Opinião

Algumas considerações sobre o caso WhatsApp vs. Yacows

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31 de agosto de 2020, 18h11

No mês de abril deste ano, a sociedade norte-americana WhatsApp Inc ingressou em juízo contra as empresas Yacows, Kiplix, Deep Marketing e Maut [1] com a alegação de prática de condutas proibidas pelos termos de serviço da plataforma, além de violação de leis de propriedade intelectual (Lei nº 9.279/1996, Lei nº 9.610/1998 e Lei nº 9.609/1998) e legislação eleitoral, alegando que elas estariam oferecendo, de forma desautorizada, serviços de disparo de mensagens em massa por meio da ferramenta WhatsApp.

Cumpre esclarecer que, apesar de o WhatsApp prestar serviço de envio de mensagens privadas entre indivíduos ou pequenos grupos, a regulamentação [2] do Tribunal Superior Eleitoral proíbe, expressamente, o uso da ferramenta para o envio de mensagens em massa. Vale observar que apesar, de a prática de serviços de disparos em massa não ser, per se, ilegal no Brasil, o TSE vetou o uso desse recurso durante as campanhas eleitorais.

O caso chamou a atenção do WhatsApp quando, em outubro de 2018, as empresas Yacows, Kiplix e Deep Marketing foram alvo de uma série de reportagens em jornais que noticiaram o envio de mensagens em massa para campanhas eleitorais daquele ano, por meio da referida ferramenta.

Ainda foi divulgado que esses disparos em massa também usavam bases de dados de terceiros, prática ilegal de acordo com a legislação eleitoral (Resolução n. 23.610 de 2019, artigo 34), tendo em vista a necessidade de anuência do destinatário para o recebimento desse tipo de mensagens [3], assim como se verificou o uso indevido de sinais distintivos da plataforma no anúncio desses serviços pela Yacows.

Ciente das violações de direitos de propriedade intelectual (uso indevido de marca e de software) e de políticas da plataforma, e após o envio de notificações extrajudiciais com solicitações que não foram acolhidas, o WhatsApp Inc. identificou que a Yacows continuava oferecendo, em seu website, serviços de marketing digital vinculando a marca WhatsApp à promoção dos seus serviços, assim como utilizava ferramenta que violava a lei de software e de direitos autorais da empresa, o que a levou a ajuizar a ação em comento.

Nesse sentido, cabe destacar que, tratando-se de programa de computador, o aplicativo WhatsApp está protegido pela Lei de Software. Tal lei garante ao seu titular o direito de impedir terceiros de usar o software para finalidade incompatível com a destinação para a qual ele foi desenvolvido, ou seja, o usuário do aplicativo WhatsApp não poderá utilizar ou modificar a ferramenta para uma finalidade diversa da disposta em seus termos de serviço.

Dessa forma, a utilização do aplicativo para o envio de mensagens em massa, prática expressamente vedada pelos termos de serviço do WhatsApp, viola os direitos do seu titular, a saber a sociedade WhatsApp Inc., como estabelece o artigo 9º da Lei de Software, combinado com os artigos 7º, inciso XII, e 28º da Lei de Direitos Autorais.

Em relação à reprodução indevida de símbolos distintivos do WhatsApp pela Yacows, com o claro objetivo de promover e ofertar os serviços não autorizados na mencionada ferramenta, o WhatsApp Inc., buscando preservar a reputação e a integridade material de sua marca WhatsApp, requereu que a referida empresa se abstivesse de a utilizar, de forma indevida, quando do envio de mensagens em massa por meio do aplicativo.

À vista disso, e com base nos direitos e garantias da Lei da Propriedade Intelectual, especificamente relacionados à proteção marcária, a saber, artigos 130, 189 e 190, o pedido liminar do WhatsApp foi acolhido, embora sem a definição de multa diária por eventual descumprimento.

A ação ainda se encontra pendente de julgamento, mas vale observar que, apesar de a conduta da Yacows aparentemente também estar em desacordo com a legislação eleitoral, o pedido liminar foi concedido com base na violação de direitos de propriedade intelectual, uma vez que o juiz entendeu que, por meio das provas trazidas aos autos, mais especificamente dos registros válidos obtidos no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, entre outros documentos, haveria risco de relevante dano material, além de moral, para a empresa, uma vez que o impacto reputacional dessas práticas indevidas geram severos prejuízos para a imagem do WhatsApp e para tudo o que a marca representa e/ou possa vir a representar.

Nesse sentido, constata-se que proteger os ativos de propriedade intelectual constitui eficiente e efetivo instrumento de garantia de direitos para uma empresa que se sentir ameaçada por atos ilegais de terceiros, principalmente em casos que levantam discussões ainda muito incipientes.

Ainda, em razão do poder e do alcance dessas plataformas de comunicação digital (WhatsApp, Facebook, Telegram, Instagram, TikTok, YouTube etc.), elas são alvo cada vez mais recorrentes de terceiros que desenvolvem ferramentas aptas a atingir finalidades não compatíveis com os propósitos para os quais os programas foram desenvolvidos, violando, inclusive, as limitações técnicas impostas pelo software original, além de causar os mencionados danos materiais e morais à imagem das plataformas digitais e o prejuízo às suas marcas.

Com a proximidade do período eleitoral e as preocupantes práticas de envio de mensagens em massa aos usuários que, muitas vezes, estão associadas à disseminação de notícias falsas e interferência no processo legislativo, há a preocupação das plataformas em publicar uma nota de repúdio visando a proteger a reputação da sua marca.

Nesse seguimento, nota-se que a propriedade intelectual se revela como um fundamento jurídico eficaz para resguardar e amparar as empresas por meio da proteção conferida aos titulares de tais direitos, como bem ilustra o caso WhatsApp vs. Yacows.

 


[1] As rés fazem parte do mesmo grupo de empresas e utilizam a plataforma desenvolvida pela Yacows, denominada de "Bulk Services". Por esse motivo, como referência a essa família de empresas, será utilizada apenas a menção à empresa Yacows.

[2] "Você não usará (ou ajudará outras pessoas a usar) nossos Serviços: (…) (e) para enviar comunicações ilícitas ou não permitidas, mensagens em massa, mensagens automáticas, ligações automáticas e afins; ou (f) de forma a envolver o uso não pessoal dos nossos Serviços, a menos que esteja autorizado por nós". Disponível em https://www.whatsapp.com/legal/?lang=pt_br#terms-of-service.

[3] Sobre esse tema, foram ajuizadas quatro ações no Tribunal Superior Eleitoral para investigar as referidas empresas (Yacows, Kiplix e Deep Marketing): Ação de Investigação Judicial Eleitoral nºs, 0601771-28.2018.6.00.0000, 0601779-05.2018.6.00.0000, 0601779-05.2018.6.00.0000 e 0601779-05.2018.6.00.0000.

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