Opinião

Vestida de branco para votar e ser votada

Autores

  • Ana Terra Teles de Meneses

    é advogada doutoranda em Direito no UNICEUB mestra em Direito pela Universidade Federal de Sergipe especialista em Direito de Família e Sucessões pós-graduada em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá funcionária pública federal e professora de graduação e de pós-graduação.

  • Raquel Xavier Vieira Braga

    é advogada em Brasília doutoranda pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e mestra em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

1 de dezembro de 2020, 9h12

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, vestida de branco, subiu no palco para discursar após a vitória do democrata Joe Biden na cidade de Wilmington, do Estado norte-americano Dalaware. Qual o significado do branco? É a referência ao movimento sufragista feminino e também dá continuidade ao ritual simbólico adotado pela primeira mulher afro-americana eleita para o Congresso, em 1968.

O primeiro país a reconhecer o direito ao sufrágio feminino foi a Nova Zelândia, em 1893. Na sequência, foi fundada a União Nacional pelo Sufrágio Feminino na Inglaterra, capitaneada por Millicent Fawcett (1847-1929). Em 1903, entra em cena a ativista britânica Emmeline Pankhurst (1858-1928), fundadora da União Social e Política das Mulheres.

Com as perdas decorrentes da Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra precisou como nunca da força das mulheres para se reerguer, a economia necessitava ser impulsionada pelas mulheres, já que os postos de trabalho até então masculinos — exceto o trabalho de telefonista — estavam vagos. A mulher sai de casa e ocupa as ruas, se introjeta na vida pública.

No Brasil, na primeira década do século XX as mulheres reivindicavam o direito de voto. As pioneiras foram a advogada Myrthes de Campos (1875-1965), primeira mulher a ingressar na Ordem dos Advogados do Brasil, e a professora Leolinda Daltro (1859-1935), fundadora do Partido Republicano Feminino, em 1910. As duas tiveram seus pedidos negados, mas plantaram a semente do sufrágio feminino.

Foi em 1927, em Mossoró, Rio Grande do Norte, que aconteceu a primeira concessão de voto à mulher, fruto das reivindicações femininas por igualdade social lideradas — em âmbito nacional — pela bióloga paulista Bertha Lutz (1894-1976), sendo a professora Celina Guimarães Viana (1890-1972) a primeira brasileira a possuir título de eleitor. Ela exerceu seu direito ao voto em 5 de abril de 1928. O artigo 77 das Disposições Gerais do Capítulo XII da Lei estadual nº 660/27, determinava que "no Rio Grande do Norte poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei". No mesmo Estado, em 1928, Luíza Alzira Soriano Teixeira Soriano (1897-1963) foi a primeira prefeita — na cidade de Lajes — eleita no Brasil e em toda a América Latina.

As mulheres conquistaram, em todo o território nacional, o direito de votar e serem votadas em 1932, nos primeiros anos do governo de Getúlio Vargas, através do Decreto nº 21.076, que permitiu o voto feminino, efetivamente consolidado na Constituição de 1934, mesmo ano em que a primeira mulher foi eleita deputada federal, a médica e escritora Carlota Pereira de Queirós (1892-1982).

Surge a seguinte indagação: daí para frente muita coisa mudou? Nem tanto! A primeira senadora do Brasil foi a professora Eunice Michiles, só em 1979. 

A expansão da presença da mulher na arena política não ocorreu espontaneamente. Em decorrência de pressões internacionais, o Brasil implementou a reserva de vaga de candidatura por gênero. Em 29 de setembro de 1995, foi promulgada a Lei nº 9.100, a qual estabelecia normas para a realização das eleições municipais de 3 de outubro de 1996. O §3º do artigo 11 da referida lei, determinou que 20% — no mínimo — das vagas de cada partido ou coligação deveriam ser preenchidas por candidaturas de mulheres.

Em setembro de 1997, a Lei nº 9.504 expandiu a previsão de cotas para Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais, bem como ampliou o percentual mínimo para 30% das candidaturas. Visando a corrigir uma interpretação que não garantia a cota mínima, foi promulgada em 2009 a Lei nº 12.034, que estabeleceu nova redação para o §3º do artigo 10 da Lei nº 9.504, qual seja, "do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo".

Importante ressaltar que em diversos municípios os partidos não cumpriram a cota legal de reserva de vaga nas eleições fr 2020. Dos 33 partidos brasileiros, apenas três (UP, PSC e Novo) observaram a cota em todos os municípios que lançaram candidaturas e quatro partidos descumpriram as cotas em mais de 135 cidades (PP em 144, MDB em 143, PSD em 138 e PT em 137).

Ocorre que a reserva de vagas também tem se mostrado insuficiente para que mulheres concorram em condições de igualdade com os homens. Muitos partidos não destinam verbas para as candidaturas femininas ou as destinam em quantidade insuficiente e muito próximo ao dia da votação, quando não são mais eficazes para reverter as tendências do pleito.

Diante disso, mesmo com a reserva de candidaturas, as mulheres representam apenas 15% da Câmara de Deputados (em 2018 foram eleitas 77 deputadas federais das 513 cadeiras) e 14,8% do Senado Federal (atualmente são 12 senadoras das 81 vagas). Ademais, representam 15,49% dos deputados estaduais. Outrossim, nas eleições de 2020, as vereadoras eleitas constituem apenas 16% do total de vagas e somente 12% dos prefeitos eleitos no primeiro turno são mulheres. No segundo turno, das 57 vagas, apenas sete foram ocupadas por mulheres, ou seja, um pouco mais de 10%. Dessa forma, a partir de 2021, só uma capital será comandada por uma prefeita, Palmas, a qual foi reeleita ainda no primeiro turno. Ressalta-se que a votação foi adiada em Macapá devido ao apagão.

Quanto ao governo dos Estados e do Distrito Federal, em 1990 o país não elegeu nenhuma candidata ao cargo, tendo elegido uma governadora nos anos de 1994, 1998, 2014 e 2018; duas em 2002 e 2010 e três em 2006. O país possui atualmente apenas uma governadora, o que representa menos de 4% das vagas disponíveis.

A situação é ainda mais alarmante quando constatamos que as mulheres representam 52,5% do eleitorado brasileiro. Com apenas 15% das vagas preenchidas por mulheres, segundo o ranking da Inter-Parliamentary Union, IPU, o Brasil ocupa a posição 141 (entre 193 países pesquisados) em representação feminina no Parlamento, atrás de países como Ruanda, Bolívia, Moçambique e Afeganistão, os quais possuem 61,3%, 53,1%, 42,4% e 27% das vagas ocupadas por mulheres, respectivamente. Na vida política brasileira, 7,1% das mulheres ocupam cargos ministeriais e a participação feminina nos cargos gerenciais em posição de liderança — tanto no setor público quanto no privado — é de 39,1% [1].

Como solucionar a sub-representatividade feminina? Alguns defendem que a aplicação de sanções mais severas seria essencial, alertando que meras recomendações não são suficientes para alterar a postura dos partidos brasileiros. Outros advogam não somente pela ampliação da cota de candidatas femininas, mas também pela reserva de assentos no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais.

A caminhada ainda é longa. Não se deve medir esforços para dar continuidade ao legado de nossas heroínas que destrancaram a chave da porta do protagonismo na vida política para as próximas gerações do gênero feminino. Ainda é preciso abrir toda a porta, mantê-la escancarada e ocupar os cômodos da casa pública, ao lado dos colegas do gênero masculino e em pé de igualdade com eles. No guarda-roupa dos quartos dessa casa há várias roupas brancas aguardando um corpo feminino que lhes dê vida e utilidade.

 


[1] Dados do IBGE referentes ao ano de 2019: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf Acesso em 27/7/2020.

Autores

  • é advogada, doutoranda em Direito no UNICEUB, mestra em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, especialista em Direito de Família e Sucessões, pós-graduada em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá, funcionária pública federal e professora de graduação e de pós-graduação.

  • é advogada em Brasília do escritório Marcelo Leal Advogados Associados, doutoranda em Direito no UNICEUB, mestra em direito pela UFRGS, especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas em Porto Alegre e em Direito Empresarial pela UFRGS.

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