Opinião

O curioso caso de Ronaldo de Assis Moreira, parte 2

Autor

  • Víctor Minervino Quintiere

    é doutor em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Research Fellow na Universitá degli studi Roma TRE na Itália mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) sócio no escritório Bruno Espiñeira Lemos & Quintiere Advogados professor do programa de pós-graduação em Direito Penal do Centro Universitário de Brasília (Uniceub) professor convidado do programa de pós-graduação da Escola Baiana de Direito em Direito Penal e professor da Faculdade de Ciências Jurídicas (Fajs) do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).

30 de agosto de 2020, 15h09

Ao escrever o primeiro artigo sobre o curioso caso de Ronaldo de Assis Moreira [1], o objetivo foi o de compreender o conceito e os limites da prisão domiciliar no Paraguai e, dentro do possível, estabelecer linhas de semelhança e diferença com o regime brasileiro.

Passados alguns meses desde o primeiro texto, mais uma vez o processo ganha as capas dos jornais [2] com a informação de que Ronaldo de Assis Moreira e seu irmão, Roberto Assis, saíram da prisão, a qual estava sendo cumprida, até então, no Hotel Palmaroga, localizado na cidade de Assunção.

O objetivo do presente texto, portanto, é compreender as peculiaridades que envolveram a saída da prisão dos irmãos Assis, levando-se em conta o sistema penal e processual penal paraguaio, especificamente, sobre o instituto da Suspensión a prueba de la ejecución de la condena, algo semelhante à suspensão condicional da pena presente no artigos 77 a 82 do Código Penal Brasileiro e ao instituto da liberdade condicional.

Ao contrário do que leituras apressadas das manchetes possam levar à crer, em que pese terem sido postos em liberdade, os irmãos Assis foram condenados pela prática dos delitos imputados pelo Ministério Público do Paraguai.

Sobre a suspensão condicional da pena paraguaia, o artigo 44, parágrafo primeiro, do Código Penal Paraguaio [3] dispõe que, no caso de pena de reclusão até dois anos, o tribunal ordenará a suspensão de sua execução quando a personalidade, conduta e as condições de vida do autor permitem esperar que ele, sem privação de liberdade e por meios de obrigações, regras de conduta ou sujeição a um conselheiro de teste [4], pode, ao mesmo tempo, dar quitação, dentro do possível faticamente, pela ofensa causada e não praticar outro ato punível.

Sobre o tema, o parágrafo segundo do mesmo dispositivo legal menciona que a suspensão, em geral, não será concedida quando o autor for condenado durante os cinco anos anteriores à infração, a uma ou mais penas que, no total, adicionem um ano de prisão ou multa ou, ainda, quando o novo delito foi cometido durante o período probatório vinculado a uma condenação anterior.

Na sequência, o artigo 44, parágrafo terceiro, do Código Penal Paraguaio disciplina que a referida suspensão não pode se limitar a uma parte da pena. Já o parágrafo quarto dispõe que o tribunal determinará um período de julgamento não inferior a dois e não superior a cinco anos, que devem ser contados a partir da sentença final sendo possível que o período de teste possa ser posteriormente reduzido ao mínimo ou, antes do final do período fixado, estendido até o máximo esperado.

O artigo 45 do Código Penal Paraguaio, ao abordar sobre as obrigações do condenado, esclarece que, para fins de "período de prova", o tribunal pode impor certas obrigações a fim de dar satisfação à vítima pelo crime causado e restaurar a paz social sendo ressalvado, entretanto, que as obrigações impostas não podem exceder os limites de exequibilidade para o condenado, trazendo a ideia de que deverá existir um equilíbrio entre os fatores envolvidos.

Nesse sentido, de acordo com o artigo 45, parágrafo segundo, o tribunal pode impor ao (à) condenado (a): 1) a reparação, em prazo determinado e de acordo com as suas possibilidades, dos danos causados pelo ato punível; 2) o pagamento de uma quantia em dinheiro para uma instituição de caridade; ou 3) a realização de outros benefícios para o bem comum, como doações para entidades de assistência social.

Sobe as obrigações do condenado, o parágrafo terceiro do mesmo dispositivo legal estipula que, quando o condenado o condenado oferecer outros benefícios adequados e destinados à satisfação da vítima ou da sociedade, o tribunal aceitará a proposta desde que a promessa de seu cumprimento seja confiável.

Referido artigo explica, por exemplo, a condenação dos irmãos Assis ao pagamento de multas [5] para a reparação dos danos sociais causados às autoridades paraguaias, bem como a destinação para instituições penitenciárias.

O artigo 46 disciplina, por sua vez, as regras de conduta. A partir da leitura do referido dispositivo, o juízo poderá expedir as chamadas normas de conduta para o período de julgamento quando o condenado necessita deste apoio para não voltar a cometer atos criminosos.

Referidas regras de conduta não devem infringir, importante destacar a partir da leitura do referido artigo, os direitos invioláveis das pessoas ou constituir uma limitação excessiva em suas relações sociais.

O parágrafo segundo do artigo 46 do Código Penal Paraguaio disciplina que o tribunal poderá obrigar o condenado a: 1) cumprir as ordens relativas à sua residência, instrução, trabalho, tempo livre ou arranjo de suas condições econômicas; 2) comparecer perante o tribunal ou outra entidade ou pessoa em datas específicas; 3) não encontrar certas pessoas ou certos grupos de pessoas que poderiam dar-lhe a oportunidade ou incentivo para realizar atos puníveis novamente; 4) não possuir, transportar ou deixar em depósito certos objetos que possam lhe dar oportunidade ou incentivo para cometer atos puníveis novamente; e 5) cumprir os chamados "deveres de manutenção", ou seja, todos aqueles delimitados para o caso concreto.

O parágrafo terceiro do mencionado dispositivo legal traz obrigações que poderão ser impostas, mesmo que sem o consentimento do condenado, a saber: 1) submissão a tratamento médico ou com o objetivo de desintoxicar o indivíduo; ,e 2) permanência em casa ou em determinado estabelecimento.

O parágrafo quarto, por sua vez, traz importante disposição no sentido de que, caso o condenado assuma por sua própria iniciativa compromissos em relação ao seu futuro ou à sua conduta de vida, o tribunal pode dispensar a imposição de regras de conduta quando o cumprimento da promessa, diante dos elementos do caso concreto, for confiáveis.

O artigo 49, por sua vez, trata sobre a revogação da suspensão condicional da pena no sistema paraguaio disciplinando, em síntese, que o tribunal revogará o benefício quando o condenado, durante o período de teste, cometeu novo crime doloso, demonstrando, portanto, que não cumpriu a expectativa que fundou a suspensão.

Sobre a liberdade condicional, prevista no artigo 51 do Código Penal Paraguaio, o juízo suspenderá a execução do restante da sentença privativa de liberdade quando: 1) dois terços da pena foram cumpridos; 2) pode-se esperar que o condenado não vá praticar novos crimes; e 3) haja o consentimento do condenado.

A decisão que analise sobre a (im)possibilidade de colocação do condenado em liberdade condicional será baseada, em particular, na personalidade do condenado, sua vida anterior, as circunstâncias da ofensa, seu comportamento durante a execução do sentença, suas condições de vida e os efeitos que a suspensão teria sobre ele.

Diante dos novos episódios, o caso envolvendo os irmãos Assis não deixa de ser curioso, fazendo jus ao título dessa série de artigos, levando-se em conta: 1) a velocidade com a qual foi proferida uma decisão condenatória (menos de um ano); e 2) a (ir)reversibilidade das punições decretadas contra ambos, não apenas no desenrolar do processo penal (ainda que haja eventual interposição de recurso pela Defesa) mas, e sobretudo, no que diz respeito às suas respectivas imagens.

Aguardemos os próximos capítulos…

 

[1] O curioso caso de Ronaldo de Assis Moreira. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/2020-abr-23/quintiere-curioso-ronaldo-assis-moreira>. Acesso em: 25.ago.2020.

[2] Ronaldinho Gaúcho e irmão deixam prisão depois de quase seis meses. Disponível em:<https://esportes.r7.com/fora-de-jogo/ronaldinho-gaucho-e-irmao-deixam-prisao-depois-de-quase-seis-meses-24082020>. Acesso em: 25.ago.2020.

[3] PARAGUAI. Código Penal Paraguaio. Disponível em:< https://www.oas.org/dil/esp/Codigo_Penal_Paraguay.pdf>. Acesso em: 24.ago.2020.

[4] Tradução literal do termo "assessor de prueba", utilizado no Código Penal Paraguaio. Sobre o tema, vide a tradução literal feita do art. 47, do Código Penal Paraguaio:

"Artigo 47 – Conselho de teste.

1º. O tribunal determinará que, durante todo ou parte do período de julgamento, a pessoa condenada está sujeito à supervisão e direção de um orientador de teste, quando indicado para impedi-lo de praticar atos puníveis novamente.

2. Quando a execução de uma pena privativa de liberdade de mais de nove meses for suspensa para uma pessoa condenada com menos de 25 anos, o aconselhamento de teste.

3º. O orientador do julgamento prestará apoio e atendimento ao condenado. Com acordo judicial irá monitorar o cumprimento das obrigações e regras de conduta impostas, bem como de promessas. Além disso, ele apresentará um relatório ao tribunal nas datas determinadas por isso e irá notificá-lo de lesões graves ou repetidas de obrigações, regras de conduta ou promessas.

4º. O orientador do teste será nomeado pelo tribunal, que poderá dar instruções para o cumprimento das funções indicadas no parágrafo anterior.

5º. O aconselhamento teste pode ser exercido por funcionários, por entidades ou por pessoas fora do serviço público".

[5] Multas cujos parâmetros para aplicação encontram-se disciplinados no artigo 52, do Código Penal Paraguaio.

Autores

  • é advogado criminalista, professor de Direito Penal no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), professor na Escola Superior da Advocacia do Distrito Federal (ESA-DF), vice-Presidente da Comissão de Acompanhamento das Reformas Criminais da OAB-DF, membro efetivo do Instituto dos Advogados do Distrito Federal (IADF), doutorando e mestre em Direito pelo IDP.

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