Opinião

Matéria constitucional x repercussão geral

Autores

25 de agosto de 2020, 6h04

O Supremo Tribunal Federal atua em nosso ordenamento como um tribunal constitucional de vértice, que tem como função principal proteger a Constituição Federal e unificar a interpretação dos seus dispositivos legais, sendo que uma discussão jurídica só pode ser travada na corte, se for demonstrada a chamada repercussão geral, em que haja relevância econômica, política, jurídica ou social.

O mecanismo da repercussão geral, apesar de parecer um conceito restrito ao "juridiquês", nada mais é do que a transcendência dos efeitos de uma determinada discussão para outras causas, em palavras mais simples, a capacidade do meu problema afetar o seu problema. Mas não é só.

Antes de possuir repercussão geral, deve-se aferir também, por óbvio, se a questão discutida é constitucional, já que é competência do STJ a análise da legislação infraconstitucional.

Nessa definição da "constitucionalidade" da discussão, tanto a Constituição Federal como o Regimento Interno do STF não trazem qualquer especificação quanto ao quórum, tanto que o reconhecimento de sua ausência pode até mesmo ser veiculado por decisão monocrática do relator do recurso.

Agora, após reconhecida a existência de questão constitucional, passa-se para análise da existência do requisito da repercussão geral que tem um mecanismo de votação muito diferente e mais rígido.

A Constituição Federal define em seu artigo 102, §3º, que "no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros". Esse entendimento está também refletido no artigo 324, §2º, do Regimento Interno da Suprema Corte.

Portanto, existe um mecanismo de presunção positiva da repercussão geral, caso não alcance dois terços dos ministros, presume-se que a discussão possui repercussão geral e será analisada pelo Supremo Tribunal Federal. E, além disso, a decisão para reconhecer ou não a repercussão geral é sempre plenária, nunca unipessoal do relator.

No entanto, na prática forense, quando o processo é levado para julgamento para definir a existência ou não de repercussão geral, é feita também a análise preliminar, mas simultânea, da existência de questão constitucional e as regras regimentais ficam mais complexas.

Exemplo disso é a discussão travada no Recurso Extraordinário nº 611.505/SC (Tema nº 482).

O ministro Ayres Britto, relator do caso na época do julgamento, levou para votação em plenário virtual e manifestou-se pela ausência de discussão constitucional e, por consequência, ausência de repercussão geral.

Seu voto foi acompanhado pelos ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux; os ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli e Gilmar Mendes divergiram, entendendo que a questão era constitucional, e mais, possuía repercussão geral.

O que torna essa discussão ainda mais interessante é que os ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia não se manifestaram no julgamento

Nesse sentido, a ausência de pronúncia foi contabilizada como anuência do voto do ministro relator que considerou ausente a questão constitucional e ausente a repercussão geral. No fim, entendeu-se que a questão não seria constitucional e estaria, por consequência, ausente a repercussão geral.

No entanto, a Fazenda Nacional opôs embargos de declaração suscitando dois pontos interessantes: I) a Constituição Federal exige dois terços dos ministros (oito) para que se repute ausente a repercussão geral; e II) foram apenas sete votos no julgamento do RE nº 611.505/SC.

À primeira vista, a insurgência da Fazenda Nacional parece ter total sentido. Ora, o dispositivo da Constituição Federal é muito claro, não alcançando dois terços dos membros do STF, deve-se reputar existente a repercussão geral. No entanto, não é tão simples.

O primeiro ponto é que, na época do julgamento, a ministra Ellen Gracie acabava de se aposentar e a ministra Rosa Weber ainda não tinha assumido seu posto, deixando o total de ministros votantes em dez.

A Constituição Federal fala em "manifestação de dois terços de seus membros", isso significa que a cadeira vazia deixada pela aposentadoria da ministra Ellen Gracie entraria no cálculo? Ademais, mesmo entrando no cálculo, não contaria como abstenção e somaria o voto faltante nos sete que já acompanharam o relator?

Ainda como dito no início, a repercussão geral só é analisada quando há efetivamente questão constitucional. No caso, quatro ministros votaram, acompanhando o relator, pela ausência de questão constitucional e três ministros não se manifestaram, isso quer dizer que, mesmo que fosse possível defender eventual erro no julgamento da existência de repercussão geral, a questão discutida nem mesmo foi reconhecida como constitucional.

O julgamento do RE 611.505/SC está marcado para terminar na sexta-feira (28/8). Até o momento, dois ministros se pronunciaram para anular o julgamento anterior e reconhecer a repercussão geral e três ministros entenderam que o quórum foi regular exatamente pelo reconhecimento de que a questão não é constitucional.

Mais do que uma questão processualmente intrigante, está em jogo também reavivar a discussão sobre a incidência ou não de contribuição previdenciária sobre os valores pagos pelo empregador ao empregado nos primeiros 15 dias de auxílio-doença e auxílio-acidente.

Assim, os contribuintes, no pior dos cenários, poderão reviver um assunto que há muito tempo já foi dado como ganho, com o reconhecimento, inclusive, pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de repetitivo e deverão aguardar o julgamento de mérito do recurso pelo STF para que haja uma decisão definitiva sobre a questão.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!