Animal sacrificado

STJ vai julgar proibição de prova de rodeio com bezerros em Barretos

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2 de dezembro de 2020, 13h59

O Superior Tribunal de Justiça vai julgar se a prova conhecida como "bulldog", que ocorre na Festa do Peão de Barretos com uso de bezerros, ofende as leis federais que proíbem abuso e maus-tratos contra animais e o uso de apetrechos que causem injúrias ou ferimentos.

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Prova em 2011 culminou com bezerro tetraplégico e sacrifício autorizado por veterinário sem registro profissional

A matéria foi decidida por maioria pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em novembro de 2019. Na sexta-feira (27/11), a ministra Regina Helena Costa, da 1ª Turma, deferiu pedido do Ministério Público paulista para determinar a tramitação do recurso especial. A admissibilidade ainda será analisada.

Na ação, o MP pede que o clube Os Independentes, organizador da maior festa do Peão da América Latina, seja proibido de promover, realizar e permitir a prova e tampouco quaisquer ações voltadas à preparação ou treinamento de animais para uso em eventos da modalidade.

O órgão sustenta que a legislação federal não permite a utilização de apetrechos ou instrumentos que causem injúria ou sofrimento animal, segundo o artigo 4º da Lei 10.519/2002. E que embora a norma se refira a rodeio, a vedação não admite qualquer flexibilização, até porque não há exceção à proibição constitucional de maus tratos aos animais.

Na prova de "bulldog", um bezerro é solto na arena e peões em cavalos disputam quem consegue derrubar e imobilizar o animal apenas com a força dos braços. Ela é expressamente permitida por lei federal: é considerada "expressão artísticas e esportivas do rodeio" no artigo 3º da Lei 13.364/2016.

A ação conta com duas entidades como interessadas: Vegetarianismo Ético, Defesa dos Animais e Sociedade (Veddas) e a organização não-governamental Olhar Animal.

Gerardo Lazzari/Divulgação
Pedido do MP é para que Festa de Peão de Barretos não promova a prova com bezerros
Gerardo Lazzari/Divulgação

Bezerro tetraplégico
O episódio que levantou a discussão sobre a legalidade da prova de "bulldog" ocorreu na Festa do Peão de Barretos em 2011, quando um garrote sofreu ferimento na coluna cervical e foi sacrificado. O caso foi denunciado ao MP pela advogada Fernanda Tripode, que hoje defende a ONG Veddas, e a ação civil pública foi ajuizada depois da conclusão de um inquérito civil.

Na ocasião, o bezerro foi atendido por um médico veterinário que estava com inscrição cancelada junto ao Conselho Regional de Medicina Veterinária. Ele concluiu que o animal sofreu lesão cervical e limitação parcial dos movimentos voluntários dos membros, que evoluiria para paralisia total. Em 40 minutos, decidiu sacrificar o animal.

Em primeiro grau, o juízo da 2ª Vara Cível de Barretos deu provimento à ação para proibir a prova em Barretos. A 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do TJ-SP reformou a decisão por considerar que o sacrifício "constituiu evento único no país e, segundo o apurado, decorrente de erro do peão na realização da manobra durante a realização da referida prova".

O voto vencedor indica que não se pode impedir a prova, embora ela deva se submeter ao regramento que proíbe quaisquer maus tratos e sofrimentos aos animais. Além da ausência de proibição ou vedação constitucional, eventos desse tipo atraem renda para o estado, gerando empregos e "todos os benefícios daí derivados".

STJ
Ministra Regina Helena Costa é a relatora do recurso especial na 1ª Turma do STJ
STJ

O recurso especial
No STJ, o MP destaca que, se nem mesmo para fins científicos ou didáticos práticas cruéis ou que causem sofrimento aos animais são permitidas, é de se concluir que tais práticas também são reprimidas em se tratando de eventos esportivos ou de entretenimento.

E aponta que, ainda que haja carga cultural, a vedação da crueldade contra animais no âmbito infraconstitucional seja considerada uma norma autônoma, para que os animais não sejam reduzidos à mera condição de elementos do meio ambiente.

O recurso cita jurisprudência das cortes superiores, que por vezes enfrentaram o confronto entre proteção ambiental e manifestação cultural. Quando enfrentou contestações de leis regulamentando a farra do boi, a briga de galo e a vaquejada, o Supremo Tribunal Federal as considerou inconstitucionais.

Em alguns casos, elas não deixaram de ser feitas, no entanto. Em 2016, o ministro Teori Zavascki negou seguimento a uma reclamação ajuizada contra decisão da 2ª Vara da Fazenda Pública de Teresina que manteve a vaquejada na programação da 66ª Exposição Agropecuária.

A decisão indicou que, ao julgar a lei cearense que regulamentava a prática e defini-la inconstitucional, o Supremo Tribunal Federal não proibiu a vaquejada no país. Foi pouco depois que a vaquejada e a prática do "bulldog" foram reconhecidas como manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial pela Lei 13.364/2016.

Há ainda, em tramitação, duas ações diretas de inconstitucionalidade que tratam da Emenda Constitucional 96/2017, que deu sinal verde a práticas desportivas com bichos, quando consideradas manifestações culturais — como as que define a Lei 13.364/2016.

Uma das ações foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, e a outra pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal. Há manifestação desfarável à pretensão pela Advocacia-Geral da União. A relatoria da ADI 5.772 é do ministro Luís Roberto Barroso e da ADI 5.728, do ministro Dias Toffoli.

AResp 1.729.659

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