Opinião

Colaboração premiada: impugnação do acordo por terceiro e a decisão do STF

Autor

  • André Luís Callegari

    é advogado criminalista pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid professor de Direito Penal no IDP-Brasília sócio do Callegari Advocacia Criminal e parecerista especialista em lavagem de dinheiro.

26 de agosto de 2020, 17h10

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, após empate no julgamento, por anular acordo de colaboração premiada imputando a culpa ao Ministério Público e, ao final, manteve as sanções premiais aos colaboradores e retirou as provas do órgão acusador [1].

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Essa decisão é de extrema importância e começa a fixar parâmetros que não se encontram na lei para os casos de anulação ou rescisão dos acordos de colaboração premiada. Com a alteração legislativa promovida pelo pacote "anticrime", a rescisão de um acordo agora encontra previsão legal, desde que ocorra a omissão dolosa de fatos, ou seja, deixados de lado intencionalmente pelo colaborador [2].

Porém, o caso do acordão em comento é distinto. Quando tratamos de anulação de um acordo, a discussão parece girar em torno de vício na formação do contrato, diferentemente dos casos de rescisão, já que nesta o fundamento será em face de omissão dolosa do colaborador, e naquela o fundamento será por um defeito na celebração do acordo (coação, fraude etc.).

Na prática, essa distinção implica a manutenção de um lado das provas para o Estado e de outro das sanções premiais para os colaboradores. Se houver a rescisão por omissão dolosa do colaborador, ele perde o direito às sanções premiais previstas na Lei 12.850/13 e o Estado poderá seguir usando a provas decorrentes do contrato firmado entre as partes. Porém, a situação é distinta se houver vício na formação do acordo, caso de anulação, eis que nem o Estado poderá usar a provas e tampouco o colaborador fará jus aos prêmios previstos na lei de regência da colaboração.

O ministro Gilmar Mendes, relator do Habeas Corpus de que estamos a tratar, tombado sob o nº 142.205, posicionou-se pela anulação do acordo firmado entre os colaboradores e o Estado, com a manutenção das sanções premiais aos colaboradores, tendo em vista que a causa da anulação foi por atuação abusiva da acusação.

O ponto angular dessa discussão está na possibilidade de terceiros delatados poderem impugnar os acordos de colaboração premiada. A jurisprudência da corte, até o momento, orientava-se no sentido de que ao delatado faltava interesse jurídico para contrapor as cláusulas do acordo, mas teria interesse em se opor aos elementos de prova que exsurgem do acordo de colaboração premiada [3] [4].

Esse entendimento é igualmente aplicado em situações como a de reclamação ajuizada no Supremo Tribunal Federal por alegada violação à Súmula Vinculante nº 14 do STF, na qual se pretendia o acesso a um acordo de colaboração premiada para, nas palavras do reclamante delatado, "(…) examinar a existência dos pressupostos do(s) acordo(s) de delação premiada realizado(s)" [5]. Diante desse pleito, reconhece-se apenas ao Ministério Público e ao agente colaborador a legitimidade para impugnar a decisão homologatória do acordo em razão da ocorrência de algum vício, reservando-se ao agente delatado a liberdade de exercer sua defesa, em relação aos elementos de prova colhidos na colaboração, no inquérito policial ou na ação penal respectivos, havendo, na referência do ministro Alexandre de Moraes, o exercício de um contraditório diferido [6], inclusive com direito a inquirir o agente colaborador [7].

O voto vencedor do ministro Gilmar Mendes no Habeas Corpus em comento altera a posição dominante do STF, pois indica que nos casos de flagrante ilegalidade na formação do acordo haveria a possibilidade do delatado impugná-lo. Acreditamos que assiste razão ao ministro, porém, com a alteração legislativa introduzida pelo pacote anticrime na Lei 12.850/13, o controle da legalidade será exercido de forma mais rigorosa pelo juiz e/ou relator que homologa o acordo, dificilmente haverá o descumprimento das cláusulas legais que possam levar à anulação do acordo [8]. Ademais, a própria lei veda expressamente a concessão de sanções premias em desacordo com a legislação penal brasileira. Não bastasse tudo isso, o juiz deverá também ouvir sigilosamente o colaborador, o que confere ainda mais um grau de supervisão da formação do acordo dentro da legalidade, isto é, sem vícios que possam levar a sua posterior nulidade.

Por fim, não estamos defendendo que os delatados não possam impugnar os acordos de colaboração premiada, ainda que a posição majoritária do STF seja nesse sentido. Ocorre que o HC 144.205 examinou um caso em que não havia a alteração legislativa introduzida pela Lei 13.964/19, que permite ao juiz e/ou relator um controle mais acurado da legalidade no momento da homologação. Acreditamos que com essa possibilidade de fiscalização do magistrado as chances de ilegalidade do acordo diminuem sensivelmente. Porém, nos casos em que se verificar, mesmo após este controle, que houve um vício na formação do acordo, o único caminho será a sua anulação, como bem decidiu a 2ª Turma do STF.

 


[1] STF, HC 142.205, Rel. ministro Gilmar Mendes.

[2] CALLEGARI, André Luís. Pacote Anticrime. Coordenador João Paulo Lordelo G. Tavares. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 82.

[3] CALLEGARI, André Luís; MARQUES, Raul Linhares. Colaboração Premiada. 2ª. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 174.

[4] STF, Inq 4405 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27/02/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-064 DIVULG 04-04-2018 PUBLIC 05-04-2018.

[5] STF, Rcl 21258, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 03/12/2015.

[6] STF, Pet 7074 QO, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-085 DIVULG 02-05-2018 PUBLIC 03-05-2018.

[7] STF, Rcl 21258, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 03/12/2015.

[8] CALLEGARI, André Luís. Pacote Anticrime. Coordenador João Paulo Lordelo G. Tavares. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 78/79.

Autores

  • é advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid, professor de Direito Penal nos cursos de mestrado e doutorado do IDP/Brasília e advogado de Joesley Batista.

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