Opinião

O Enunciado nº 7 da I Jornada de Direito Administrativo e a Lei nº 8.429/92

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do grupo de pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

31 de agosto de 2020, 6h04

No início do mês de agosto do ano em curso, foi realizada a I Jornada de Direito Administrativo, destinada a discutir temas atuais e controvertidos acerca do Direito Administrativo, através da apreciação por seis comissões de trabalho, sob a presidência dos ministros do Superior Tribunal de Justiça Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina e do desembargador federal João Batista Gomes Moreira.

Os enunciados têm a função de uniformizar os debates acerca de temas atuais do Direito, além de esclarecer e explicar pontos divergentes, como meio de proporcionar segurança jurídica às relações travadas pela sociedade.

Entre os enunciados, foi aprovado o Enunciado nº 7, decorrente da proposta 2701, segundo o qual "configura ato de improbidade administrativa a conduta do agente público que, em atuação legislativa lato sensu, recebe vantagem econômica indevida" [1].

Pela leitura do enunciado acima mencionado, o agente público que recebe vantagem indevida para atuar na seara legislativa comete ato de improbidade administrativa.

Primeiramente é importante observar que, como o enunciado se refere de forma genérica à atuação legislativa, estariam englobadas todas as espécies normativas, inclusive portarias, ordem de serviços, entre outras. De igual modo, o enunciado também não se traz especificação quanto à questão da competência ou finalidade.

Para que uma conduta seja tipificada como ato de improbidade administrativa, se faz necessário, primeiramente, que conste entre as previstas entre nos artigos 9º, 10 ou 11 da Lei nº 8.429/92, ou viole os princípios constitucionais administrativos, tendo em vista que as condutas previstas no referido artigo 11 são apenas exemplificativas, respeitado o princípio da tipicidade.

Nesse sentido, ainda que o enunciado aprovado busque uniformizar os entendimentos e, através disso, propiciar segurança jurídica às relações estabelecidas, especialmente as relações travadas com a Administração Pública, o referido instrumento não pode, ainda que a título explicativo, descrever uma nova modalidade de conduta que possa ser configurada como ato de improbidade administrativa, sob pena de ferir princípios constitucionais, entre eles, o princípio da legalidade.

Assim, ainda que não seja vinculante e a título explicativo, o Enunciado nº 7 não tem o condão de dizer o que seria o ato de improbidade administrativa em razão de atuação legislativa, isso porque todas as condutas previstas como atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito já estão descritas no artigo 9º da Lei nº 8.429/92.

Corroborando com tal conclusão, é possível verificar, pela leitura do artigo 9º, que nenhuma das condutas previstas em seus incisos contemplam hipótese de atuação legislativa do agente público como modalidade de ato de improbidade administrativa, razão pela qual não pode vir a ser enquadrada no rol dos atos de improbidade previstos no referido dispositivo legal, sob pena de ferir os princípios da legalidade e da tipicidade, isso porque não se limita a um detalhamento de uma conduta já prevista, mas de uma inovação.

No entanto, é certo dizer que tal conduta, ainda que não possa ser enquadrada nas previsões contidas no artigo 9º da Lei n.º 8.429/92, pode ser, eventualmente, considerada como um ato de improbidade administrativa que viola os princípios constitucionais administrativos que violam a lei, nos termos do 11, I da Lei n.º 8.429/92.

Dessa forma, diante do quadro exposto, pode-se então concluir que a utilização do Enunciado nº 7 da I Jornada de Direito Administrativo não pode ser enquadrada no rol contido no artigo 9º da Lei nº 8.429/92 ante a ausência de definição legal para tanto, sem prejuízo da conduta ser considerada como violadora de princípios constitucional administrativo, o que, embora também autorize a condenação por ato de improbidade administrativa, traz consequências diversas, tendo em vista que as sanções aplicáveis em razão da prática de ato de improbidade administrativa em face de enriquecimento ilícito são mais severas do que as sanções previstas nos casos da imputação de ato de improbidade administrativa por violação a princípio constitucional administrativo.

Autores

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    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, professora de Direito Constitucional e Administrativo da Escola de Magistratura do Distrito Federal–ESMA, especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina–UNISUL e mestranda em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília–UNICEUB.

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