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Repercussão geral não depende de quórum se matéria é infraconstitucional

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29 de agosto de 2020, 9h46

A decisão do Supremo Tribunal Federal que declara a inexistência de repercussão geral em determinado tema em razão da natureza infraconstitucional da discussão não depende de quórum qualificado de pelo menos oito ministros. Isso porque essa análise sequer ocorre, uma vez que a constitucionalidade da discussão é pré-requisito para julgamento pela Corte.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Recusa da repercussão geral exige concordância de pelo menos 8 ministros 
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Com esse entendimento, o Plenário do STF rejeitou embargos de declaração e considerou irreparável decisão anterior, do próprio STF, quanto à inexistência de repercussão geral — o caso refere-se a incidência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos pelo empregador ao empregado nos primeiros quinze dias de auxílio-doença.

Na prática, a decisão preenche uma lacuna interpretativa da Corte. O recurso extraordinário em questão começou a tramitar no STF em 2010. No ano seguinte, a Corte decidiu, no Plenário virtual, pela inexistência de repercussão geral, por se tratar de matéria infraconstitucional.

Relator, o ministro Carlos Ayres Britto decidiu dessa maneira e foi seguido pelos ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Outros três votaram pela existência de questão constitucional e de repercussão geral: os ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

Três ministros não votaram: Carmen Lúcia, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa. Na época, o STF ainda estava desfalcado de um membro: a ministra Ellen Gracie havia se aposentado e a ministra Rosa Weber não tinha sido empossada ainda.

Nelson Jr./SCO/STF
Ministra Carmen Lúcia entendeu que não há necessidade de quórum se a questão sequer é constitucional e, portanto, não pode tramitar 
Nelson Jr./SCO/STF

Com isso, tem-se que apenas quatro integrantes votaram contra a existência de repercussão geral, sendo que o parágrafo 3º do artigo 102 da Constituição Federal determina que o recurso extraordinário, que deve tramitar mediante demonstração de repercussão geral, só pode ser recusado pela manifestação de dois terços dos seus membros — ou seja, oito ministros.

O voto vencedor, divergente, foi dado pela ministra Cármen Lúcia. Reconhecendo a existência de dois requisitos de admissibilidade de recursos extraordinários (a questão de direito constitucional e a repercussão geral), a ministra entendeu que, pela literalidade do artigo 102, parágrafo 3º, da Constituição, a questão constitucional é requisito pressuposto para que se possa apreciar a repercussão geral.

"Assim, o exame da existência ou não da existência de questão constitucional no recurso extraordinário é logicamente antecedente à análise da repercussão geral da matéria. Constatando-se que o recurso trata de matéria infraconstitucional ou de ofensa indireta à norma constitucional, sequer se pode cogitar de apreciação da repercussão geral", apontou a ministra Carmen Lúcia.

"Situação diversa é aquela em que o Supremo Tribunal Federal manifesta-se pela ausência de questão constitucional no recurso extraordinário e assenta, no caso, incidirem os efeitos da inexistência de repercussão geral. Não há, então, análise da repercussão geral da matéria, pois o recurso extraordinário sequer trata de questão constitucional", concluiu.

Votos vencidos
Ficaram vencidos o relator dos embargos de declaração, ministro Luiz Edson Fachin, e o ministro Marco Aurélio. Fachin destacou que o comando constitucional é expresso quanto à exigência do quórum qualificado.

"E o tema de fundo é da maior importância. Diz respeito à reserva do Plenário no que se negou vigência, no Superior Tribunal de Justiça, a dispositivo legal, sem o deslocamento, considerado o incidente de inconstitucionalidade, para o Órgão maior. Trata-se de saber se incide ou não contribuição social sobre os primeiros quinze dias de afastamento do trabalhador, em virtude de doença ou acidente do trabalho", ressaltou o ministro Marco Aurélio.

Clique aqui para ler o voto da ministra Carmen Lúcia
Clique aqui para ler o voto do ministro Luiz Edson Fachin
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RE 611.505

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