Opinião

Justiça Eleitoral e democracia são aliadas, não adversárias

Autor

  • Andrea Haetinger

    é advogada civil criminal e eleitoral pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas pela Univates e pós-graduanda em Direito Eleitoral pela FMP e em Direito do Consumidor pela Faculdade Dom Alberto.

28 de agosto de 2020, 6h03

A democracia brasileira é ambígua e contraditória. Se de um lado é um ser jovem, ainda raiando no horizonte, de outro é uma senhora de considerável idade, com mais de 500 anos acompanhando a evolução da História do Brasil. Se já viu imperadores serem entronados e presidentes, nomeados ou eleitos, também já viu vergonhosas saídas, entre renúncias, cassações e impeachments.

Se já viu os representantes do povo chegarem ao poder pelo sufrágio, seja de maneira direta ou indireta, também viu isso ocorrer por meio de golpes de Estado ou unicamente pelo fator hereditário, como nos tempos da monarquia. Se viu o esplendor da luz na sua existência, também presenciou um período de trevas e escuridão, no triste período da ditadura. Se de um lado encontra-se consolidada pelos direitos e garantias constitucionais, de outro vê-se abalada e apedrejada diariamente pelos mais diversos impropérios presidenciais — sem que se tenha qualquer intuito partidário nessa afirmação.

Se aparentemente restringe as nomeações e os mandatos dos candidatos eleitos soberanamente pela maioria dos votos, por outro aspecto impede que políticos e agentes públicos violem a própria democracia, no momento em que deixam de lado a lisura e a ética inerentes ao seu cargo ou função. Ou seja, preserva a liberdade e o direito de escolha justamente porque coloca esses valores dentro de determinados requisitos e padrões mínimos de condição.

Se existe no mundo desde os tempos do Império Romano, ainda é um regime dinâmico e em constante mutação, sempre acompanhando o desenvolvimento da sociedade e do próprio ser humano. Se para Abraham Lincoln "a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo", ainda existem aqueles que a veem como um regime defasado e que merece cair no esquecimento.

Pois é essa mesma democracia, assegurada pela Constituição de 1988, que necessita tanto ser protegida pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário como pela própria Justiça Eleitoral. Se o STF é conhecido como o guardião da Carta Magna, pode-se dizer que o TSE é o guardião do processo eleitoral e, consequentemente, da própria democracia.

Atualmente, verifica-se que o papel da Justiça Eleitoral vai muito além de meramente fiscalizar o funcionamento dos partidos e o processo eleitoral, a fim de evitar e punir abusos, corrupção e fraude, promovendo a igualdade de condições mínimas entre os candidatos.

Imagine-se por um segundo um Brasil sem uma Justiça Eleitoral, sem um órgão que acompanhe e fiscalize todo o processo eleitoral, desde a criação de um partido à homologação da apuração dos votos. Um país em que a análise dos eventuais crimes eleitorais fosse atribuída ao Poder Judiciário lato sensu, tão atravancado com suas próprias responsabilidades e cada vez mais abarrotado com infindáveis e incontáveis demandas, além da máquina operacional cada vez mais enxuta.

Ao constituir-se como parte da chamada Justiça Especial, juntamente com a Justiça Militar e a Justiça do Trabalho, retira do Poder Judiciário uma pesada carga e passa a atendê-la de modo específico, com servidores especializados em solucionar demandas inerentes ao tema, procurando estabelecer a licitude do processo eleitoral e coibindo a compra de votos, abuso de poder econômico e político, corrupção, fraude e os atuais crimes informatizados, como as cada vez mais presentes fake news.

A Lei nº 13.165/2015 alterou diversos dispositivos da legislação eleitoral, principalmente o acréscimo dos parágrafos 3º e 4º ao artigo 224 do Código Eleitoral, prevendo os casos de indeferimento ou cassação do registro ou a perda do mandato, com a subsequente realização de novas eleições. Com isso, e amparado nos princípios da Constituição Federal, a Justiça Eleitoral busca a lisura na conduta das eleições, tanto por parte do candidato quanto do eleitor.

Não há como emanar poder de uma sociedade democrática sem um processo eleitoral digno e justo, e no Brasil torna-se difícil isso acontecer sem o toldo e o lastro de uma Justiça Eleitoral. Graças a esse órgão, o eleitor brasileiro tem o direito de escolher os representantes nos quais acredita que terão o condão de bem conduzir o país — ainda que muitas vezes isso não se comprove.

As eleições não garantem a democracia, nem o inverso ocorre. Um sufrágio livre e universal, justo na sua concepção e legal na sua realização, permite o exercício da democracia na sua mais ampla forma, qual seja o direito de escolha à representação política. Todavia, a permanência da democracia deriva desse mesmo processo, posto serem os escolhidos pelo povo os responsáveis pela sua condução. A Justiça Eleitoral e a democracia não são adversárias, portanto, e, sim, aliadas na busca pela garantia dos direitos constitucionais, essencialmente o direito à liberdade e à igualdade.

Autores

  • é advogada civil, criminal e eleitoral, pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas pela Univates e pós-graduanda em Direito Eleitoral pela FMP e em Direito do Consumidor pela Faculdade Dom Alberto.

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