isso, é indefensável qualquer argumento que prestigie o que se convencionou chamar de reserva do possível, pois inúmeras foram as medidas realizadas nos últimos anos para racionalizar a previdência brasileira. Mais do que já foi feito inviabilizará a política pública. Quer-se o fim da Previdência?  

A pasta previdenciária está colaborando com o equilíbrio das contas do país, mas se faz necessária a eleição de alguns parâmetros mínimos para a operacionalização da previdência. Urge a organização dos trabalhos do INSS, o que envolve orçamento e gestão. É necessária a construção de uma política previdenciária equilibrada para o país. Sem argumentos falaciosos e ideológicos.

A lei foi feita para ser cumprida, não esqueçamos. O resto é tratar o errado como certo. Clique aqui para mais informações.

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  • Brave

    é advogado especialista em Direito Previdenciário. Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-RS e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

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