Opinião

Reflexões sobre os impactos de uma decisão

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25 de agosto de 2020, 7h12

A vida humana é cheia de decisões, as quais são tomadas do nascer ao pôr do sol e até na ausência de luz solar. Em verdade, os seres humanos tomam decisões o tempo todo, desde decisões simples, como se vai levantar ao acordar pela manhã, até decisões que impactam todo o território brasileiro de forma avassaladora.

Com efeito, recentemente foi noticiada amplamente pelas mídias uma dessas decisões, a notícia trouxe a informação de que o Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Processo REsp 1815055/SP, por meio da Corte Especial, decidiu que verba salarial não pode ser penhorada para pagamento de honorários advocatícios.

Ocorre que num primeiro momento muitos podem até pensar que tal decisão tem o condão de prejudicar os interesses apenas e tão somente dos advogados daquele processo. Mas, na verdade, a decisão foi muito além, trata-se de profunda e injusta alteração da jurisprudência até então consolidada pelo STJ, que atinge diretamente os interesses de toda a advocacia, assim como atinge diversas outras pessoas.

Em nosso sentir, essa decisão do STJ não foi justa porque, embora não tenha a intenção de incentivar a inadimplência, presta verdadeiro desserviço para a nação, cujo lema infelizmente é: "Devo não nego, pago quando quiser".

Todavia, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, tampouco trazer posição ou interpretação inovadora sobre a matéria debatida no Processo REsp 1815055/SP, apenas consideramos necessário pontuar que o Supremo Tribunal Federal editou até a Súmula Vinculante nº 47, reconhecendo que os honorários advocatícios têm natureza alimentar e, por isso, gozam de privilégio especial restrito aos créditos dessa natureza. Logo, independentemente de serem honorários advocatícios contratuais, arbitrados ou sucumbenciais, trata-se da justa contraprestação pelo trabalho desenvolvido pelo(a) advogado(a) e sem sombra de dúvidas a remuneração desse profissiona,l daí o STF ter reconhecido o caráter alimentar dessa verba.

Nesse diapasão, se é reconhecida aos honorários advocatícios a natureza alimentar, é evidente que aos créditos advindos de honorários advocatícios devem ser dados os mesmos privilégios assegurados aos demais créditos de natureza alimentar. Sendo forçoso concluir que a afamada impenhorabilidade de salário, aposentadoria, pensão por morte, etc. deve ser afastada por força do §2º do caput do artigo 833 do CPC, porque estamos diante de uma autêntica prestação alimentícia de qualquer natureza.

E que não nos venham afirmar que o termo prestação alimentícia quer se referir apenas à pensão alimentícia devida por vínculo familiar, ou seja, jus sanguinis.

Isso porque não é razoável crer que ao assegurar o direito à penhora de salário, aposentadoria, pensão por morte e etc. estar-se-á abrindo qualquer precedente para que os(as) advogados(as), na busca pelo merecido adimplemento da verba honorária, virão a postular a prisão civil do devedor, tampouco que esse pedido absurdo poderia vir a ser deferido por algum(a) magistrado(a).

Anote que há muitos anos nossa jurisprudência se firmou no sentido de permitir a penhora de salário, aposentadoria, pensão por morte etc. em casos de cobrança de verba alimentar de qualquer natureza, nem por isso nós temos notícias de pedidos de prisão de devedor de honorários advocatícios. Até porque a mesma jurisprudência pátria já se firmou assegurando que a decretação da prisão civil do devedor é apenas em caso de inadimplemento de pensão alimentícia devida por jus sanguinis.

A guinada que o STJ promoveu em sua jurisprudência ao proferir tal decisão reflete invariavelmente no direito de quem percebe pensão alimentícia devida por ato ilícito e no recebimento das verbas trabalhistas.

Com efeito, a depender do que a decisão do STJ passou a incluir no termo prestação alimentícia, independentemente da sua origem, inserido no §2º do caput do artigo 833 do CPC, isso importará em profunda redução dos direitos das vítimas que conseguiram após anos a fio o legítimo direito a perceber a pensão alimentícia devida por ato ilícito (caput do artigo 950 do Código Civil). Na medida em que se apenas a pensão alimentícia devida por jus sanguinis gozar do afastamento da impenhorabilidade de salário, aposentadoria, pensão por morte etc., essa interpretação infelizmente provocará óbice para que as vítimas tenham ao seu dispor um importante mecanismo para ter o eventual débito adimplido.

Já quanto ao recebimento das verbas trabalhistas, que são a justa contraprestação do trabalho desenvolvido por qualquer empregado, do trabalho mais singelo ao trabalho mais gabaritado, entendemos que a decisão do STJ pode vir a estar em confronto direto com a posição do Tribunal Superior do Trabalho, que por reiteradas vezes permitiu a penhora de percentual do salário de sócio da ex-empregadora para pagar verba de natureza trabalhista devida ao reclamante, verba esta que indubitavelmente possuí caráter alimentício de qualquer natureza, a exemplo do que ficou decidido no Processo nº RO100805162175010000.

Note ainda que o TST, no Processo nº RO10659-18.2018.518.0000, permitiu a penhora de honorários advocatícios, que são a contraprestação recebida pelo(a) advogado(a) em razão do seu trabalho, para pagar dívida trabalhista, ficando expressamente consignado naquele julgado:

"Em conformidade com a inovação legislativa, a par de viável a apreensão judicial mensal de valores remuneratórios do executado que excederem 50 (cinquenta) salários mínimos mensais, tratando-se de execução de prestação alimentícia. qualquer que seja sua origem, também será cabível a penhora, limitado, porém, o desconto em folha de pagamento a 50% (cinquenta por cento) dos ganhos líquido do devedor, por força da regra inserta no §3º do artigo 529 do NCPC, compatibilizando-se os interesses legítimos de efetividade da jurisdição no interesse do credor e não aviltamento ou das menor gravosidade ao devedor".

Como se vê, de fato e de direito as decisões que tomamos podem gerar grandes impactos na sociedade e a decisão tomada pelo STJ em nossa humilde ponderação não foi feliz, vez que de forma abrupta trouxe a lume mudança radical de interpretação do §2º do caput do artigo 833 do CPC e, consequentemente, vai gerar consequências indesejáveis para todos os(as) advogados(as), bem como para as pessoas que percebem pensão alimentícia em virtude de terem sido vítimas de ato ilícito e ainda para as pessoas que buscam receber créditos trabalhistas, podendo ainda haver outros desdobramentos não vislumbrados nesse insight.

Finalizamos fazendo um humilde convite para que façamos reflexões sobre os impactos de uma decisão.

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