Opinião

A suspensão contratual temporária e a sua relação com as férias e o 13º salário

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29 de agosto de 2020, 6h35

A Lei nº 14.020, de 6 de julho de 2020, oriunda da Medida Provisória 936/20, instituindo o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, trouxe ao ordenamento justrabalhista medidas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus. Tais medidas, todavia, geram calorosos debates entre os operadores do Direito e, em especial, evidencia-se um: a suspensão do contrato de trabalho e o cômputo desse período no lapso de aquisição das férias e décimo terceiro salário.

Residem as deliberações acerca da suspensão temporária do contrato de trabalho na Seção IV da referida lei. Em suma, afasta-se o empregado de seu labor, recebendo benefício emergencial do governo em moldes próprios, ímpares à presente. Dá-se a reverberação dessa suspensão contratual, na seara judicial, pela clara inércia legislativa. Não há disposições acerca do computo ou não desse período de suspensão como tempo de serviço, e isso afeta estritamente as férias do trabalhador e seu 13º salário.

Para o enfrentamento da questão é necessária a observância da máxima de que situações excepcionais demandam medidas e entendimentos excepcionais. Não obstante tal premissa, alguns operadores do Direito já entendem, atentos ao estrito dizer legal, que não há contagem de tempo de serviço, culminando efetiva e negativamente na contagem dos períodos de férias e 13º do obreiro. Assim seria porque, esteando-se no conceito estrito de suspensão, não há labor ou salário e, por corolário, não há o cômputo do período embargado.

Há, também, quem defenda que a situação em testilha não está no rol celetista que trata das exclusões de contagem do período aquisitivo de férias, e a Lei nº 14.020/20 deveria efetivar a alteração para garantir a exclusão. Não o fez, e, portanto, deve-se haver a contagem do tempo contingente nos períodos de férias. Aqui reside, porém, a questão do 13º salário. Alicerçada tal visão também nos exatos ditames legais, vê-se que a Lei do 13º Salário (Lei n° 4.090, de 13 de julho de 1962) traz a expressa previsão de que o 13º é oriundo dos serviços prestados e, portanto, não haveria possibilidade de cômputo do período de suspensão contratual.

Por outra via, surgem entendimentos de que há a contagem do tempo de suspensão para qualquer efeito, tendo em vista a suspensão sui generis do contrato de trabalho, extraída de situação pouco antes vista pela sociedade. Não poderia, aqui, o empregado suportar os ônus do período pandêmico. Esse é o entendimento mais protetivo ao trabalhador e, portanto, o que atrai a necessidade de aplicação nas relações jurídicas processuais que porventura surjam.

A única certeza da questão em comento é a dúvida, e ela nos entrega mais uma boa teoria passível de utilização no cotidiano justrabalhista: a aplicação do princípio in dubio pro operario. Na lição de Maurício Godinho Delgado [1]: "Princípios são grandes fachos normativos, que cumprem o essencial papel de iluminar a compreensão do Direito em sua regência das relações humanas". Referido princípio chegou ao ramo trabalhista alicerçado no princípio jurídico penal in dubio pro reo.

Aplica-se o in dubio pro operario quando, havendo dúvida em interpretação de norma, sobrevém o entendimento que seja mais favorável ao trabalhador — figura já hipossuficiente na relação de trabalho —, encerrando o litígio com arrimo na proteção do obreiro. É o exato caso em testilha, donde sobrevém tão somente divergências de entendimentos. Não haveria como aplicar, in casu, o princípio da norma mais favorável, pois não há efetivo conflito de normas, mas sim divergência de entendimentos oriundos de legislação vaga.

Extraem-se dos antagonismos, em verdade, bons argumentos. Cada qual para um fim. Há quem atue, em um eventual litígio, para o empregador. Outros, para o trabalhador. Há, ainda, a figura imparcial, sedimentando-se a triangularização processual com a união dos três. O fato é que, qualquer que seja a situação, a proteção do trabalhador é a máxima a ser preservada historicamente pelo cotidiano justrabalhista, visando ao equilíbrio entre o capital e o trabalho, razão por que, aquém das discussões, o correto é a aplicação e a sedimentação do entendimento de que a suspensão temporária do contrato de trabalho não afeta o período aquisitivo de férias do obreiro, tampouco o período de cômputo para o 13º.

Note-se, por fim, que a suspensão parcial do contrato de trabalho já é uma benesse ao empregador, vez que não há pagamentos dos salários, reduzindo abruptamente os custos do negócio nesse período. Vislumbrando a situação por uma ótica meramente econômica, urge como maior prejudicado o obreiro. Ao não computar o período para os fins delineados na presente, a redução dos haveres decorrentes do labor é desenfreada, tanto no plano futuro quanto no hodierno. Mas não somente em questões econômicas reside a discussão. Ao abarcar as férias do trabalhador, a suspensão contratual temporária estaria ferindo a função intrínseca desse instituto: a garantia da saúde psíquica e física do obreiro. Não há possibilidade, em situações como a atual, de efetivação do descanso do trabalhador, pois reinam a apreensão, incerteza de prazo de duração da pandemia e a redução de qualquer contato social por risco iminente de contaminação. Finda a suspensão contratual, então, ver-se-ia o trabalhador compelido a trabalhar por meses adicionais para ter seu direito às férias e ao 13º salário garantido, mesmo sem qualquer vantagem durante o período pandêmico, afetando estritamente sua saúde. Afastada da razoabilidade, portanto, a situação.

A figura imparcial que põe fim ao litígio — o juiz do Trabalho —, debruçando-se sobre tal questão na prática, deve, como já dito alhures, atuar e julgar conforme os mais comezinhos objetivos do Direito do Trabalho: a proteção do trabalhador. O peso dos argumentos que levam ao entendimento de que deve haver o cômputo do período de suspensão parcial do contrato de trabalho para fins de aquisição de férias e recebimento de 13º salário, em pessoal opinião, é extremamente maior, seja pela suspensão contratual sui generis, pela aplicação do in dubio pro operario ou pelas questões inerentes à saúde do obreiro.

 


[1] DELGADO, Mauricio Godinho. “Curso de Direito do Trabalho”. São Paulo: LTr, 2019

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