Opinião

Supremo deve analisar tese sobre empregada temporária gestante

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2 de dezembro de 2020, 9h12

Em 18/11/2019, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, ao julgar o incidente de assunção de competência (IAC nº 2, processo nº 5639-31.2013.5.12.0051), fixou a seguinte tese: "É inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei nº 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias".

Contudo, tendo em vista a relevância da matéria constitucional tratada no incidente, causou estranheza a existência de apenas um único recurso extraordinário interposto em face do acórdão do Pleno do TST, o qual aguarda apreciação de sua admissibilidade pela vice-presidência do tribunal. A esse respeito, debruça-se o presente artigo na análise dos aspectos processuais e constitucionais trazidos à baila pelo recurso.

Nesse diapasão, em que pese o código de processo civil não preveja expressamente o cabimento de recurso extraordinário em face de tese firmada em IAC, certo é que o não cabimento outorgaria caráter de definitividade à decisão do TST, em clara afronta à competência em matéria constitucional conferida ao Suprema Tribunal Federal pela carta magna.

Essa concepção é reforçada pelo próprio regimento interno do TST, o qual prevê que o incidente de superação e revisão dos precedentes firmados por meio da sistemática de recursos repetitivos, de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas não poderá ser instaurado em prazo inferior a um ano, a contar da publicação da decisão que firmou o precedente vinculante, salvo alteração na Constituição da República ou na lei que torne inadequado o entendimento firmado pelo TST.

Logo, não se mostra plausível submeter a parte alcançada pela tese firmada em IAC, à espera da aplicação do entendimento fixado pelo TST nos processos sobrestados que ainda tramitam em instância inferior, principalmente porque a tese é de observância obrigatória e, antes de questioná-la diretamente ao STF, seria necessário recorrer ao TST, sob pena de supressão de instância, apesar do mesmo já ter se manifestado sobre o assunto, o que vai de encontro ao que louva o princípio da razoável duração do processo.

Dessarte, como fundamento do recurso extraordinário, invocou-se o artigo 102, III, "a") da Constituição Federal, o qual atribui competência ao STF para julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida contrariar dispositivo constitucional. Nesse sentido, conforme explicitado alhures, não seria possível recorrer diretamente ao STF da decisão do Tribunal Regional do Trabalho que aplica a tese firmada em IAC pelo TST, porquanto não se estaria diante de decisão proferida em última instância.

Ademais, considerou-se ainda o entendimento doutrinário acerca da existência de um microssistema de formação de precedentes qualificados. Conforme preleciona Leonardo Carneiro da Cunha e Fredie Didier Jr., "existe um microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios, formado pelo incidente de assunção de competência e pelo julgamento de casos repetitivos. Suas respectivas normas intercomunicam-se e formam um microssistema, garantindo unidade e coerência".

De tal sorte, os institutos do IRDR e do IAC tratam sobre questões unicamente de direito e privilegiam os princípios da segurança jurídica, da isonomia e da razoável duração do processo, tendo como principal diferença a utilização do IRDR para situações em que há efetiva repetição de processos, enquanto o IAC pode ser manejado para solver controvérsias de grande repercussão social.

Do exposto, infere-se ser possível a aplicação dos dispositivos previstos ao IRDR ao IAC, porquanto ambos são precedentes qualificados e fazem parte de um microssistema. Essa tese é reforçada quando analisamos, por exemplo, a aplicabilidade dos incidentes como fundamentos para a improcedência liminar do pedido; para a dispensa da remessa necessária; para o julgamento de recurso monocraticamente pelo relator; para a dispensa da exigência de caução no cumprimento provisório; para o cabimento de reclamação; dentre outros.

Com base nesse entendimento, parece razoável a aplicação de dispositivos legais concernentes ao IRDR, o qual é melhor detalhado pelo CPC, sendo perfeitamente aplicável ao caso concreto o artigo 987 do código processual, que além de prever o cabimento de recurso extraordinário do julgamento do mérito do IRDR, ainda confere ao mesmo efeito suspensivo ope legis e a presunção de repercussão geral, por considerar a relevância dos precedentes qualificados, entre eles o IAC.

Sendo cabível, em tese, recurso extraordinário para questionar o acórdão do pleno do TST, que por meio de um processo subjetivo afetado para julgamento em sede de IAC, fixou tese de caráter vinculante, a qual será aplicada em todo o território nacional, indaga-se acerca da legitimidade e interesse recursal. Será que apenas as partes componentes do processo subjetivo possuem legitimidade?

Para essa pergunta, faz-se necessária realizar nova analogia relativa aos institutos do IRDR e do IAC, considerando que possuem legitimidade e interesse todos aqueles que tiveram seus processos suspensos em decorrência de versarem sobre a mesma questão objeto do IRDR já instaurado. Assim dispõe o enunciado 94 do FPPC, in verbis:

"FPPC 94. (art. 982, § 4º; art. 987) A parte que tiver o seu processo suspenso nos termos do inciso I do art. 982 poderá interpor recurso especial ou extraordinário contra o acórdão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas".

Quanto mérito do IAC, prevaleceu o voto divergente da ministra Maria Cristina Peduzzi, pois, ao realizar o distinguishing entre o caso concreto e o enunciado da Súmula 244 do TST, item III, explicou que somente um dos precedentes que fundamentaram o item III da súmula supracitada não se refere ao contrato de experiência, o qual tem disciplina na CLT e é diverso do contrato temporário, regido pela Lei 6.019/74. Ressaltou ainda:

"No contrato de experiência, existe a expectativa legítima por um contrato por prazo indeterminado. No contrato temporário, ocorre hipótese diversa – não há perspectiva de indeterminação de prazo".

A ministra ainda afirmou que o artigo 10, inciso II, alínea "b", do ADCT veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa, "o que não ocorre de forma visível nos contratos temporários, sempre celebrados a termo e que se extinguem pelo decurso do prazo neles fixado. Nem há presunção de continuidade, como nos casos de experiência. O vínculo temporário finda pelo decurso do prazo máximo previsto na Lei 6.019/74 ou pelo fim da necessidade transitória da substituição de pessoal regular e permanente ou acréscimo de serviço".

A despeito da tese vencedora, no que tange ao aspecto constitucional, infere-se que mesma destoa do entendimento dominante manifestado pelo STF, o qual vem atuando de forma a conferir máxima eficácia da norma constitucional que garante estabilidade provisória à gestante. Nessa esteira, percebe-se que existem precedentes do STF reconhecendo a estabilidade provisória "as gestantes quer se trate de servidoras públicas, quer se cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime jurídico a elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de natureza contratual (CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de confiança ou, ainda, as contratadas por prazo determinado, inclusive na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição, ou admitidas a título precário têm direito público subjetivo à estabilidade provisória", não sendo razoável excluir desse entendimento as trabalhadoras regidas pela Lei nº 6.019/74.

Outrossim, em que pese as particularidades do contrato de trabalho temporário, tal como "o atendimento à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços", não subsistem razões para que a trabalhadora regida pela Lei nº 6.019/74 seja excluída da proteção constitucional mencionada no artigo 10, II, "b", do ADCT, porquanto o legislador não previu tal exclusão na lei, tampouco há qualquer ressalva no texto constitucional.

Essa restrição criada pelo TST mostra-se em desacordo com a CLT, uma vez que a estabilidade provisória da gestante aplicável à empregada contratada temporariamente nos termos da Lei nº 6.019/74 se constitui em risco inerente do exercício da atividade econômica, o qual deve ser suportado pelo empregador, sendo vedada a sua transferência para o empregado.

Em verdade, constata-se ainda que a tese fixada pelo TST representa retrocesso no que tange aos direitos sociais, porquanto os mesmos devem ser analisados na perspectiva do reconhecimento e consolidação de direitos, de modo que uma vez reconhecido determinado direito como fundamental na ordem interna, ou, em sua dimensão global na sociedade internacional, inicia-se a fase de consolidação, não havendo mais como o Estado regredir ou retroceder diante dos direitos sociais reconhecidos.

A partir daí, verifica-se o nascimento do chamado "efeito cliquet" dos direitos sociais, o qual preconiza que os direitos não podem retroagir, só podendo avançar nas proteções dos indivíduos. No Brasil esse efeito é conhecido como princípio da vedação do retrocesso, ou seja, os direitos sociais só podem avançar. Esse princípio, de acordo com Canotilho, significa que é "inconstitucional qualquer medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos capazes de compensar a anulação desses".

Assim, sobre o prisma constitucional, é possível que a tese fixada pelo TST seja considerada inconstitucional, uma vez que implicaria inegável retrocesso do direito social referente à estabilidade provisória garantida à gestante pela Constituição Federal, porquanto restringe o seu alcance à empregada regida pelo contrato temporário previsto na Lei nº 6.019/74.

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