IN DUBIO PRO REO

Sem provas de que réu sabia de deficiência mental, TJ-RS o absolve por estupro

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3 de dezembro de 2020, 21h59

A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa para exercer seus direitos sexuais e reprodutivos, como aponta o inciso II do artigo 6º do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15). Assim, em caso de denúncia de estupro, não se pode presumir que a vítima, se maior de idade, seja incapaz de consentir com o ato sexual.

123RF
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Com este entendimento, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul absolveu um vereador, denunciado e condenado no primeiro grau por manter relações sexuais com uma mulher diagnosticada com retardo mental moderado (Código Internacional de Doenças — CID 10 F.71.1). Desta relação, resultou um filho, reconhecido pelo pai, que paga pensão alimentícia.

Para o colegiado, as informações disponibilizadas nos autos não permitem concluir, com segurança, se a "ofendida" tinha ou não capacidade para consentir com os atos sexuais à época dos fatos — aliás, ela nem foi questionada sobre isso no processo. Também não é possível afirmar que o réu tinha conhecimento sobre a deficiência mental dela.

Com o in dubio, pro reo, os desembargadores deram provimento à apelação criminal. O réu restou absolvido com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (CPP) — falta de provas para amparar a condenação.

O acórdão foi lavrado na sessão telepresencial de 10 de setembro. Em 6 de novembro, o Ministério Público gaúcho protocolou recurso especial no Superior Tribunal de Justiça, pedindo a reforma do julgado, já que o laudo pericial informa que a vítima não tinha condições de gerir os atos da vida civil.

Condenação por estupro de vulnerável
No primeiro grau, o juízo de origem julgou procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público gaúcho. O réu foi incurso nas sanções do artigo 217-A, parágrafo 1º, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal — fazer sexo, de forma continuada, com deficiente mental. A conduta do denunciado também feriu o artigo 1º, inciso VI, da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) — estupro de pessoa vulnerável.

"O que se percebe, pela análise do laudo pericial, é que a incapacidade de gerir e distinguir o ato sexual torna a prática sexual com a ofendida uma relação de abuso, logo, estupro, pois não possui o necessário discernimento para tanto, o que fica notório pelo próprio depoimento prestado, em juízo, pela ofendida. Assim, o laudo pericial é prova apta a atestar a incapacidade da vítima", resumiu a sentença o julgador de origem.

O réu acabou condenado à pena de prisão pelo período de dez anos e seis meses, em regime fechado, e à perda do mandato eletivo.

Apelação ao Tribunal de Justiça
O relator da apelação criminal na 6ª Câmara Criminal do TJ-RS, desembargador João Batista Marques Tovo, reformou a sentença condenatória. Ele destacou fragmentos dos depoimentos da irmã e de um vizinho da "ofendida" em juízo. Estes afirmaram que ela tinha "conversa normal", "sempre teve namorados e outros dois filhos (um morreu no parto)", que "cortava lenha, lavava roupa, limpava a casa, cozinhava" e que "sempre trabalhou normal". Logo, para o relator, não há elementos para desautorizar a palavra do réu, que sempre negou desconhecer esta deficiência.

Após citar o dispositivo que garante ao deficiente o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos (inciso II do artigo 6º do Estatuto da Pessoa com Deficiência), Tovo observou que o gozo destes direitos pode trazer dificuldades inerentes a esta condição — como necessitar de auxílio para cuidar de uma criança. Entretanto, as dificuldades não justificam a supressão do "exercício legítimo" destes direitos, pois existem meios de evitar a concepção de uma criança.

"É dizer: em regra, o deficiente é plenamente capaz para todos os atos, a exceção devendo ser provada de maneira específica", fulminou o desembargador-relator ao prover a apelação.

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