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Conselho da OAB se manifesta contra reclamações trabalhistas por WhatsApp

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28 de agosto de 2020, 11h11

Um ato do TRT 14ª Região tem causado polêmica no âmbito da advocacia trabalhista por ter permitido que tanto o empregado quanto o empregador possam postular perante a Justiça do Trabalho, sem a presença de advogado, por meio de preenchimento de um formulário ou até mesmo por meio de WhatsApp. Trata-se do Ato n° GP 007/2020 que criou o NAAV (Núcleo de Atendimento e Atermação Virtual).

A advogada Zênia Cernov impugnou o ato no Conselho Nacional de Justiça através de um Pedido de Controle de Ato Administrativo, alegando que essa forma de reclamação trabalhista é um prejuízo aos empregados e aos empregadores diante do alto grau de complexidade das leis trabalhistas, além de ser um desprestígio à advocacia, função essencial à Justiça. "O sistema de atermação, como disponibilizado, importa em prejuízo ao jurisdicionado. Em tempos de pandemia, diversas e importantes alterações dos direitos trabalhistas foram implementados. Medidas provisórias foram editadas permitindo alterações no contrato de trabalho, suspensão, redução de salários, entre outras formas de, por um lado, garantir o emprego e a sobrevivência das empresas. É todo um ordenamento jurídico muito complexo", afirma.

O pedido se fundamenta ainda no fato de que, por não serem atos presenciais, isso poderá abrir as portas ao exercício irregular da advocacia, pois o preenchimento dos formulários e os textos de WhatsApp admitem que terceiros, não advogados, possam postular em nome do empregado/empregador.

A polêmica ganhou ainda mais força quando outros tribunais trabalhistas adotaram essa mesma modalidade de postulação. Várias seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil repudiaram atos idênticos, a exemplo da OAB Paraná e OAB Rio de Janeiro.

O prejuízo começou a se mostrar ainda mais evidente quando o TRT 18ª divulgou a realização de um acordo judicial por meio de WhatsApp, no entanto, a notícia evidenciava que vários direitos trabalhistas tinham sido violados. A trabalhadora não tinha recebido as verbas rescisórias no prazo legal e não lhe foi entregue a CTPS para habilitação ao seguro-desemprego. No entanto, sem a orientação de advogado, acabou por protocolar uma reclamação pleiteando apenas R$ 1.045 e realizou um acordo de R$ 250.

O pedido relativo ao ato do TRT 14 teve decisão inicial negativa, contra a qual foi interposto recurso. A pedido de Zênia Cernov, que requereu o auxílio da Ordem dos Advogados do Brasil, o Conselho Federal da OAB interviu no processo na condição de assistente, requerendo o provimento do recurso e a desconstituição do ato.

O pedido de assistência, assinado pelo presidente do Conselho Federal, Felipe Santa Cruz, e ainda pelos advogados Priscilla Lisboa Pereira e Rafael Barbosa de Castilho, apresenta uma farta fundamentação contrária à auto-defesa na Justiça do Trabalho. "Como um leigo poderá redigir uma petição inicial obedecendo aos requisitos do Código de Processo Civil? Como poderá enfrentar todo o ritual da instrução probatória sem estar amparado pelo advogado e atento a todas as armadilhas processuais? Com todo respeito, qualquer pessoa que milita na Justiça do Trabalho sabe que o leigo sem advogado torna-se um personagem sem voz no processo, visto que a construção da verdade processual exige muito mais do que a posse da verdade real: exige habilidade para prová-la e construí-la aos olhos do Juiz, usando como únicas armas um bem articulado discurso jurídico, uma retórica bem elaborada e a competente compreensão das leis."

A OAB Nacional alega ainda que, por mais que a CLT permita que as pessoas se apresentem sem advogado no processo trabalhista, isso jamais poderia ser incentivado através de sua facilitação e divulgação a ponto de se admitir um pedido formulado por meio de aplicativos como WhatsApp.

"O jus postulandi deve ser compreendido como uma exceção à regra da essencialidade da presença do advogado na administração da Justiça, inscrita no artigo 133 da CF, e à luz da realidade atual. Portanto, em hipótese alguma pode ser incentivado pelo Poder Judiciário Trabalhista, mormente da forma materializada pelo ato administrativo ora combatido. Não se trata apenas de um desrespeito e desprestígio à advocacia, mas ao devido processo legal. Não basta o acesso à Justiça, mas deve-se assegurar o acesso à ordem jurídica justa, o que pressupõe a paridade das armas entre as partes litigantes, clamorosamente inexistente quando uma parte comparece em juízo sozinha e a outra acompanhada de advogado. Respeitosamente, a apregoada vigência e prevalência do jus postulandi não justifica sua incitação e instigação pelo Poder Judiciário Trabalhista como realizado pela norma impugnada."

O pedido de assistência do Conselho Federal já foi admitido pela relatora no Conselho Nacional de Justiça, Processo nº 0004856-36.2020.2.00.0000, onde encontra-se aguardando o julgamento do recurso.

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