Abuso do direito de ação

Sem desvio de finalidade, ação ajuizada não gera dano moral a acusado, diz STJ

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27 de agosto de 2020, 16h17

A denúncia de possíveis irregularidades cometidas administrativamente por prefeito e outros, com o ajuizamento de ação popular, por si só, não é suficiente para justificar ofensa de cunho pessoal. O fato de a ação ser julgada improcedente pelo Judiciário não gera dever de indenização por danos morais.

Gustavo Lima
A análise do abuso deve ser ainda mais minuciosa quando se tratar de ação popular, segundo ministro Villas Bôas Cueva 
Gustavo Lima

Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu parcial provimento a recurso especial de grupo de vereadores da cidade de Rio do Sul (SC), que ajuizou ação contra o então prefeito e depois foi condenado a indenizá-lo porque repercutiu negativamente na esfera política e na honra pessoal.

A ação popular apontava conluio entre o prefeito e um particular, que comprou imóvel da prefeitura e depois alugou-o ao poder público, o que demonstraria intenção de tirar proveito dos cofres públicos pela manipulação dos valores. A ação foi julgada improcedente.

Os dois acusados então pediram indenização por dano moral. Primeira e segunda instâncias entenderam que, no caso, houve ofensa pessoal, com evidente abuso do direito de ação. A condenação neste caso foi de indenização de R$ 10 mil a cada um dos vereadores.

Relator, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva explicou que a jurisprudência do STJ entende pela excepcionalidade do reconhecimento de abuso do direito de ação, por estar intimamente atrelado ao acesso à Justiça. Assim, o abuso deve ser reconhecido com prudência pelo julgador, apenas quando amplamente demonstrado, sem margem para dúvidas de que o direito de ação foi exercido de forma abusiva.

“O fato de os réus, inicialmente, no âmbito da ação popular, terem arguido uma série de possíveis ilegalidades referentes à alienação do imóvel público, apontando, inclusive, a proximidade entre o prefeito e os autores como uma das possibilidades para que a realização da venda e do posterior uso do imóvel sem contraprestação, não é suficiente, por si só, para justificar uma ofensa de cunho pessoal”, afirmou o relator.

Outros aspectos do caso se somam nessa conclusão. O primeiro é que havia indícios das irregularidades, tanto é que o magistrado de primeiro grau concedeu tutela antecipada na ação popular. O segundo é que não houve condenação por litigância de má fé. Embora isso não seja requisito para a lesão à honra, constitui um mecanismo repressivo previsto pela própria lei para coibir os abusos do direito de ação.

“Assim, não se pode validar o fundamento de que figurar no polo passivo de uma ação que tenha ganhado repercussão social enseja dano de natureza extrapatrimonial, sob pena de inviabilizar o uso da ação popular que, inegavelmente, envolve interesses de natureza coletiva, com potencial para ampla repercussão na comunidade local ou mesmo nacional. A própria característica dos bens protegidos pela ação popular leva a essa repercussão”, concluiu.

Assédio processual
Vem da 3ª Turma do STJ a definição do ilícito de “assédio processual”: o ajuizamento de ações sucessivas e sem fundamento para atingir objetivos maliciosos. Ela ocorreu em caso julgado em 2019 e está entre os citados no voto do ministro Villas Bôas Cueva, que ressaltou a importância da análise acurada sobre o tema.

“A análise da configuração do abuso deve ser ainda mais minuciosa quando se tratar da utilização de uma ação constitucional, como é o caso da ação popular, voltada à tutela de direitos coletivos e um importante instrumento para a efetivação da democracia participativa, pois possibilita a participação do cidadão na gestão da coisa pública”, disse.

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REsp 1.770.890

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