Opinião

Ativismo judicial, Deadpool e Sergio Moro: juntos e shallow now

Autores

  • Guilherme Augusto De Vargas Soares

    é advogado mestrando em Direito Público – Hermenêutica Constituição e Concretização de Direitos – pelo programa de pós-graduação da Unisinos membro da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-RS membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e membro do DASEIN (Núcleo de Estudos Hermenêuticos) coordenado pelo professor Lenio Luiz Streck.

  • Luis Felipe Leão Saccol

    é advogado mestrando em Direito Público – Hermenêutica Constituição e Concretização de Direitos – pelo programa de pós-graduação da Unisinos pós-graduando em Direito Público pela ESMAFE e membro do Grupo de Pesquisa "Liberdade & Garantias" sob a coordenação do professor Miguel Tedesco Wedy.

27 de agosto de 2020, 10h12

Colosso: "Nós temos regras! Você não é Juiz, Júri e nem Executor!".

Deadpool: "Caguei para a regra! Eu luto pelo o que é certo, e às vezes tem que jogar sujo".

O diálogo acima narrado pertence a uma das cenas iniciais do filme "Deadpool 2", da Marvel. Deadpool é um personagem criado por Stan Lee que possui a capacidade de se autorregenerar de maneira incrivelmente rápida, o que o torna imortal. Após ser resgatado por Colosso e levado para a mansão do professor Xavier, aquele apresenta algumas das regras da casa, quais sejam: não matar e colocar o nome nos seus pertences que estejam na geladeira.

Após serem chamados para uma missão, Deadpool viola a primeira regra, matando um homem que supostamente estaria envolvido em um crime (que aparenta ser um de tortura) praticado contra um jovem mutante. Colosso, irritado, imobiliza-o e o senhor Pool, como é chamado por seus amigos, é levado à prisão.

Vivemos tempos de ativismo judicial. Não que não soubéssemos disso, mas agora temos a prova de que o, à época, juiz Sergio Moro atuava de forma parcial, atuação esta consistente, e não única e exclusivamente, na orientação do membro do parquet no que tange à pratica de determinados atos, inversão de determinadas fases processuais e tantas outras práticas antiéticas, imorais e contrárias ao Estado democrático de Direito.

Com o vazamento das conversas pelo site The Intercept Brasil, o país verde e amarelo ficou divido. De um lado, os brasileiros "de bem". Os "nobres" apoiadores do combate à corrupção. Do outro, os "comunistas". Jovens — e outros nem tanto — brasileiros ávidos pela defesa irrestrita e incondicional da Constituição.

Grandes criminalistas saíram em defesa do vazamento, afirmando que a prova que ali se encontrava, embora obtida de forma ilícita, poderia ser utilizada, pois é benéfica ao réu e pelo princípio da proporcionalidade poderia ser utilizada para se evitar o cárcere do acusado que, neste caso, é o ex-presidente Lula.

Do outro lado, temos, por exemplo, o youtuber e músico Nando Moura, que aqui afirmou que não ocorreu nenhuma ilegalidade, tendo em vista que não há problema nenhum no fato de um procurador e um juiz conversarem acerca do combate à corrupção e colocar na cadeia "a quadrilha mais criminosa e corrupta que o país já viu". Por fim, este chama de "canalhas" aqueles que defendem a nulidade de todos os atos praticados pelo então juiz Sergio Moro.

Os fatos revelados por meio das conversas vazadas do Telegram de Sergio Moro e outros demonstram como funciona o processo penal "a la Curitiba". Violação de regras de competência territorial, vazamentos (que ironia!) de informações processuais para a imprensa, uma juíza que plagia a sentença do outro juiz [1], processos julgados em tempo recorde, e por aí vai…

Não sabemos por quais livros os personagens da "lava jato" estudaram, mas temos certeza de que se entre estes se encontram livros de Teoria do Direito, pouca teoria tinha ou, se tinha, era uma teoria esquematizada, mastigada e organizada pelo Deadpool.

Aplicar a letra fria da lei (constitucional, obviamente) não é uma atitude positivista, como bem lembra o professor Lenio Streck, mas, sim, um dever inerente ao Estado democrático de Direito [2] e esta somente pode deixar de ser aplicada dentro das seis hipóteses que o professor bem trabalha em suas obras [3].

O Chief Justice Roger Taney, quando no julgamento do famoso caso "Dread Scott v Sandford", na Suprema Corte americana, afirmara que "não é atribuição da corte decidir sobre a justiça ou a injustiça e que as injustiças da Constituição encontram nela mesma seu remédio: o processo de emenda constitucional. Enquanto a norma injusta constitucional permanece inalterada, ela deve ser interpretada como foi entendida no tempo da adoção" [4].

Não é de outra forma que Lenio Streck afirma que "a Constituição Federal não pode ser interpretada por meio de juízos morais, políticos e econômicos, mas somente pelo juízo jurídico", e conclui afirmando que "não importa a opinião pessoal do ministro, pois a moral não pode corrigir o Direito, e o Supremo tem o dever de não permitir a deturpação da Constituição" [5].

Se de alguma forma isso te deixa feliz, senhor Juiz Pool (sic), rolam boatos de que na continuação de "Deadpool 2" o ícone do referido personagem deixará de ser o Hugh Jackman, que interpretava o Wolverine, para ser ocupado por um juiz, pois o coração dele agora só tem espaço para juízes solipsistas. Afinal, não me espantaria se o diálogo que introduz o presente texto tivesse sido retirado das mensagens de Telegram da "vaza jato" há alguns anos e entregue aos executivos da Marvel, pois, convenhamos, de Deadpool o Juiz Pool tem muito.

 


[1] MARTINES, Fernando. Gabriela Hardt admite que usou sentença de Moro como “modelo” para condenar Lula. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-mar-01/juiza-admite-baseou-sentenca-moro-condenar-lula2> Acesso em 30 de junho 2020.

[2] STRECK, Lenio Luiz. Novos argumentos sobre as ADCs contra a prisão em segunda instância. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-jun-13/senso-incomum-novos-argumentos-adcs-prisao-segunda-instancia>. Acesso em 30 de junho de 2020.

[3] Cf. STRECK, Lenio Luiz. Resposta adequada à Constituição (resposta correta). Dicionário de Hermenêutica: Quarenta temas fundamentais da teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2017, p. 258-259.

[4] AZEVEDO CAMPOS, Carlos Alexandre de. Dimensões do Ativismo Judicial do STF.1ª.ed. Rio de Janeiro: Forense. 2014. P. 55-56.

[5] STRECK, Lenio Luiz. Juristas precisam lutar contra conluio entre juízes e promotores, diz Lenio Streck. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-jun-14/juristas-lutar-conluio-entre-juizes-mp-lenio> Acesso em 30 de junho de 2020.

Autores

  • é advogado, mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), bacharel em Direito pela mesma universidade e membro do Dasein - Núcleo de Estudos Hermenêuticos e Membro da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil – Rio Grande do Sul (OAB/RS).

  • é graduando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e bolsista CNPq/Fapergs de Iniciação Científica.

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