Retrospectiva 2020

2020, o ano da Lei 'anticrime'

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1 de dezembro de 2020, 10h01

Não há dúvidas de que 2020 marcará a memória coletiva como um ano atípico na história recente, tendo em vista a pandemia do Covid-19 e as medidas de isolamento dela decorrentes. Nesse período, a vida social se reorganizou a privada, idem com reflexos que se farão sentir por bastante tempo.

Paralelamente a esses acontecimentos — o adoecimento e a morte de parcela da população, a recessão econômica, o desemprego, a crise política —, desenrolou-se no Brasil uma mudança de paradigmas que, embora em curso, tem restado oculta ao observador desatento.

Essa transformação gestada na Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como lei "anticrime'  revela-se de maneira gradual e firme no combate à criminalidade, com avanços que podem ser apontados às vésperas de seu primeiro aniversário.

Uma das severas críticas ao sistema penal refere-se à sua incapacidade de punir exemplarmente os infratores: quando condenados e presos de fato, poucos permanecem encarcerados o que estimula a reincidência na conduta delitiva.

Por conseguinte, merece loas a iniciativa do legislador que aumentou o limite da pena máxima de prisão de 30 para 40 anos, em consonância com o crescimento da expectativa de vida dos brasileiros, conforme dados do IBGE. Nessa conjuntura, os riscos derivados do delito maximizam-se, reduzindo a atratividade da recompensa almejada pelos criminosos.

Ainda que, a princípio, pareça paradoxal, a consequência derradeira da majoração do prazo para cumprimento da pena em regime fechado será a redução do contingente carcerário, posto que menos pessoas estarão dispostas a passar mais tempo atrás das grades.

Aliás, a criação de mecanismos alternativos para a resolução de conflitos que não enveredem pelo processo judicial tradicionalmente moroso e nem sempre satisfatório foi outra constante da lei "anticrime", a qual consagrou, dentre as providências mais relevantes, a possibilidade da "não persecução", penal e civil.

Em ambos os casos, ao invés de se investir em lentas e dispendiosas batalhas nos tribunais, privilegia-se a célere reparação do dano: o responsável confessa a culpa e se compromete a compensar os prejuízos provocados, sem a obrigação de firmar a colaboração a qual, por vezes, intimida o acusado interessado em elucidar as práticas ilegais.

Com o descongestionamento do Judiciário, demandas não solucionáveis por outras vias crimes hediondos, por exemplo passam a tramitar com maior agilidade, garantindo uma prestação jurisdicional mais adequada às necessidades dos cidadãos; afinal, a Justiça que tarda é falha pela própria natureza.

Ao longo de 2020, o Ministério Público celebrou aproximadamente 10 mil acordos de não persecução penal. O índice comprova não só a efetividade do dispositivo como a conveniência de, mais uma vez, debatermos o plea bargain ferramenta que, dada a sua amplitude, aprofundará o êxito de uma justiça criminal implementada de modo negocial.

A lei "anticrime" também promoveu alterações na Lei de Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), que trata da colaboração premiada. Agora, o magistrado que homologa o acordo firmado entre o proponente e o Ministério Público já verifica o mérito dos depoimentos e das provas arroladas, de forma a evitar que delações frágeis ensejem benefícios indevidos a investigados.

Ao contrário do que havia se tornado comum na época das operações espetaculosas da Polícia Federal, com a vigência da nova legislação, registrou-se um declínio nas ações cautelares sustentadas exclusivamente na palavra do delator, porquanto prisões, buscas e apreensões só podem ser determinadas e o processo judicial, aberto se presentes elementos comprobatórios das transgressões imputadas.

A despeito da quarentena imposta em grande parte do país, que paralisou parcialmente o Judiciário e levou à adoção de iniciativas então inéditas as quais infundiram certa apreensão no começo o saldo de 2020, do ponto de vista da edificação do Estado de Direito, remanesceu positivo. Cumpre aprofundá-lo nos dias que se seguem.

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