Prática Trabalhista

O anteprojeto de lei do trabalho remoto no Brasil

Autor

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

3 de dezembro de 2020, 8h02

A abertura deste breve texto está ligada à futura novidade legislativa que está em fase final de elaboração por um grupo técnico de estudiosos formado por advogados, magistrados, professores, auditores fiscais do trabalho e membros do Ministério Público do Trabalho de todo o país. Pautado no Ofício nº 350/2020, do gabinete do deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB/SP), necessária se faz a elaboração de um anteprojeto de lei que deve regulamentar as relações laborais advindas da adoção do trabalho remoto.

Com efeito, é cediço que a decretação do estado de calamidade pública decorrente do novo coronavírus fomentou, em larga escala, o sistema do trabalho remoto, que, há tempos, sempre foi sinônimo do chamado home office, mas que, por força da Lei da Reforma Trabalhista, ganhou maiores e mais complexos contornos com a criação da figura do teletrabalho.

E sem adentrar no mérito da então Medida Provisória nº 927, que, à época do início da pandemia, trouxe um forçoso disciplinamento do trabalho remoto no país, mas que acabou perdendo vigência por não ter sido convertida em lei ordinária pelo Parlamento, fato é que, salvo os artigos normativos da Consolidação das Leis do Trabalho — CLT (artigo 6º e parágrafo único home office; e artigos 62, III, c/c 75-A até 75-E – teletrabalho) , não há legislação específica no Brasil que regulamente, em sua inteireza, os efeitos da prestação de serviços ocorrida à distância.

Bem por isso, indiscutível que as diversas consequências jurídicas resultantes da transferência, do dia para noite, de milhares de trabalhadores dos seus locais nas empresas para suas casas, por força da pandemia da Covid-19, não estão disciplinadas pelo atual ordenamento jurídico brasileiro. Isso obrigou, em certa medida, à promoção e à viabilização de negociações coletivas para trazer um mínimo de segurança jurídica a essas consequências, como também a adoção de normas internas contratuais pelas empresas, tudo em prol da busca de uma mínima previsibilidade jurídica para respaldar decisões que afetam, diária e diretamente, as relações laborativas entre empregados e empregadores.

Acontece, porém, que a esmagadora maioria dos empregadores brasileiros, por fazer parte do grupo dos micros e pequenos empresários, não teve sequer mínimas condições de negociar com o sindicato da categoria profissional, muito menos foi correta e adequadamente orientada de como proceder com a situação excepcional instaurada pelo coronavírus, que impactou, decisivamente, a própria continuidade das atividades empresariais.

Justamente neste atual cenário de crise das relações laborativas é fundamental perquirir acerca de uma legislação ordinária que traga diretrizes, ainda que básicas, que sirva de auxílio ao empresariado brasileiro e, de igual sorte, estabeleça condições que respeitem os direitos básicos desses empregados que fizerem de seus lares os novos ambientes de trabalho.

Nesse sentido, questões afetas a jornada de trabalho e seu respectivo controle, ergonomia, saúde e segurança, medicina e as doenças ocupacionais v.g., acidentes residenciais e a síndrome de burnout —, tudo isso exige uma postura mais ativa do Congresso Nacional em parametrizar aludidas relações jurídicas. Logo, custos com a implementação do trabalho remoto, instrumentos a serem utilizados, material de apoio, responsabilidades e obrigações das partes contratantes do pacto laboral, entre outras tantas problemáticas, são apenas facetas de complexas relações trabalhistas que estão sendo impactadas pelo uso das novas tecnologias.    

De mais a mais, não se pode fechar os olhos no sentido de que parcela das grandes empresas adotará, em caráter definitivo e permanente, esse novo regime de trabalho a distância que veio para ficar em algumas atividades profissionais e segmentos empresariais. Afinal, a redução de custos operacionais pelas empresas, aliada a uma melhor autonomia e produtividade dos colaboradores, é exemplos de que, pós-pandemia, espera-se uma dinâmica distinta do modelo tradicional de trabalho até então praticado.

Bem por isso, urge ser oportuno e necessário que o país tenha uma legislação que possa estar à frente do seu tempo, mostrando-se compatível com um novo mundo que, aliás, num futuro próximo, trará a implementação de regras para o 5G e para a expansão da internet das coisas (IoT).

Portanto, a existência de um regramento próprio do trabalho remoto é medida que se impõe, seja com o aperfeiçoamento do home office e do teletrabalho, seja com a criação novos institutos que possam regulamentar, de forma pormenorizada e com todas as suas particularidades, os direitos e as obrigações existentes entre patrões e empregados quando o assunto, doravante, for a prestação de serviços a distância.

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP; professor de Direito do Trabalho da FMU; especialista nas Relações Trabalhistas e Sindicais; organizador do e-book digital "Coronavírus e os Impactos Trabalhista" (Editora JH Mizuno); coordenador do e-book "Nova Reforma Trabalhista" (Editora ESA OAB/SP, 2020); organizador das obras coletivas "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr, 2019) e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" (Editora JH Mizuno, 2019); coordenador do livro digital "Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões" (Editora Eduepb, 2018); palestrante e instrutor de eventos corporativos "in company” pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe.

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